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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Crítica à pesquisa da UFPE que diz que os jovens estão mais conservadores.

Em um estudo realizado pela Universidade Federal de Pernambuco, dos 600 jovens entrevistados, 81% são contra a liberação da maconha. Segundo a reportagem exibida no Jornal Hoje, no último dia 15, os jovens estão “mais conservadores e preocupados com o futuro”.Veja o que a equipe Psicotropicus tem a dizer sobre isso.
A mesma pesquisa verificou que 76% destes jovens são também contra o aborto. A reportagem ainda destaca que os especialistas concluíram, com esta pesquisa, que “o acesso ao conhecimento e à educação faz com que os jovens desenvolvam senso crítico e responsabilidade.” E terminam com a frase: “Nesse caso, o conservadorismo pode ter efeitos positivos.”
Comentários da Equipe Psicotropicus sobre a notícia:
João Pedro Pádua
Notem a lamentável maneira manipuladora de construir a notícia, ao caracterizar a visão dos jovens como “consciente”. As entrevistas dos “especialistas” são também absolutamente risíveis. Essa de achar que jovens não terem visão de mudança é uma coisa boa para o “futuro do país” é de chorar…
Marisa Felicissimo
É realmente impressionante como uma reportagem sobre uma pesquisa com uma amostra tão pequena e tão pouco diversificada pode fazer tamanha generalização. Precisamos verificar o exato conteúdo desta pesquisa e como as perguntas foram formuladas.
Uma coisa sabemos, pelo menos nos EUA, as respostas são bastante diferentes dependendo da forma como a pergunta é formulada. No caso da “liberação da maconha” a resposta da maioria é sempre negativa, mas quando questionado se a maconha deveria ser regulamentada e taxada como o tabaco, um número bem maior de pessoas concorda. Essa palavra “liberação” na minha opinião, se foi realmente a utilizada na pesquisa, já é um viés proibicionista dos pesquisadores.
Da mesma forma para o aborto. Ninguém é a favor do aborto, ninguém propõe a sua liberação e estímulo à sua prática. Mas com certeza a existência de formas legais de realizá-lo reduziria imensamente o número de mortes e mutilações de mulheres que já o praticam e continuarão a praticar, mesmo sendo ilegal.
Agora, afirmar que jovens que pensam assim são “a grande esperança do nosso país” é um equívoco lastimável.
Luiz Paulo Guanabara
O material proibicionista está todo aparente.
Mais informações críticas sobre a pesquisa.
Por João Pedro Pádua
Algumas observações rápidas sobre por que as informações veiculadas por esse relatório são de má qualidade e não servem para avaliar uma generalizada opinião de universitários do Recife:
(i)                  a pesquisa foi feita por ALUNOS DE GRADUAÇÃO do curso de administração da UFPE, supervisionados por um professor. Isso quer dizer que a preocupação principal foi a de TREINAR eventuais ferramentas metodológicas que os alunos provavelmente aprenderam naquele curso acerca de pesquisas de opinião;
(ii)                Não se trata, portanto, de uma pesquisa DA UFPE, ou seja: uma pesquisa realizada pela universidade como um todo, a partir de um grupo de pesquisadores seus, com planejamento e financiamento específicos;
(iii)               Provavelmente por isso, há diversos problemas de metodologia, dentre os quais os principais são:
a.       Falta de explicitação quanto ao planejamento da escolha da amostra – apenas se faz referência a ser ela “estratificada por gênero” – e quanto ao caráter mais ou menos aleatório dela – requisito para confiabilidade da pesquisa;
b.      Falta de indicação da taxa de pessoas que não responderam às perguntas, nem a que tipo de grupo social/cultural pertenciam predominantemente;
c.       Falta de informação sobre o método de aplicação do questionário, e, especialmente, se ativo (pesquisadores vão aos alvos e perguntam diretamente) ou passivo (pesquisadores remetem o questionário e esperam a resposta);
d.      Falta de explicitação, no corpo do texto ou em anexo específico, das perguntas tais como literalmente formuladas aos indivíduos da amostra; só há uma referência à “perguntas abertas e fechadas” e outra indireta às perguntas a partir do seu tema e das respostas encontradas; apenas algumas dentre as várias perguntas formuladas estão explicitamente citadas no corpo do texto;
e.       Falta de análise específica quanto às correlações ditas por encontradas; apenas consta referência a coeficientes de correlação positiva, mas sem análise quanto à sua significância em termos globais, ainda mais tendo em vista um número de amostragem tão pequeno em alguns casos;
(iv)              Por fim, e mais importante, a falta de indicação de erro padrão da amostra com relação à população global – todos os estudantes universitários do Recife! – indica que a pesquisa não foi desenhada – ou não poderia ter sido desenhada – para avaliar as opiniões prováveis de toda a população-alvo. Assim sendo, o máximo que a pesquisa pode concluir é que NA POPULAÇÃO DA AMOSTRA DE 597 ALUNOS, houve, dentre os alunos que de fato responderam ao questionário, as preferências observadas.
Por tudo isso, o estudo “da UFPE”, que deu até matéria de telejornal de boa audiência em uma grande emissora de TV, não serve para nada em relação à medição de preferências sequer dos estudantes de ensino superior do Recife. Também por isso, qualquer análise que se venha a fazer sobre os dados desse estudo são, quando muito, um “chute consciente”, o que vale para qualquer dos temas abordados – desde a opinião sobre a legalização da maconha e outras drogas, até à opinião quanto ao oferecimento de suborno.

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