Fonte: Terra
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que as políticas implementadas pelos Estados Unidos e por países da Europa em relação às drogas são acomodações, e não soluções. Ele também crítica os resultados alcançados no combate ao narcotráfico durante o regime mexicano de Felipe Calderón. "É uma guerra".
Em entrevista exclusiva ao Terra, FHC falou sobre as políticas que o Brasil deve implementar para a questão e reconheceu resultados positivos alcançados pelo Estado do Rio de Janeiro na pacificação das favelas da capital fluminense. No entanto, o ex-presidente alertou que, juntamente com a ocupação, é preciso 'ação social continuada' para sufocar o consumo das drogas.
No dia 3 de setembro, Fernando Henrique recebeu uma equipe do Terra para uma entrevista exclusiva em sua residência na zona sul de São Paulo. Um apartamento amplo, mas sóbrio, tal qual a figura de seu ilustre proprietário. Durante uma hora, o ex-presidente falou sobre sua participação no The Elders, o mensalão, a presidência de Dilma Roussef, a descriminalização das drogas e como lida com a idade, entre outros temas.
Confira trecho da conversa do Terra com o ex-presidente, em que ele fala sobre a possibilidade do Brasil descriminalizar o uso de drogas:
Terra - Uma causa que o senhor tem se envolvido muito nos últimos tempos é a questão das drogas. O senhor acha que a sociedade está pronta para discutir a descriminalização? Qual o modelo que poderia ser aplicado no Brasil?
Fernando Henrique Cardoso - A questão da descriminalização está sendo proposta, inclusive por um deputado do PT, que propôs que houvesse a descriminalização do usuário. Que o usuário de drogas não vá para a cadeia é quase consensual no Brasil hoje em dia. Qual é o problema? A polícia, muitas vezes, como não pode prender o usuário, diz que ele é traficante. Aí é corrupção, é coisa desse tipo. Mas há a compreensão no Brasil de que o usuário não pode ir para a cadeia, ainda mais agora depois do Uruguai, onde o presidente foi mais longe e propôs a legalização.
Eu disse que cada país tem sua solução, é verdade. Veja o que está acontecendo no Rio de Janeiro, o que faz a polícia pacificadora, e compare com o México. No México há uma guerra. A polícia pacificadora no Rio anuncia que vai entrar na favela. Para que? Para o sujeito ir embora. Ela não está entrando para dar tiro. Ela está desarmando o que pode, tirando as armas. Ela está liberando a população da favela do controle dos donos do tráfico, que estão indo embora, mas ela não está matando como arma diária - no México mata, o tempo todo. Ela não está sufocando o uso da droga lá. Ela está tirando de lá o traficante.
Para sufocar o uso da droga, precisa de outras coisas. Precisa de ação social continuada, precisa da presença do Estado, e campanhas para mostrar que a droga é ruim, porque é, que faz mal a saúde, porque faz, e regular e combater. Está dando resultado? Bom, até agora sim, no sentido de liberação de áreas e do desarmamento. Tem problemas? Tem. Porque a continuidade dessa ação pela presença do Estado para dar saúde, assistência médica e combate à droga, ainda não se viu se vai dar resultado, mas está avançado.
Eu acho que é momento de discutir, de dizer que uma questão dessa natureza não é só do governo, não é só da polícia. Cada pessoa deve se responsabilizar. As famílias, os empresários, as escolas devem discutir, abrir a questão, mostrar qual é o mal que faz. E, se você não puder eliminar, o que é quase impossível, regula. Como se fez com o cigarro. O cigarro não foi proibido, foi regulado e crescentemente regulado, porque faz a mal à saúde, então você tem que avançar nisso. Toda a droga faz mal à saúde. Faz mal o álcool, faz mal a cocaína, mas também faz mal a maconha, em graus diferentes. Você tem que insistir, discutir...quebrar o tabu.
Terra - O senhor acha que o caminho para o Brasil é regular a venda de maconha?
FHC - Eu acho que sim. Acho que você tem que descriminalizar e regular.
Terra - E o senhor acha que a sociedade brasileira está pronta para isso?
FHC - Não sei te dizer, por causa do tamanho do problema aqui. É muito amplo. No Uruguai, o Mujica (José, presidente) tomou a decisão de estatizar a produção e a oferta da droga. Você regula, mas quem faz a produção? Quem distribui? Não é tão simples, então vamos devagar.
Terra - O senhor acha que o exemplo do Uruguai pode ser uma porta de entrada para a discussão no Brasil?
FHC - Eu não sei. O Uruguai é um país pequeno. Aqui no Brasil é muito mais complicado. Monopólio de Estado de produção de maconha, eu acho que estamos muito longe disso. Se aceitar a descriminalização e a regulação, você tem que dizer: 'bom, então quem é que cultiva?'. Na Europa o que eles estão fazendo? Pode cultivar até 20 pés de maconha em casa. Nos EUA, o que estão fazendo? Lá é pior, estão produzindo muita maconha e o que estão dizendo é o seguinte: 'só para uso médico'. Isso é um disfarce. Na verdade, o médico dá a receita para o sujeito usar. Enfim, são acomodações, não soluções. Eu não sei se no Brasil estamos nem sequer a ponto de fazer acomodações, mas precisa-se discutir o assunto.
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