Psicotropicus - Centro Brasileiro de Política de Drogas

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Rio de Janeiro, RJ, Brazil

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Um dia de Redução de Danos na Cracolândia do Jacarezinho

A história que vamos contar hoje é completamente real e atual. Qualquer cidadão que utilize as linhas férreas no Rio de Janeiro já viu a cracolândia, local aberto destinado ao consumo da droga. A missão realizada pela Psicotropicus neste território é de assistência e atenção aos usuários que sofrem com a condenação imposta pela sociedade, inclusive de parte dos moradores das comunidades em que moram.
 
Durante nossa visita ninguém foi agressivo ou hostil. Os usuários mais velhos olham mais desconfiados, mas também demonstram necessitar mais cuidados e atenções. Vale lembrar que o local faz parte de uma comunidade e que a grande parte dos moradores não gosta nem um pouco do consumo da droga na região. Apesar do consumo de maconha ser devidamente tolerado, o de crack é altamente discriminado.
 
Confira abaixo o relato do Diretor Executivo da Psicotropicus, Luiz Paulo Guanabara, que também participou da missão de redução de danos na mais famosa cracolândia do Rio de Janeiro.

A cracolândia da favela do Jacarezinho
por Luiz Paulo Guanabara
 
Na terça feira , 9 de novembro de 2010, fui pela primeira vez com nossa equipe de campo prestar assistência à cracolândia da favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Esse projeto financiado pelo Ministério da Saúde em parceria com o UNODC começou suas atividades em janeiro de 2010 e já atendeu aos municípios de São João de Meriti e Niterói. Para mais informações sobre o projeto, faça download do nosso folheto aqui.
 
Após cem metros de caminhada dentro da favela, cruzamos a linha do trem.  Ao longo dessa via, havia pequenos grupos de pessoas vivendo uma vida centrada no uso de crack. Nossa equipe logo foi reconhecida por moradores e alguns usuários, já que desde o mês passado nossa equipe tem marcado presença no Jacarezinho duas vezes por semana.
 
Os moradores pedem camisinha, mas os crackeiros querem de tudo: cachimbo, protetor labial, camisinha, bebida de chocolate. Isso é tudo que temos a lhes entregar, além da literatura que possivelmente não será lida. A parte mais importante do trabalho é o contato direto com os usuários, ouvir o que têm a dizer e dialogar com eles. Se necessário, encaminhar para os postos de saúde da região, cujos agentes de saúde já foram previamente capacitados pela coordenadora do projeto, Christiane Moema. 
 
A cracolândia do Jacarezinho, diferentemente das que eu vejo em São Paulo pela TV, localizadas em ruas e avenidas, fica no interior da favela. Para realizarmos esse trabalho, precisamos de autorização do poder paralelo. Afinal somos em teoria governados pelos poderes oficiais e constituídos. Existe aí um conflito de jurisdição ou de controle de fronteira e o estado paralelo precisa ver os passaportes dos que entram em seus territórios. Ao realizar o que fazemos e como fazemos, as autoridades locais nos permitem entrar.

Quando trabalhei no primeiro projeto de redução de danos do Rio de Janeiro em 1997, o insumo distribuído eram seringas e material para uso injetável de drogas. A cracolândia é uma tendência relativamente recente na maior parte do Brasil. Sem dúvida é consequência direta da atual política de drogas proibicionista. Talvez seja sua coroação.
 
A cracolândia é um fenômeno social dantesco cozinhado nas entranhas do folclore de que existem drogas das quais devemos impedir, inclusive com punição, que nossos compatriotas ou concidadãos façam uso. Sua manifestação à luz do dia e da noite agride a sociedade, que quer se livrar disso o mais rápido possível.
 
Mas não é lixo que está ali: são cidadãos que devem ter seus direitos e acesso à saúde respeitados. Se não tiveram uma educação que facilitaria lidar com eles e entender o que querem, temos de levar em conta que 25% sofre com o analfabetismo completo ou funcional.
 
Como eliminar a degradação que o uso de crack vem provocando, tem sido a indagação do governo e da sociedade frente ao crescimento e visibilidade de uma tribo improvável. Uma sociedade como a nossa que não tolera a diferença - tão atrasada que até hoje agride com grande violência a comunidade gay - encontra-se obviamente chocada com os crackudos. E a mídia entusiasmada com tudo que se refere ao crack e seus usuários, ajudando a complicar ainda mais o conflitante caos social.

A mídia complica as coisas. Nas redações dos telejornais televisivos os jornalistas não entendem nada do assunto. Recentemente o Jornal Nacional da TV Globo mostrou usuários de crack se reunindo nas bordas de cimento que margeam um rio cortando a cidade (era o Tietê?). Quando o apresentador Bonner  enche a boca para dizer "traficante", referindo-se a um sujeito que passa com um punhado de pedras de crack, certamente para vendê-las, ele obscurece a compreensão. Pois a palavra "traficante" passa a não definir mais nada, já que tanto os chamados barões da droga quanto a senhora do subúrbio presa em flagrante, sem antecedentes criminais ou armas, com 150 gr de maconha, são traficantes iguaizinhos. Chamar aquele cidadão com algumas pedras de crack pra vender de traficante é não entender do assunto. Ou revalidar uma ideologia cujas açoes baseiam-se na repressão e na violência. A mídia tem grande parcela de responsabilidade na violência oriunda da indústria das drogas tornadas ilícitas.

Certamente existe solução para o problema, mas para isso é preciso abandonar a ideologia barata do proibicionismo. É  preciso ignora os apelos patéticos da massa desinformada e dos lobistas da indústria farmacêutica travestidos de especialistas e partir para o pleno uso da imensa gama de ferramentas que o modelo de redução de danos nos ensina.

2 comentários:

Anônimo disse...

e como se diz-a ignoranca atravanca o progresso-vamos acordar e legalizar todas as drogas-como o alcool e o tabaco-que ja sao legalizados-e acabar com essa guerra-RIDICULA-.

Matheus disse...

vejo que o trabalho de agentes redutores de danos é muito importante para as populações, tanto marginalizadas, com suporte e acolhimento para as pessoas que sofrem com as condenaçoes sociais como também pela escravidão que a droga proporciona, como também em outros estratos da sociedade, produzindo uma maior compreensão do que é a droga e seu consumo, buscando conscientizar e melhorar a relação entre as pessoas e o consumo de drogas, como também entre usuários e não-usuários...
talvez este ultimo exija que cada um de nós sejamos um pouco de redutor no dia-a-dia... espero que haja mais investimentos nesse caminho...
muito boa a vossa intervenção :)
obrigado