Fernando Henrique Cardoso*
O Proibicionismo falhou e precisamos redirecionar nossos esforços para os danos causados pelas drogas e para a redução do consumo.
A “guerra às drogas” é uma guerra perdida e 2011 é o momento para se afastar das estratégias punitivas e buscar novos marcos nas políticas públicas, baseados na saúde pública, direitos humanos e no senso comum. Estas foram as conclusões centrais da Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia, que eu formei juntamente com os ex-presidentes Ernesto Zedillo, do México, e Cesar Gaviria, da Colombia.
Nós nos tornamos envolvidos com essa questão por um motivo mobilizante: a violência e a corrupção associadas com o tráfico de drogas representam uma ameaça grande para a democracia em nossa região. Esse sentimento de urgência nos fez avaliar as políticas atuais e procurar por alternativas viáveis. As evidências são avaçaladoras. As estratégias proibicionistas, baseadas em repressão da produção e criminalização do consumo, falharam claramente.
Depois de 30 anos de massivos esforços, tudo o que o proibicionismo conseguiu foi mudar as áreas de cultivo e os cartéis de um país para outro (o “efeito Balão”). A América Latina continua sendo a maior exportadora de cocaína e maconha do mundo. Milhares de jovens continuam a perder suas vidas em guerras entre gangues. Os senhores do tráfico dominam comunidades inteiras com o medo.
Nós terminamos nosso relatório chamando para uma mudança de paradigma. O comércio ilícito de drogas continuará enquanto houver demanda por drogas. Ao invés de mantermos políticas falidas que não reduzem a rentabilidade do comércio de drogas – e assim o seu poder – nós precisamos redirecionar nossos esforços para os danos causados pelas drogas às pessoas e à sociedade, e para a redução do consumo.
Algum tipo de consumo de drogas sempre existiu através da história das mais diversas culturas. Hoje em dia, o uso de drogas ocorre em meio à sociedade. Todos os tipos de pessoa usam drogas por todos os tipos de motivo: para aliviar a dor ou para experimentar prazer, para escapar da realidade ou para melhorar sua capacidade de percebê-la.
Mas as estratégias recomendadas pela comissão não implicam em complacência. Drogas são danosas à saúde. Elas minam a capacidade do usuário de fazer decisões. Dividir seringas ajuda na dispersão de HIV/AIDS e outras doenças. Dependência pode levar à ruína financeira e abuso doméstico, especialmente de crianças.
Diminuir o consumo o máximo possível dever então o objetivo principal. Mas isso requer tratar os usuários não como criminosos a serem encarcerados. Mas como pacientes a serem cuidados. Muitos países estão buscando políticas que enfatizam a prevenção e o tratamento ao invés da repressão – focando as medidas repressivas para os verdadeiros inimigos: o crime organizado.
A rachadura no consenso global a respeito da estratégia proibicionista está crescendo. Um crescente número de países da Europa e da América Latina está se afastando dos modelos puramente repressivos.
Portugal e Suíça são exemplos comoventes do impacto positivo de políticas centradas na prevenção, tratamento e redução de danos. Ambos os países descriminalizaram a posse de drogas para consumo próprio. Ao invés disso ter levado a uma explosão no consumo de drogas, como muitos temiam, o número de pessoas buscando tratamento aumentou e o uso em geral das drogas diminuiu.
Quando as estratégias das políticas públicas mudam de repressão criminal para saúde pública, os usuários de drogas se tornam mais abertos a buscar tratamento. A descriminalização do consumo também reduz o poder do traficante de influenciar e controlar o comportamento do usuário.
Em nosso relatório, avaliando do ponto de vista da saúde pública – e nas bases da ciência médica mais avançada – nós recomendamos os méritos da descriminalização da posse de maconha para uso pessoal.
A maconha é de longe a droga ilícita mais amplamente usada. Existe um crescente corpo de evidências sugerindo que o dano causado por ela é, no pior dos casos, similar ao dano causado por álcool e tabaco. Além disso, a maior parte do dano associado com o uso da maconha – do encarceramento indiscriminado de usuários até a violência e a corrupção associada com o comércio da droga – é resultado da política proibicionista atual.
A descriminalização da maconha seria então um importante passo para lidar com o uso de drogas como um problema de saúde pública e não como uma questão para o sistema da justiça criminal.
Para ser segura e confiável, a descriminalização deve ser combinada com campanhas robustas de prevenção. A grande e sustentada queda no consumo de tabaco nas décadas recentes mostram que informação pública e campanhas de prevenção podem funcionar quando baseadas em informações que são consistentes com a experiência daqueles a quem é direcionada. O tabaco foi desglamorizado, taxado e regulado; ele não foi proibido.
Nenhum país traçou uma solução compreensiva para o problema das drogas. Mas uma solução não precisa demandar uma escolha simples entre proibição e legalização. A pior proibição é a proibição do pensamento. Agora, enfim, o tabu que impedia o debate foi quebrado. Estratégias alternativas estão sendo testadas e devem ser cuidadosamente revistadas.
No final das contas, a capacidade das pessoas de avaliar riscos e fazer escolhas informadas será tão importante para a regulação e o uso de drogas quanto políticas públicas e leis mais humanas e eficientes. Sim, as drogas erodem a liberdade das pessoas. Mas é hora de reconhecer que as políticas repressivas em relação aos usuários de drogas, enraizadas como são no preconceito, medo e ideologia, podem ser uma ameaça não menor à liberdade.
* Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil (1995-2002), é membro da Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia, e é conveniado da Global Commission on Drug Policy.
Este artigo foi publicado em inglês no jornal australiano “The Age” no dia 27 de dezembro do 2010 .Tradução feita pelo Coletivo DAR.
Um comentário:
excelente psicoblog!! sempre fonte de boa informação sobre o assunto. PARABÉNS!
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