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Rio de Janeiro, RJ, Brazil

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Em tempos de “guerra” pensando em olimpíadas.

Por Vera Da Ros e Marisa Felicissimo

O Comitê Olímpico Internacional anunciará a escolha da cidade sede das Olimpíadas de 2016 em algumas horas. Na disputa estão Rio, Chicago, Madri e Tóquio. Michelle e Barack Obama, Lula, o rei da Espanha e o primeiro ministro do Japão já estão em Copenhague gastando milhões, apenas para “influenciar” os 106 membros do comitê. O orçamento inicial proposto pelo Rio é, de longe, o mais alto dos quatro, 14 milhões de dólares e mesmo assim a cidade está firme na disputa, sendo Chicago a principal “rival”.

Nesta disputa vale tudo. A mídia, é claro, não podia ficar de fora do lobby. A globo.com criou uma seção especial para o assunto, e a mídia internacional não ficou atrás. Nesta semana a agência de notícias Reuters e o The New Yorker deram destaque especial ao Rio “cidade de belezas naturais e guerra ao tráfico” e a globo chegou a acusar os jornais de fazer “campanha negativa” para o Rio.

“A cidade de extremos” é o tema da reportagem da Reuters: “Mais do que qualquer uma das outras competidoras aos Jogos, o Rio é uma cidade de extremos, com uma capacidade de encantar e incomodar todos os dias”, diz o texto publicado na última terça-feira.

Com informações que citam fontes da mídia brasileira, a revista The New Yorker publicou um artigo sobre a criminalidade na cidade do Rio, expondo detalhes de facções criminosas que comandam o tráfico de drogas nas favelas. O repórter do The New Yorker, Jon Lee Anderson, escreve que “o estado é quase ausente nas favelas. As facções fazem seu próprio sistema de justiça, imposto pela força de armas”. A edição online da revista publicou também um show de slides com imagens do tráfico e da ação da polícia nas favelas com a narrativa de Anderson.

As belezas naturais e a recuperação econômica do Brasil e do Rio são lembradas, mas os contrastes com o lado pobre da cidade, são destacados: “cerca de um milhão de favelados estão no meio de uma guerra brutal, entre traficantes de drogas que agem impunemente e uma polícia que atira primeiro e pergunta depois”.

A nossa guerra: a guerra ao tráfico.

Sabemos que essas reportagens sobre o Rio, infelizmente, retratam bem o Brasil de hoje, que muito ao contrário da “versão oficial”, tem uma história marcada por lutas e radicalismo e, certamente, nem a história, nem as lutas acabaram. Quem pensa que o Brasil é o paraíso da cordialidade não conhece a nossa história. Dos bandeirantes caçadores de índios dos séculos 16 e 17, às batalhas diárias nas favelas do século 21, o cotidiano do país tem sido marcado pelas disputas armadas. O combate ao tráfico é hoje uma das nossas guerras, com certeza a mais sangrenta e com mais baixas.

O que os colegas da mídia americana “esqueceram” de reportar é a real motivação para mais esta guerra sangrenta. Chegam a citar a substituição das “guerrilhas comunistas” pelas “gangues do tráfico”, mas em nenhum momento relacionam a “nossa guerra” à política de guerra às drogas imposta, exatamente, pelo governo americano, desde a era Nixon. Assim, em nome da “luta contra as drogas”, aparatosas buscas e invasões policiais de favelas são executadas, traficantes e outras pessoas, muitas vezes inocentes, são mortas e notícias diárias são publicadas com destaque na nossa imprensa. Mas é, exatamente esta, a proposta da guerra às drogas: repressão ao tráfico, custe o que custar!

Mas esse tipo de repressão é válida?

Essa repressão é dirigida aos setores pobres da sociedade, onde mesmo “os traficantes mais procurados” têm um nível de escolaridade tão baixo, que é difícil imaginá-los gerenciando um negócio bilionário e tão sofisticado quanto o comércio internacional de drogas. O que é chamado pelos meios de comunicação e o público em geral de “crime organizado” é exatamente onde ele não se organiza: nos setores mais pobres da sociedade. Nos bairros pobres e nas favelas armas e drogas são encontradas, mas cercadas de miséria por todos os lados. É evidente que o dinheiro não fica lá.

Em relação ao “problema das drogas”, a repressão é ineficaz, falsa e insensata. A educação e a informação honesta, em relação ao consumo de drogas é a atitude lógica, válida e eficaz. Querer diminuir a demanda e os danos por uso indevido de drogas através da repressão é querer enxugar o chão, deixando a torneira aberta.

Precisamos sim, reduzir os danos causados pelas drogas mas, acima de tudo, precisamos reconhecer também os danos causados pela política de repressão atual. Não podemos mais sustentar e apoiar uma política, que na intenção de “proteger a sociedade das drogas” cause mais mortes que o consumo da própria droga. Talvez assim, possamos um dia nos aproximar da “versão oficial”, que nos desenha como um país pacífico, sem guerras e em condições de sediar uma olimpíada.

Leia também: Guerra às Drogas no Rio: A Criminalização da Pobreza por Luiz Paulo Guanabara

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