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Rio de Janeiro, RJ, Brazil

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Defesa de propostas “ousadas” na Câmara dos Deputados.

O deputado do PT-SP, Paulo Teixeira, proferiu ontem, durante o  grande expediente da Câmara dos Deputados, discurso propondo mudança na legislação brasileira sobre drogas. Consideradas ousadas, pelo próprio deputado, as soluções são, na verdade, pragmáticas e totalmente adequadas à nossa realidade. Iniciativas como estas já estão sendo adotadas em diversos países, como ele mesmo cita, em seu discurso.
Segundo o SobreDrogas, a escolha do tema foi feita no blog do deputado, no qual cerca de 3 mil pessoas solicitaram que esse fosse o assunto tratado. Paulo Teixeira é um dos políticos brasileiros mais ativos no debate sobre drogas, e prepara um projeto de lei propondo mudanças na legislação vigente.
Com o discurso intitulado “A mudança na legislação e na política de drogas é urgente”, Paulo Teixeira, defendeu um tema importantíssimo, baseando sua fala em fatos e evidências científicas e acima de tudo, poupando-nos de preceitos morais retrógrados, os quais estamos tão acostumados a ouvir. Demonstrou, também, profundo conhecimento do tema, citando exemplos de sucesso, já implementados em vários países, e sugerindo propostas concretas e adaptadas à realidade brasileira.
Alguns destaques:
Tráfico, violência e vulnerabilidade social
“Ao nos debruçarmos sobre a violência no Rio de Janeiro, podemos encontrar raízes nas profundas desigualdades sociais, na ausência do Estado em comunidades pobres, na baixa perspectiva de emprego para os jovens, no despreparo da polícia e na questão das drogas associada ao tema da violência.”
“O número de mortes em conflitos relacionados ao mercado de drogas é muito maior do que as mortes que são provocadas pelo uso da droga em si. Apesar desta repressão, o consumo de drogas ilícitas no Brasil cresceu nos últimos anos e o número de presos condenados por atividades relacionadas à venda e ao consumo destas substâncias também está em ascensão. Precisamos de respostas adequadas e pragmáticas, que tenham condições de diminuir o problema e tranquilizar a sociedade.”
“Uma atividade tão rentável e tão perigosa permite contratar, nas comunidades carentes, uma mão-de-obra que é atraída por uma remuneração elevada dentro para sua realidade. O comércio ilícito armado exerce seu poder e sua violência no domínio territorial, na cobrança de dívidas e na expansão de suas atividades. As pessoas que estão na base desta estrutura são as que geralmente acabam mortas em conflitos com a polícia ou presas no transporte ou na venda de drogas. Dificilmente, a atuação de repressão consegue alcançar quem organiza e financia estas atividades criminosas.”
“Mas, acima de tudo, é preciso combater a vulnerabilidade social, para que as pessoas conheçam os riscos do uso destas substâncias e possam ter condições de fazer as melhores escolhas para a sua vida. A vulnerabilidade é inimiga da autonomia e da liberdade para tomar decisões por conta própria. Para combater este problema que enfraquece a existência destas pessoas como cidadãos, é preciso levar informações, educação e cultura para estas regiões. O Estado Brasileiro não pode ser visto nestas partes das cidades apenas pela sua força repressiva, mas principalmente pela sua face social, para dar alternativas que garantam a todos a integralidade da cidadania e dos direitos humanos.”
Uso, abuso, dependência e tratamento.
“Parte do consumo destas substâncias ilícitas é eventual e não apresenta risco à sociedade. São pessoas que usam maconha, por exemplo, sem que o consumo prejudique a sua vida social e produtiva. Como no álcool, existe muita gente que faz o uso responsável e uma parte que acaba tendo problemas causados pelo abuso. A proibição também provoca que estes consumidores tenham um contato com criminosos que eles próprios, em muitos casos, não gostariam de ter. Por conta desta relação, os usuários passam a ser estigmatizados pela sociedade e, em muitas situações, apontados injustamente como responsáveis pelo financiamento do crime organizado.”
“Historicamente, a questão do consumo de drogas no Brasil foi tratado apenas de forma repressiva, resultado da adesão completa à política de guerra às drogas iniciada nos Estados Unidos na década de 70 (…) Em um segundo momento, o combate às drogas ganha, além da força repressiva, uma abordagem médico-psiquiátrica, com internação compulsória e aplicação de medicamentos no seu tratamento.”
“(…) esta mudança no modelo também vai permitir um maior investimento no tratamento da dependência química. Precisamos ampliar o atendimento para as pessoas no ambiente em que elas vivem, em meio aberto, como é feito nos Capes de álcool e drogas.(…) Os hospitais gerais também terão de ter leitos e profissionais preparados para atender os usuários de drogas que passarem por uma crise em razão do consumo abusivo. A partir desta “porta de entrada”, é preciso oferecer um trabalho de reabilitação que seja capaz de ajudá-los a construir projetos alternativos para suas vidas(…)”
“É importante que a comunidade médica brasileira discuta como fazer o tratamento do dependente crônico e problemático, inclusive com a análise de estratégias que deram certo em outros países, como os tratamentos de substituição de uma droga ilícita por substância lícita ou ilícita, a prescrição médica de substância ilícita e a criação de salas de uso seguro, para que as pessoas possam fazer o consumo seguro e com os efeitos da droga monitorados.”
Legislação, descriminalização e regulamentação
“O Brasil é signatário de convenções internacionais que impedem a legalização, mas é importante que o Brasil possa levar ao plano internacional a discussão sobre a legalização de drogas leves.”
“É possível e necessário fazer uma política de transição entre o estágio atual e a legalização, com a descriminalização do uso e da posse de pequenas quantidades para o uso pessoal. (…) Isso leva com que os usuários passem a ser tratados definitivamente fora da esfera criminal. E, no caso do abuso, dentro do sistema de saúde. Defendo que o Brasil também faça a descriminalização do uso e do porte para consumo próprio.”
“O nosso país também precisa regular o autoplantio, com licenças concedidas pelo Ministério da Saúde e acompanhamento médico, para permitir que, as pessoas que queiram, possam consumir maconha sem ter de recorrer a criminosos para adquiri-la.”
“Um usuário que em razão de uma dependência química passa a comercializar a substância para garantir o seu consumo não pode ser tratado da mesma forma do que a pessoa que busca o lucro nestas atividades, exerce controle territorial sobre regiões e usa de violência e mortes para cobrar eventuais dívidas. (…) O convívio em cadeias dominadas por organizações criminosas acaba fazendo com que estas pessoas passem a ter contato com outro tipo de criminalidade, capaz de atrai-las para cometer crimes mais graves a mando destas facções.”
“A atual legislação brasileira já permite a redução da pena de prisão, mas proíbe a substituição por penas privativas de direito mesmo que o juiz entenda que é o caso. O Brasil precisa permitir que os magistrados possam aplicar penas alternativas a réus primários, que foram presos quando atuavam sozinhos e desarmados, se considerarem que esta é a melhor punição para aquele caso específico.”
E agora, deputado?
“Vou encaminhar hoje as sugestões que estão neste discurso para o general Paulo Roberto Uchôa, secretário executivo do Conselho Nacional de Política sobre Drogas, como uma colaboração na discussão das mudanças necessárias e urgentes na legislação sobre o tema. Espero que estas considerações ajudem a alavancar um aprimoramento nas nossas políticas.”
Realmente esperamos que as propostas não sejam massacradas  na CONAD, ainda gerida por um militar ou esquecidas pelos deputados que ouviram o discurso. Que este seja apenas o início de uma intensa discussão que precisamos ter entre os vários setores da sociedade e do governo.
Parabenizo a coragem do deputado, que certamente, terá o apoio de centenas de milhares de pessoas no Brasil e no mundo.
Leia a notícia do Globo

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