Psicotropicus - Centro Brasileiro de Política de Drogas

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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Nota oficial de apoio

Venho acompanhando de perto, não de tão perto quanto gostaria, os casos de Fabio, grower preso em Olaria – Rio de Janeiro com dez plantas de cannabis e o caso do usuário medicinal de Porto Alegre que teve sua propriedade invadida pela polícia e sua plantação dizimada. É com grande tristeza que nós da Psicotropicus tomamos conhecimento destes fatos e de muitos outros enquanto ao mesmo tempo acompanhamos os progressos de países como os EUA, Canadá, Israel, Holanda, entre outros que se utilizam do poder terapêutico da cannabis para combater males como a dor de cabeça, dor crônica, ansiedade, enjôo, falta de apetite, entre inúmeros outros.
Infelizmente o Fabio e o rapaz de Porto Alegre moram no Brasil e estão assujeitados à uma legislação ainda carente de muitas mudanças que possam proteger os interesses de usuários de drogas tornadas ilícitas. Fabio não está mais atrás das grades, graças a intervenção de muitos companheiros de luta, mas e o rapaz de 33 anos que usa a cannabis para combater as náuseas, enjôos, e mal-estar causado pelas sessões da quimioterapia??? Pelo que tenho acompanhado ele já tem um advogado para defendê-lo. Mas e se não tivesse?? Como faríamos????
Penso no movimento do Thiago (coletivo DAR) de termos uma listagem de advogados antiproibicionistas em todo o Brasil para que possamos acessar nestes casos, e acho uma otima idéia. Minha única preocupação é como faremos para nos assegurar que estamos lidando com cannabiscultivadores que, assim como nós, rechaçam o tráfico de drogas e os crimes a ele relacionados?
Quero parabenizar em nome da Psicotropicus, o pessoal da Marcha da Maconha, em especial o advogado e militante Gerardo Santiago e o também militante Renato Cinco, a turma do Hempadão, grupo que tem se mostrado coeso e coerente neste movimento, e do Growroom, site de excelência onde podemos encontrar noticias canábicas regadas diariamente, pela fundamental atuação e presença marcante nestes casos. A partir deste momento o movimento antiproibicionista tem importante vitória fortalecendo práticas de cultivo caseiro e abrindo um precedente para que nenhum usuário, seja ele grower ou não, venha a ser preso como traficante. Não estou com isso desconsiderando os equívocos que atual lei 11.343 traz em seu bojo não precisando quantidades que diferenciam o usuário do traficante e deixando esta interpretação para os agentes da lei. Mesmo assim, demos um grande passo rumo a um futuro que lutamos dia-a dia para que se faça presente.
É com grande felicidade que recebo a noticia de que Fabio não está mais na Polinter, e espero que esta seja a primeira de inúmeras mobilizações que precisarão ser feitas para mudarmos o atual paradigma proibicionista e repressor que nos cerca.
Sabemos os males que a cannabis pode combater, agora nos falta saber o que usar para combater o preconceito, a discriminação, a violencia, o moralismo e a hipocrisia que dominam o mundo para que trilhemos caminhos de maior tolerância e entendimento para a questão do uso de drogas no Brasil.
Maíra Fernandes

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Reform 2009 – A participação brasileira.

Este ano a presença brasileira na conferência Reform foi ainda mais expressiva. Além dos 9 brasileiros, reunidos e financiados pela Psicotropicus em conjunto com a OSI e DPA, mais 4 brasileiros marcaram presença na edição 2009 da Conferência Internacional pela Reforma das Políticas de Drogas.

Além de conversas individualizadas e em pequenos grupos, pelos corredores, nos intervalos e durante almoços, jantares e cofeebreaks, três brasileiros tiveram a oportunidade de apresentar temas de sua experiência em diferentes painéis. O único problema foi que os três se apresentaram no mesmo dia e horário, dividindo, assim, a nossa audiência. Mas, graças ao esforço da nossa equipe, conseguimos reunir relatos das três apresentações, que serão resumidos aqui.

William Lantelme Filho, fundador do growroom.net, participou da seção Marijuana’s Cultural Moment.

CIMG6329 William apresentou o growroom.net, o maior fórum virtual sobre cannabis em língua portuguesa, com cerca de 1500 participantes que discutem assuntos tão diversos quanto métodos de cultivo caseiro da cannabis e reforma das leis de drogas. William também falou do movimento da Marcha da Maconha no Brasil. Movimento que vem crescendo enormemente apesar das sucessivas proibições impostas pela justiça. A proibição, neste caso, gerou um efeito favorável. O movimento cresceu, organizou-se em suas bases regionais, saiu da clandestinidade e se tornou um movimento legítimo pela reforma das leis sobre a maconha no Brasil e através de ações na justiça, conseguiu realizar marchas com centenas de pessoas em diversas cidades e ainda ganhar apoio do Ministro do Meio-ambiente. Propostas de reforma, como a descriminalização do usuário e a regulamentação do auto-cultivo da maconha, ganharam não só as ruas, mas também a popularidade nos canais virtuais e apoio de políticos importantes, acadêmicos, juristas e organizações não-governamentais. O tema legalização, nunca foi tão abordado pela mídia de massa no Brasil, como foi neste ano.

Edward MacRae, antropólogo, pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia, participou da seção Ayahuasca: Traditional Uses and Modern Adaptations.

Reform2Edward resgatou a história das religiões sincréticas no Brasil, em especial o Santo Daime, que utiliza o chá de ayahuasca, como parte de seus rituais. Tradicionalmente, a ayahuasca sempre foi usada por povos da região norte e dentro de rituais religiosos bastante protetores. Edward fez um relato da pesquisa oficial, da qual participou, que possibilitou a regulamentação do uso ritual da ayahuasca no Brasil, inclusive para crianças e adolescentes praticantes da seita. O público presente colocou diversas questões sobre a possibilidade do uso medicinal e de tratamento das dependências, de como transportar a planta, dos usos rituais ou não, demonstrando claramente o interesse dos americanos pelo tema.

João Pedro Pádua, advogado e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e diretor Jurídico da Piscotropicus – Centro Brasileiro de Políticas de Drogas, participou da seção Confronting the U.S. War on Drugs in Latin America: Local and Regional Strategies.

Jpna ReformJoão Pedro abordou os dois principais tópicos sobre política de drogas no cenário público brasileiro atual: a pesquisa financiada pelo Ministério da Justiça e um projeto de reforma da atual Lei de Drogas, que deve chegar ao Congresso Nacional em breve. A pesquisa, coordenada pelas professoras Luciana Boiteux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Ela Wiecko Wolkmer de Castilho, da Universidade de Brasília, estudou todas as decisões judiciais do Rio de Janeiro e de Brasília que condenaram pessoas acusadas de tráfico de drogas durante o período logo após a edição da atual Lei de Drogas. As conclusões de estudo confirmaram que o típico “cliente” do sistema penal de repressão às drogas, é o pequeno traficante de varejo, preso sozinho e em flagrante, sem arma de fogo ou uso de violência, e sem ligação aparente com associações criminosas – organizadas ou não. Quanto ao tema do projeto de Lei, João Pedro esclareceu que, por iniciativa do deputado Paulo Teixeira (PT/SP), está-se trabalhando em um projeto que visa a reformar a atual Lei de Drogas brasileira, com o fim de descriminalizar definitivamente o uso de drogas e condutas relacionadas a esse uso – seguindo o modelo instituído, com sucesso, no ano de 2001, em Portugal –, e com o fim, ainda, de punir pequenos traficantes, sem ligação com a criminalidade violenta, com penas alternativas, que não envolvam tempo de prisão e todas os problemas que o aprisionamento acarreta. João Pedro fechou a sua apresentação destacando que não se deve perder o momento favorável para tornar corriqueiro e permanente o debate e os discursos públicos sobre drogas e políticas de drogas, não só na grande mídia e em espaços institucionais, mas também em espaços públicos informais e não-institucionalizados, como forma de combater o tabu em torno do tema drogas e política de drogas.

A escola da Maconha

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Reform 2009 – Bons ventos sopraram do deserto.

Por Michaela Bitarello do Amaral Sabadini *
A International Drug Policy Reform Conference, realizada na cidade de Albuquerque – Novo México, nos Estados Unidos, entre os dias 11 e 14 de novembro foi marcada pela riqueza dos debates e diversidade do publico presente. O congresso, que foi realizado pela primeira vez em 1989, teve seu maior público este ano, com mais de mil pessoas presentes, provenientes de diversas nacionalidades e de diversos setores envolvidos com o tema tais como pesquisadores, profissionais de saúde, cientistas sociais, políticos, juízes, usuários de drogas, ex-usuários, ativistas, líderes estudantis, entre outros. Um amplo espectro de “cores”, interesses e práticas culturais. O debate sobre a tão falada “questão das drogas”, nunca esteve tão bem representado, agregando todos aqueles envolvidos nesta discussão.
Tantas vozes unidas romperam o silêncio do deserto do Novo México e clamaram por mudanças. Em meio a tamanha diversidade, um tema central permeou todos os debates, conferências, mesas redondas e encontros casuais nos corredores do congresso, a necessidade de políticas de drogas mais eficazes e humanas, e a busca por soluções alternativas para a já falida “War on Drugs”. Como bem expressou Ethan Nadelmann (diretor executivo da Drug Policy Alliance – DPA) na abertura do evento: “para o bem ou para o mal as drogas estão em nossa sociedade e temos que aprender a lidar com elas; não em uma guerra, mas como pessoas que acreditam em justiça e liberdade”. E para Ethan, pela primeira vez em muito tempo, “o vento está soprando a nosso favor”!
O congresso começou com um pré-evento – o curso “The principles and practices of Harm Reduction Therapy”, conferido pela equipe do Harm Reduction Therapy Center de San Francisco, California. O treinamento foi coordenado pela diretora do centro, Patt Denning, psicoterapeuta e pesquisadora que desenvolveu a inovadora Harm Reduction Psychotherapy – uma abordagem baseada em uma visão biopsicosocial do indivíduo, multidisciplinar, de baixa exigência, com foco na motivação para a mudança de comportamentos e no respeito às escolhas individuais.
Durante os três dias seguintes do congresso, foram abordados os mais variados temas. Uso medicinal, cultural, descriminalização, regulamentação e legalização da maconha; uso terapêutico de drogas psicodélicas no tratamento do câncer, do alcoolismo e outras dependências e em psicoterapia; uso tradicional e religioso de drogas; descriminalização e regulamentação de todas as drogas; educação, ações comunitárias, família e minorias; prevenção; redução de danos; tratamentos alternativos; legislação; repressão (ou alternativas ao modelo repressivo); políticas públicas e política internacional; economia; direitos humanos; estigma; ativismo social; narcotráfico, violência, guerra e paz.
Perpassando todos esses temas, uma causa única – desmascarar a política de opressão racial e social em que se converteu a gerra as drogas. Na verdade, como foi dito em muitos momentos do congresso: “It is not a war on drugs, but a war on people”. Um guerra que vitimiza milhares de pessoas em todo o mundo, uma guerra diretamente ligada ao mercado ilegal de armas e à violência gerada pelo crime organizado, que se nutre do lucrativo mercado das drogas ilícitas. Uma guerra que transforma o usuário de drogas em criminoso, institucionaliza o estigma e afasta aqueles que precisam de ajuda do sistema de saúde.
Dos muitos pontos altos do congresso, um dos que mais me impressionou e motivou foi encontro das delegações latino-americanas. O encontro teve a moderação de Pablo Cymerman, coordenador da ONG argentina Intercambios, e se transformou em um espaço de troca de experiências e expectativas de mudança para a América Latina. Participaram do encontro representantes de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia e México. Ethan Naldemman também esteve presente, compartilhando a ideia de que precisamos avançar no processo de reforma internacional da política de drogas, mas de maneira autônoma. Cada região, cada país precisa ter autonomia de construir seu caminho e superar as dificuldades muitas vezes impostas por pressões internacionais. Neste encontro (e também em muitos momentos da conferência) a América Latina foi citada, seja pelo exemplo da Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, seja pelas recentes mudanças que vem acontecendo nas políticas e legislação de países como a Argentina, Brasil, Equador e da luta para legitimar o uso ancestral da folha de coca na Bolívia. Cada país presente no encontro relatou brevemente a situação das políticas de drogas locais, os desafios atuais e as ações, em nível governamental ou não-governamental que vem acontecendo na região. Todos ressaltaram a importância de uma visão social e ampliada sobre o tema, a influência internacional negativa nas políticas da região, a tensão social gerada pela violência associada ao narcotráfico, e a importância de um diálogo aberto com governos e sociedade civil.
Os bons ventos que sopraram do deserto do Novo México, mostraram que tabus vem sendo rompidos e é cada vez maior a pressão social para o fim da guerra às drogas e em prol de um diálogo franco a favor dos direitos civis, assim como ocorreu ao longo da História pelos direitos das mulheres, minorias raciais e gays, mais recentemente. Citando Gramsci: “The old is dead, but the new is not yet born”. Este é o momento de abrir um amplo debate sobre o “novo”, conquistar corações e mentes e lutar pelas mudanças que acreditamos.
* Michaela Bitarello do Amaral Sabadini – é psicóloga, doutoranda em Ciências da Saúde na UNIFESP e bolsista de doutorado-sanduíche CAPES na Universidade de Boston (USA) e esteve presente na Reform conference pela primeira vez este ano.