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quarta-feira, 27 de julho de 2016

MACONHA: MITOS E FATOS – UMA REVISÃO DAS PROVAS CIENTÍFICAS (MITOS 5 a 20)

Foram chamados de "Mitos" as ideias que circulam na mídia e em livros e textos científicos que serviram de base para a população mundial ter hoje uma compreensão equivocada a respeito da maconha. Os "Fatos" decorrem do estudo de uma extensa coletânea das provas científicas produzidas no século XX e em geral desmentem ou desconstroem cabalmente essas ideias que acabaram por marginalizar e criminalizar a cannabis, uma planta utilizada há milênios pelos seres vivos.

Na primeira postagem estão os textos iniciais e o MITO 1. A segunda postagem contém o MITO 2 "A maconha não tem nenhum valor medicinal", e o MITO 3 "A maconha tem grande poder de causar dependência". A terceira postagem MITOS 4 a 6. E nesta última postagem, os restantes dos capítulos, MITO 5 até MITO 20.

O livro MACONHA: MITOS E FATOS – UMA REVISÃO DAS PROVAS CIENTÍFICAS é fruto de uma parceria entre a Drug Policy Alliance (DPA), que cedeu os direitos autorais, e a Psicotropicus, que traduziu, editou e lançou a obra em 2010.

O livro encontra-se traduzido em uma dezena de línguas e agora pode ser lido em português. Ele será totalmente disponibilizado neste blog e poderá ser livremente utilizado desde que citada a fonte: "Traduzido e editado por Psicotropicus, 2010". (leia nos textos iniciais o Sumário com o título dos 20 MITOS.)

MITO 5

Os delitos relacionados à maconha não são punidos com severidade. Poucos infratores da lei que proíbe a maconha são detidos e quase ninguém é preso. Esse tratamento permissivo é responsável pela contínua disponibilidade e consumo de maconha.

“A aplicação da lei da maconha tornou-se por demais indulgente... Os que infringem essa lei devem estar sujeitos a ser detidos e encarcerados com maior frequência.”1 

“O tratamento permissivo possibilitou aos criminosos usar e traficar maconha impunimente.” 2

“Precisa haver consequências sérias para quem polui nossos jovens com maconha. Se pararmos para pensar, não estamos fazendo um bom trabalho.”3

“Em primeiro lugar, foi por causa da maconha que este país tem agora este problema [de drogas]... A posse de menos de uma onça (28,35 g) de maconha...  [é frequentemente] classificada como uma infração menor... Acredito que isso seja permissividade demais.”4 

“Está na hora de pegar pesado com quem vende maconha a nossos cidadãos mais vulneráveis – os jovens... Não há dúvida de que devemos ser tão severos com quem vende maconha como somos com os traficantes de heroína e cocaína.”5


FATO 5

As prisões por posse ou uso de maconha nos Estados Unidos dobraram entre 1991 e 1995. Em 1995, mais de meio milhão de pessoas foram detidas por delitos relacionados à maconha. Oitenta e seis por cento delas foram detidas por posse de maconha. Dezenas de milhares de pessoas estão atualmente detidas por delitos relacionados com a maconha. Um número ainda maior é punido com liberdade vigiada, multas e sanções civis, inclusive o sequestro de bens, a revogação da carteira de motorista e a demissão do emprego. A despeito dessas sanções civis e criminais, continua sendo muito fácil comprar maconha, que continua a ser amplamente utilizada.

Maconha: leis e punição

Em 1972, a Commissão Shafer nomeada pelo Presidente Nixon concluiu que, para os usuários de maconha, o prejuízo de uma prisão era significativamente maior do que o prejuízo causado pelo consumo de maconha. Recomendou que as leis federais e estaduais fossem alteradas para acabar com as penalidades criminais por “posse de maconha para uso pessoal” e “distribuição casual de pequenas quantidades sem remuneração, ou remuneração insignificante, sem envolver lucro.”6 Em 1982, um relatório da National Academy of Sciences sobre a maconha também concluiu que abordagens da justiça criminal eram inadequadas e prejudiciais. Recomendou não só que a posse de maconha fosse descriminalizada, mas que os legisladores pensassem seriamente em criar um sistema de distribuição e venda regulamentada.7 

Desde o relatório da Comissão Shafer de 1972, dez milhões de pessoas foram detidas por crimes envolvendo maconha nos Estados Unidos. Agentes federais – do DEA, do FBI, da Alfândega, do Serviço Florestal e do Parque Nacional – se concentram principalmente nos plantadores, distribuidores e grandes atacadistas.8 Por exemplo, em 1994, cerca de dois terços dos violadores das leis antidrogas sentenciados em tribunais federais possuíam 90 gramas ou mais de maconha.9

Essas detenções federais significam somente uma fração das detenções por maconha nos Estados Unidos – menos de 5 por cento. Nos níveis estaduais e locais, onde ocorre a maior parte das detenções, a grande maioria é por simples posse, não por cultivo, tráfico ou venda. Um recorde absoluto aconteceu em 1995, quando policiais estaduais e municipais detiveram aproximadamente 589.000 pessoas por delitos relacionados com a maconha. A maioria – 86 por cento – foi detida por posse de maconha (ver Tabela 5-1). Devido a acordos entre os promotores e os réus, é possível que algumas pessoas condenadas por posse de maconha estivessem vendendo uma parte da maconha. Entretanto, a maior parte das pessoas detidas por posse de maconha são usuárias, que carregavam pequenas quantidades para uso pessoal.

O aumento das prisões por maconha ocorreu em nível nacional. Na Geórgia, de 1990 a 1995, as prisões por maconha dobraram de cerca de 9.000 para 18.000. As detenções de jovens envolvidos com maconha aumentaram de menos de 4 por cento do total em 1990 para cerca de 13 por cento em 1995.10 No Wisconsin, 12.408 pessoas foram detidas por posse de maconha em 1996 – mais que o dobro do que em 1992.11 Na cidade de Nova York, as detenções por fumar maconha em locais públicos aumentaram de cerca de 6.000 em 1992 para mais de 14.000 em 1994.12

As minorias étnicas estão desproporcionalmente representadas entre os presos por maconha. Apesar de negros e hispânicos constituírem aproximadamente 20 por cento dos usuários de maconha nos Estados Unidos,13 representaram 58 por cento dos sentenciados pela lei federal em 1995.14 No Illinois, 57 por cento dos presos por delitos envolvendo maconha eram negros ou hispânicos.15 Na Califórnia, 49 por cento dos detidos por causa de maconha eram negros ou hispânicos.16 Em 1995, no Estado de Nova York, 71 por cento dos presos por posse de maconha não eram brancos.17


  TABELA 5-1


DETENÇÕES POR MACONHA NOS Estados Unidos
NÍVEIS LOCAL E ESTADUAL, 1970-1995


   Total de  prisões
 por cento   Posse
1970:
188.903
*
1971:
225.828
*
1972:
292.179
*
1973:
420.700
*
1974:
445.600
*
1975:
416.100
*
1976:
441,100
*
1977:
457.600
86%
1978:
445.800
86%
1979:
391.600
87%
1980:
401.982
84%
1981:
400.329
86%
1982:
452.244
85%
1983:
403.454
83%
1984:
415.831
82%
1985:
451.138
81%
1986:
361.779
82%
1987:
378.709
83%
1988:
391.612
83%
1989:
398.977
79%
1990:
327.860
80%
1991:
283.700
79%
1992:
340.890
79%
1993:
380.399
82%
1994:
481.098
84%
1995:
588.963
86%

*Dados não disponíveis
Fonte: Uniform Crime Reports, 1970-1995 (Federal Bureau of Investigation).


As penalidades por crimes envolvendo maconha variam. Em dez estados, a posse de pequenas quantidades (geralmente menos que uma onça – 28,35 gramas) é punível com multa. Em outros estados, é possível a prisão, apesar de a liberdade vigiada e multas serem aplicadas com frequência. De acordo com a lei federal, a posse de só um baseado (ou menos) de maconha é punível com uma multa que vai de mil a dez mil dólares e até um ano de prisão – a mesma pena que a posse de pequenas quantidades de heroína, cocaína em pó e crack. As penas de prisão estaduais pela posse de algumas onças ou mais de maconha variam de seis meses em alguns estados a prisão perpétua em outros.

As penas por venda de maconha também variam de estado para estado. Dez estados têm a pena máxima de cinco anos ou menos e onze estados, de trinta anos ou mais. Segundo a lei federal e em seis estados, importadores e traficantes de maconha podem ser punidos com a prisão perpétua. Em alguns estados, o cultivo de alguns arbustos de maconha para uso próprio é punido com a mesma severidade que o tráfico e a venda em larga escala.18

Não tem havido compilação sistemática dos índices de prisão por delitos envolvendo maconha nos Estados Unidos. Entretanto, dados do sistema penitenciário federal e de diversos estados indicam que um número considerável de infratores das leis da maconha estão sendo encarcerados. A tendência é de aumento do encarceramento, não só pela venda da maconha, mas também pela posse. Por exemplo:

Desde 1990, cerca de 3.677 pessoas detidas com maconha foram encarceradas todos os anos em prisões federais. Já na década de 1980, ocorrerram cerca de 1.900 condenações por ano, e cerca de 1.200 por ano na década de 1970.19 Em função de uma média atual de sentenças de cerca de quatro anos, nada menos do que 16.000 detidos por maconha podem estar agora em prisões federais, abrangendo aproximadamente 17 por cento da população carcerária federal.20

No Michigan, em 1995, 22 por cento dos sentenciados por delitos relacionados com a  maconha foram aprisionados.21 No mesmo ano, no Estado de Nova York, 34 por cento das pessoas condenadas por esses mesmos delitos também tiveram esse destino.22

No Texas, 33 por cento dos condenados por posse de maconha foram presos. Uma proporção ligeiramente maior de vendedores e distribuidores (43 por cento) foram encarcerados, e metade deles possuía duas onças (56,69 gramas) ou menos de maconha no momento da prisão.23

Na Geórgia, onde as detenções envolvendo maconha dobraram desde 1990, cerca de 400 detidos com maconha foram enviados para prisão em 1995, mais da metade deles por posse.24

Na Califórnia, das mais de 1.500 pessoas atualmente presas por delitos envolvendo maconha, metade foi condenada por posse.25 De acordo com a lei das “three strikes” da Califórnia [lei estadual dos Estados Unidos que determina que réus recorrentes de três ou mais delitos graves sejam presos], mais pessoas foram presas por posse de maconha do que pelo total de crimes violentos combinados.26

Além das dezenas de milhares de prisioneiros condenados a um ou mais anos em prisões estaduais e federais, dezenas de milhares de detidos com maconha cumprem sentenças de menos de um ano em prisões locais em todo o país.
Os detidos com maconha que conseguem evitar o encarceramento são muitas vezes punidos com liberdade vigiada, serviços comunitários ou multas que podem chegar até a 10 milhões de dólares.27 Os tribunais podem ainda negar aos réus o acesso a benefícios estaduais e federais, inclusive bolsas de estudo, empréstimos para microempresas, subsídios agrícolas, licenças de trabalho e empréstimos, contratos e patrocínios federais.28 Mais da metade dos estados promulgou leis sobre “tenha um baseado, perca sua carteira de motorista”. Diferentemente das leis sobre dirigir intoxicado, que relacionam a perda do direito de dirigir com a direção prejudicada, essas leis revogam automaticamente a habilitação de todas as pessoas condenadas por qualquer delito que envolva maconha, mesmo que não tenha relação com o ato de dirigir.29

A detenção por delito de maconha já é por si só uma forma de punição. Depois da detenção, as pessoas podem ficar horas ou dias na prisão aguardando a primeira audiência no tribunal. Uma detenção pode ser custosa – não só pelos honorários advocatícios, mas, para alguns, pelo salário perdido devido à falta no trabalho.30 Em algumas partes do país, a polícia notifica os empregadores sobre as pessoas que foram aprendidas. Como resultado, o funcionário pode ser demitido.31 Para aqueles que estão sob liberdade vigiada ou em condicional devido a um crime cometido, a detenção envolvendo maconha pode resultar em sua prisão imediata.32 Para pessoas que vivem em condomínios públicos, a detenção de qualquer membro da família por delitos envolvendo drogas pode causar o despejo de toda a família – mesmo que nunca ocorra a condenação criminal.33 Pelo menos 21 legislaturas estaduais promulgaram leis que exigem que o portador de drogas ilegais pague uma multa no momento da prisão. O imposto sobre uma simples onça de maconha vai de 100 a 2.800 dólares e para quantidades maiores, o imposto aumenta exponencialmente.34

De acordo com a lei estadual e federal, a mera investigação de um delito de maconha pode resultar em confisco de propriedade, inclusive dinheiro, veículos, barcos, terrenos e casas.35 Funcionários do governo sequestram residências por causa de alguns arbustos de maconha plantados no local. Confiscam veículos usados para comprar ou transportar pequenas quantidades de maconha. Em alguns lugares, a polícia faz operações secretas, vendendo drogas a clientes com o propósito de confiscar seus carros.36

Uma vez sequestrada a propriedade de um suspeito infrator da lei antidrogas, o governo pode mantê-la, mesmo que nunca sejam formalizadas as acusações criminais. Há meios legais por meio dos quais os proprietários inocentes podem pleitear a restituição de seus bens, mas os processos consomem tempo e dinheiro. E por ocorrerem dentro da justiça cível em vez da criminal, não existe presunção de inocência – o que significa que o cidadão precisa provar que é inocente para conseguir reaver seus bens.37 Mesmo a absolvição formal das acusações criminais não garante que os bens sequestrados serão devolvidos ao seu dono. Por exemplo, um cidadão do Kentucky, absolvido de uma acusação de cultivo de maconha, permaneceu com sua fazenda de 37 acres confiscada pelo estado até concordar em pagar 12.500 dólares de custas processuais.38 De 1992 a 1995, só o DEA sequestrou mais de 217 milhões de dólares em bens relacionados a presumidos delitos por maconha.39 Os pequenos infratores são frequentemente o alvo. Em 1992, por exemplo, o valor médio de residências sequestradas por policiais do Michigan ficou abaixo de 16.000 dólares,40 indicando que os proprietários não eram pessoas que tinham enriquecido com o plantio ou venda de maconha.

Cada vez mais empresas, escolas e agências de serviço social impõem sanções civis ao consumo de maconha – o que pode ocorrer substitutiva ou cumulativamente a penalidades criminais. No local de trabalho, onde programas de teste de urina são comuns, os candidatos a emprego, cujos testes antidrogas são positivos geralmente não são aceitos. Funcionários que tenham resultado positivo podem ser despedidos sem prova de uso de drogas no trabalho ou de desempenho prejudicado.41 Na verdade, como os metabolitos inertes da maconha podem ser detectados dias ou semanas após o consumo, os programas de detecção de drogas detectam principalmente usuários de maconha, muitos dos quais consomem maconha apenas ocasionalmente.42 Escolas públicas e privadas monitoram o consumo de maconha entre estudantes, e podem impor uma variedade de sanções, incluindo exclusão das atividades extracurriculares, suspensão ou expulsão.43 Em alguns estados, usuários de drogas ficam sem assistência médica e benefícios sociais,44 e podem ser expulsos de abrigos do governo.45 

Não existem provas de que esse escalonamento de penas tenha reduzido a disponibilidade ou o consumo de maconha. Desde 1975, pesquisas com estudantes do ensino médio indicam pouca mudança no índice sobre a facilidade de se obter maconha, tendo variado apenas de 83 para 90 por cento.46 Ao longo do tempo, não houve relação detectável entre os índices de consumo de maconha e o nível de repressão ou severidade da punição. Desde 1990, apesar do aumento das sanções civis e criminais – foram registrados os mais altos índices da história americana de detenção e reclusão por delitos de maconha – o uso de maconha por adolescentes tem aumentado,47 e o uso de maconha por adultos permaneceu constante.48

MITO 6

A política para a maconha na Holanda é um fracasso. A lei holandesa, que permite a compra, venda e consumo aberto de maconha, resultou em índices crescentes de consumo de maconha, especialmente entre jovens.

“Experiências estrangeiras com... a permissividade falharam. Na Holanda, o consumo de maconha entre adolescentes aumentou 250 por cento.”1

“Na Holanda, qualquer pessoa com mais de 15 anos de idade pode comprar maconha com a mesma facilidade quanto [compra] variados... sabores de sorvete. Os defensores dessa política ignoram o aumento de 250 por cento no consumo de maconha por adolescentes.”2

“A Holanda tem uma atitude tolerante com a maconha e o haxixe. Visitei os parques e praças. Os jovens andam por ali como zumbis.”3

“A Holanda tem o índice de criminalidade mais alto da Europa e a criminalidade aumentou na medida em que aumentou o número de coffee shops e de usuários de drogas.”4

FATO 6

A política de drogas da Holanda é a menos punitiva da Europa. Há mais de vinte anos, cidadãos holandeses acima de dezoito anos têm permissão para comprar e consumir cannabis (maconha e haxixe) nos coffee shops regulamentados pelo governo. Essa política não provocou um consumo dramaticamente intensificado da cannabis. Para a maioria das faixas etárias, os índices de uso de maconha na Holanda são similares aos dos Estados Unidos. Entretanto, para jovens adolescentes, os índices de uso de maconha são mais baixos na Holanda do que nos Estados Unidos. A esmagadora maioria do povo holandês aprova a atual política para a cannabis, que procura normalizar mais do que dramatizar o uso da maconha. O governo holandês ocasionalmente revê a política em vigor, mas permanece comprometido com a descriminalização.

A política da maconha na Holanda

Na década de 1970, os Estados Unidos e alguns outros países reduziram as penas para os delitos de maconha. Em alguns lugares, as penalidades criminais para a posse pessoal foram totalmente eliminadas. Uma segunda onda de reforma da lei da maconha está ocorrendo atualmente na Europa e na Austrália.5 Na vanguarda, durante a década de 1970 e hoje em dia, está a Holanda. Seguindo as recomendações de duas comissões nacionais, em 1976, o parlamento holandês descriminalizou a posse e a venda a varejo da cannabis. Já antes dessa data a polícia quase não prendia pessoas por posse ou vendas de pequenas quantidades.6 Embora não legalizando oficialmente a maconha, a lei de 1976 permitiu que o governo holandês criasse um conjunto de diretrizes segundo as quais os coffee shops poderiam vender maconha e haxixe sem temer uma ação penal.
As diretrizes para os coffee shops alteraram um pouco com o tempo e variam ligeiramente de uma comunidade para outra. As regras básicas atualmente em vigor incluem interdição da publicidade, idade mínima de dezoito anos para poder comprar, e um limite de cinco gramas para transações individuais. A venda de qualquer outra droga ilícita nas instalações é estritamente proibida, e é motivo para imediato fechamento dos coffee shops. Funcionários locais do governo podem limitar o número de coffee shops concentrados em uma área, e fechar o estabelecimento se este causar desordem pública. Existem atualmente na Holanda mais de mil coffee shops onde adultos podem comprar maconha e haxixe para consumirem ali ou levar para consumo posterior.7

A decisão dos legisladores holandeses de permitir a venda e o uso regulados da cannabis baseou-se em diversas considerações práticas.8 Ao permitir que a maconha fosse vendida em recinto fechado em vez de nas ruas, o governo holandês buscava melhorar a ordem pública. Ao separar o mercado de varejo da maconha do mercado de varejo de “drogas pesadas”, buscava reduzir a probabilidade de usuários de maconha serem expostos à heroína e à cocaína. Propiciando um ambiente não desviante, normalizado, no qual a cannabis poderia ser consumida, almejava diminuir a utilização da droga como um símbolo de rebeldia juvenil. Autoridades holandesas não acreditam muito na capacidade de a lei criminal impedir as pessoas de consumir maconha. Temem que a detenção e a punição de usuários de maconha – especialmente jovens usuários – possa aliená-los das principais instituições e valores da sociedade.

Esses princípios de normalização também orientam a abordagem holandesa para educação e prevenção de drogas. Os programas são especificamente projetados para serem informais e minimalistas, para evitar provocar o interesse dos jovens nas drogas. Não existem campanhas antidrogas na mídia de massa e programas escolares não utilizam táticas amedrontadoras ou mensagens moralistas do tipo “apenas diga não”. Pelo contrário, no contexto da educação geral em saúde, os jovens na Holanda recebem informações sobre drogas e avisos de precaução sobre seus perigos potenciais.9 Em folhetos distribuidos nos coffee shops, os usuários de cannabis são aconselhados a ser “sensíveis e responsáveis.”10


TABELA 6-1
PORCENTAGEM DE PESSOAS QUE JÁ USARAM MACONHA


Estados Unidos
Holanda
População total
31,11
28,52
Jovens adultos
47,33
45,54
Adolescentes mais velhos
38,25
29,56
Adolescentes mais jovens
13,57
7,28
1       População dos Estados Unidos, de 12 anos para cima (National Household Survey on Drug Abuse: Population Estimates 1994).
2       Habitantes de Amsterdam, acima de 12 anos (Sandwijk, J.P. et al., Licit and Illicit Drug Use in Amsterdam II, 1994).
3       Idades entre 18 e 34 anos (ver nota 1 acima).
4       Idades entre 20 e 34 anos (ver nota 2 acima).
5       Estudantes da 12ª série, média dos dados de 1992, 1993 e 1994 (The Monitoringthe Future Study, 1975-1994).
6       Idades entre 16 e 19 anos, média de dados de pesquisa de 1994 em Amsterdam (ver nota 2 acima) e pesquisa nacional escolar de 1992 (De Zwart, W.M. et al., Key Data: Smoking, Drinking, Drug Use and Gambling Among Pupils Aged 10 Years and Older, Netherlands Institute on Alcohol and Drugs).
7       Estudantes da 8ª série, média de dados de 1992, 1993 e 1994 (ver nota 5 acima).
8       Idades entre 12 e 15 anos, média de dados de 1994 de Amsterdam (ver nota 2 acima) e dados nacionais de 1992 (ver nota 6 acima).

Essa política pragmática para a cannabis não resultou em uma explosão de consumo de maconha. Durante a década de 1970, o consumo de maconha aumentou na Holanda,11 assim como nos Estados Unidos. Atualmente, tal como demonstrado na tabela 6-1, os índices de prevalência da maconha nos Estados Unidos e na Holanda são similares para a maioria das faixas etárias. Entretanto, entre jovens adolescentes, o uso de maconha é menor na Holanda – cerca de 7 por cento comparados com cerca de 13 por cento nos Estados Unidos. Uma pesquisa de dados de 1994 na cidade de Amsterdam, onde a maconha está mais disponível do que em quase todos os outros lugares do mundo, constatou que a idade média de iniciação ao uso de cannabis era de vinte anos,12 comparada a uma idade média de iniciação nos Estados Unidos de 16,3 anos.13

Nos últimos anos, o uso de maconha aumentou na Holanda, assim como nos Estados Unidos e em outros países do Ocidente.14 Com base em pesquisas entre estudantes holandeses em 1984, 1988 e 1992, críticos americanos da política holandesa afirmam que as políticas permissivas provocaram um aumento de 250 por cento do consumo de maconha. Entretanto, como novas técnicas de amostragem foram adotadas em 1992, os pesquisadores holandeses que conduziram o estudo aconselham cautela quanto a essa interpretação.15 Outra pesquisa conduzida em Amsterdam não constatou aumento no consumo de cannabis entre os jovens entre 1987 e 1994.16 A prevalência da cannabis na Holanda atualmente é similar à de outros países europeus, inclusive aqueles que têm políticas de proibição muito mais severas.17 

Na Holanda, um número inferior de adolescentes do que nos Estados Unidos usa outras drogas ilegais. Em 1994, somente 0,3 por cento de jovens entre 12 e 19 anos em Amsterdam haviam experimentado cocaína.18 O índice nos Estados Unidos entre jovens entre 12 e 17 anos foi de 1,7 por cento.19 A maior parte dos usuários de cocaína na Holanda, assim como nos Estados Unidos, tinha tido uma experiência anterior com a cannabis. Todavia, atualmente, jovens usuários holandeses de cannabis, que cresceram sob a égide de políticas liberais, têm menos probabilidade de experimentar cocaína do que usuários holandeses mais velhos tiveram.20 Isto talvez possa ser creditado ao sucesso da Holanda em separar socialmente a cannabis das “drogas pesadas”, assim como separar seu varejo.21 Segundo um relatório recente do governo:

“Se jovens adultos desejam usar drogas leves – e a experiência demonstra que muitos o fazem – eles não deveriam... [estar] expostos à subcultura criminal que cerca as drogas pesadas. A tolerância de um acesso relativamente fácil a quantidades de drogas leves para uso pessoal tem o objetivo de manter separados os mercados de drogas leves das pesadas, criando, desse modo, uma barreira social para a transição de drogas leves para as pesadas.”22 

Apesar de na Holanda existirem pessoas que se opõem à atual política da cannabis,23 ela tem amplo apoio público e político. Isto se dá porque, por todas as medições objetivas dos dados, alcançou a intenção de seus criadores. Sem ameaçar os cidadãos com sanções criminais, os índices de prevalência da maconha na Holanda são semelhantes aos dos Estados Unidos onde, em comparação, desde 1970 mais de dez milhões de pessoas foram detidas por violações da lei antidrogas (ver Capítulo 5).

A distribuição de cannabis por atacado ainda é ilegal na Holanda. Em consequência, os coffee shops obtêm cannabis de organizações criminosas do mesmo tipo que existem em países de proibição estrita. Autoridades holandesas já debateram a legalização total como a solução para o problema.24 Entretanto, atualmente, a oposição de governos proibicionistas em outros países25 e as exigências dos tratados internacionais tornam politicamente impossível para a Holanda legalizar formalmente a cannabis.26

Recentemente, em resposta a reclamações de líderes políticos de países vizinhos, o governo holandês reduziu a quantidade de maconha que os coffee shops podem vender para uma pessoa. Isso foi feito para desencorajar os estrangeiros de vir à Holanda comprar maconha para revendê-las fora de suas fronteiras.27 Essa mudança não significa que o apoio holandês para a descriminalização esteja diminuindo. A polícia, funcionários da saúde pública e representantes de todos os principais partidos políticos mantêm um firme compromisso com as reformas iniciadas na década de 1970.28 Essas políticas se baseavam em pareceres de peritos de que a cannabis, apesar de não ser inteiramente segura, apresentava “um risco aceitável” para os usuários e a sociedade.29 Desde então, foram conduzidos milhares de estudos adicionais sobre os efeitos da maconha. Levando em consideração essas constatações, um relatório de 1995 do governo holandês concluiu que nenhuma grande alteração na política da cannabis era recomendável: 

“A cannabis não é muito tóxica fisicamente... Ela afeta principalmente o humor, a consciência e a memória, e seu efeito depende da quantidade consumida... Não ocorrem nem overdoses fatais, nem dependência física... O consumo de cannabis gera menos agressividade do que o consumo de álcool e, com certeza, não é um passo automático no caminho para o consumo de drogas pesadas... Tudo o que sabemos agora... nos leva à conclusão de que os riscos do consumo de cannabis não podem ser descritos como “inaceitáveis.”30

MITO 7

A maconha destrói células cerebrais. Com o passar do tempo, o uso de maconha altera de modo permanente a estrutura e o funcionamento do cérebro, causando perda de memória, prejuízo de cognição, deterioração da personalidade e redução da produtividade.

“Quando as paredes celulares do tecido cerebral ficam completamente saturadas de THC, as células do cérebro morrem. Não podem ser substituídas.”1

“O uso regular da maconha produz atrofia cerebral em jovens adultos.”2

“O uso crônico da maconha pode danificar o cérebro e causar alterações similares às que ocorrem no envelhecimento.”3

“O Delta-9-THC, o ingrediente psicoativo da maconha, produz alterações permanentes no funcionamento e na estrutura do cérebro de macacos, um primata subumano próximo do homem.”4

FATO 7

Nenhum dos testes médicos usados atualmente para detectar danos ao cérebro humano constatou prejuízos provocados pela maconha, mesmo com o consumo de quantidades elevadas por um longo tempo. Um estudo anterior relatou danos ao cérebro de macacos rhesus após seis meses de exposição a elevadas concentrações de fumaça de maconha. Em um estudo recente, conduzido mais cuidadosamente, os pesquisadores não encontraram provas de anormalidades cerebrais em macacos forçados a inalar o equivalente a quatro ou cinco cigarros de maconha diariamente durante um ano. A afirmação de que a maconha mata células do cérebro se baseia em um relatório especulativo de vinte e cinco anos atrás, nunca comprovado por um estudo científico.

Maconha e o cérebro

A busca de dano cerebral provocado pela maconha começou no início da década de 1970, incentivada por descrições dos usuários de maconha como indivíduos preguiçosos, bobos, apáticos, improdutivos, irracionais, desorientados e intelectualmente prejudicados. Aos oponentes da maconha, essas observações constituíam assim de cara prova de dano cerebral.5 Eles aceitaram, sem reservas,6 um relatório anterior de médicos ingleses que afirmaram ter encontrado danos cerebrais irreversíveis em dez homens usuários de maconha – todos referidos para tratamento médico em função de doenças psiquiátricas, sintomas neurológicos ou problemas com drogas. Usando uma tecnologia de imagens do cérebro denominada pneumoencefalografia, o Dr. A.M.G. Campbell e sua equipe injetaram ar no cérebro desses pacientes através da medula espinhal. Campbell relatou anormalidades consistentes com atrofia cerebral – um real encolhimento do tecido cerebral.7 Psiquiatras e neurocientistas criticaram os métodos e conclusões de Campbell8 e, poucos anos depois, essa técnica para obter imagens do cérebro foi abandonada como medicamente arriscada e não confiável.

Empregando tecnologias mais modernas para obtenção de imagens cerebrais, como a tomografia computadorizada, pesquisadores não encontraram provas de dano cerebral em usuários de maconha,9 mesmo em pessoas que fumavam em média nove cigarros de maconha por dia.10 Padrões de ondas cerebrais de usuários crônicos e de não-usuários de maconha, produzidos por testes eletro-encefalográficos (EEG) comuns, não podem ser distinguidos por um exame visual.11 Contudo, usando análise quantitativa gerada por computador, um grupo de pesquisadores encontrou diferenças na distribuição de determinadas frequências de ondas cerebrais entre usuários que fumam muito e usuários ocasionais12 – diferenças de significado desconhecido. Com uma técnica especializada de EEG, os pesquisadores também mediram a amplitude de uma determinada onda cerebral (a P300) em resposta a estímulos auditivos e visuais. Um estudo encontrou pequenas anormalidades nesse “potencial relacionado ao evento” (PRE) de usuários crônicos de maconha.13 Entretanto, no único estudo de PRE que usou pessoas clínica e psiquiatricamente saudáveis – e para instituir controles de idade – os pesquisadores não encontraram diferenças nas respostas PRE de usuários crônicos e de não-usuários de maconha.14

Com doses maciças de THC – cem vezes ou mais que a dose psicoativa em humanos –, pesquisadores produziram dano cerebral estrutural em animais, em laboratórios.15 A maioria desses estudos empregou roedores. Poucos estudos de primatas foram conduzidos, e até recentemente, todos tinham sido realizados pelo psiquiatra Robert Heath na Tulane School of Medicine. No princípio da década de 1970, Heath implantou eletrodos no cérebro de macacos rhesus para obter leituras EEG “profundas”, antes e depois de terem inalado fumaça de maconha. Heath reportou que a maconha produzia profundas alterações.16 Apesar do fato de as leituras dos EEG dos macacos voltarem ao normal uma hora depois da administração da droga, Heath predisse que com uma exposição a longo prazo, a maconha produziria anormalidade nas ondas cerebrais e danos estruturais permanentes.17

Para testar essa hipótese, Heath conduziu um estudo de seis meses usando treze macacos rhesus. Dois macacos foram injetados com THC, nove macacos ficaram expostos à fumaça de maconha (em doses alta, moderada ou leve) e dois macacos ficaram expostos à fumaça de maconha inativa (sem THC). Foram implantados eletrodos em nove dos treze macacos, para permitir registros mais profundos de EEG. Segundo Heath, depois de três meses, os macacos expostos à maconha ou THC apresentavam significativas anormalidades nas ondas cerebrais, que sugeriam “alterações irreversíveis na função cerebral”. Heath afirmou ainda que as mudanças persistiam ao longo de todo o período de oito meses após a administração da droga, apesar de, nesse ponto do estudo, dois dos macacos implantados terem morrido e os eletrodos de três outros não estarem funcionando. Na realidade, somente um macaco exposto à fumaça de maconha ficou disponível para a análise de oito meses.18

Heath e seus colegas conduziram exames post mortem nos cérebros dos três macacos. Desses três macacos, um tinha recebido injeções de THC, outro,  fumaça placebo e o terceiro, maconha. Como parâmetro de comparação, os cérebros de dois outros macacos não envolvidos no experimento também foram examinados. Com base nesses cinco cérebros, os pesquisadores relataram dano estrutural relacionado à maconha em células da região septal.19 Heath depois reexaminou esses cinco cérebros, juntamente com o cérebro de um dos seis macacos usados num segundo experimento de exposição à fumaça da maconha. Baseado nesse segundo exame, envolvendo cérebros de somente quatro dos dezenove animais usados nos dois estudos, Heath relatou danos ao hipocampo, uma região associada com a função intelectual em humanos.20 Mesmo antes de sua publicação, muitos alardearam as descobertas de Heath como prova definitiva de que a maconha causava danos ao cérebro.21

Os estudos de Heath apresentavam numerosos problemas, inclusive complicações médicas resultantes dos eletrodos implantados, dificuldade em prover fumaça de maconha e consumo de doses inadequadas. Durante anos, não houve nenhum outro estudo do cérebro com primatas. Recentemente, cientistas do National Center for Toxicological Research, no Arkansas, fizeram um estudo com macacos rhesus que eficientemente refutou todas as constatações de Heath. 

No estudo do Arkansas, dezesseis macacos rhesus receberam, por meio de inalação com o uso de máscara, doses diárias equivalentes a quatro ou cinco cigarros de maconha, durante um ano. Sete meses após a exposição por um ano, os pesquisadores mataram os macacos e conduziram exames microscópicos de seus cérebros. Os dezesseis macacos que receberam doses elevadas de maconha foram comparados com dezesseis macacos que receberam doses menores, dezesseis macacos que receberam fumaça placebo e dezesseis macacos que não inalaram nenhuma fumaça. Os pesquisadores não encontraram diferenças relacionadas à maconha em concentrações neuroquímicas22, nas configurações do campo receptor,23 na arquitetura hipocampal, no tamanho das células, no número de células ou na estrutura sináptica.24 De fato, esse estudo não constatou quaisquer anomalias cerebrais relacionadas à maconha.

Com base nas provas científicas que existem hoje, não tem fundamento dizer que a maconha provoca danos cerebrais. No entanto, continuam dizendo que esses danos são reais. Um anúncio de televisão da organização Parceria para uma América Livre de Drogas – evidentemente inspirado pela afirmação há muito desacreditada de Campbell sobre atrofia cerebral – adverte os telespectadores que a maconha “acelera o processo de envelhecimento”. Um boletim do National Institute on Drug Abuse (NIDA) relata que “estudos com animais subvencionados pelo NIDA revelam de fato dano estrutural ao hipocampo, uma estrutura crítica ao aprendizado e à memória, provocado pelo principal ingrediente psicoativo da maconha.”25 Relatórios do governo e panfletos de educação sobre drogas ainda ostentam o aviso de que “maconha mata células cerebrais”.26

Todas as alegadas manifestações de dano cerebral – perda de memória, apatia, deterioração da personalidade e outras – continuam a ser debatidas e estudadas. No Capítulo 8, revisamos as pesquisas sobre motivação e produtividade. O Capítulo 9 examina o alegado impacto da maconha sobre a memória e a cognição, e o Capítulo 10 explora a afirmação de que a maconha gera deficiência psicológica e doença mental.

MITO 8

A maconha provoca síndrome amotivacional. Torna os usuários passivos, apáticos e desinteressados pelo futuro. Estudantes que fumam maconha tornam-se maus alunos e trabalhadores tornam-se improdutivos.

“Jovens usuários de maconha... têm menos chances de atingir seu potencial acadêmico, o que reduz a produtividade nacional.”1

“Foi relatada síndrome amotivacional em usuários que usavam continuamente grandes quantidades de maconha. Ela se caracteriza pela diminuição do dinamismo e da ambição.”2

“A maconha impede que a pessoa utilize todo o seu potencial. Ela transforma um estudante acima da média em estudante médio e um estudante médio em estudante abaixo da média.”3

“A crise amotivacional é facilmente reconhecida. Há perda de ambição e de iniciativa, ausência da atividade costumeira e regressão para um modo de vida mais simples.”4

FATO 8

Durante 25 anos, pesquisadores buscaram uma síndrome amotivacional induzida pela maconha e não conseguiram encontrá-la. As pessoas que se intoxicam constantemente, qualquer que seja a droga, provavelmente não serão membros produtivos da sociedade. Não existe nada específico sobre a maconha que leve as pessoas a perder o entusiasmo e a ambição. Em estudos realizados em laboratório, os indivíduos que receberam doses elevadas de maconha durante muitos dias ou semanas não apresentaram qualquer diminuição na motivação para o trabalho ou na produtividade. Entre trabalhadores adultos, usuários de maconha tendem a ganhar salários mais altos que não-usuários. Estudantes universitários que usam maconha têm as mesmas notas que não-usuários. Entre estudantes do ensino médio, o uso intenso de maconha está associado a repetentes, mas, geralmente, a repetência ocorre antes.

Maconha, motivação e desempenho

No final da década de 1960 e no início da de 1970, na medida em que a maconha se tornava cada vez mais popular entre jovens de classe média, antigas alegações sobre crimes e insanidade induzidos pela maconha perderam credibilidade. Um novo conjunto de afirmações emergiu, focado especificamente nos perigos da maconha para os adolescentes. Entre elas estava a afirmação de que a maconha provoca uma “síndrome amotivacional”5 Por décadas, críticos da maconha na Índia, Marrocos e Egito descreveram os usuários de maconha como letárgicos, apáticos e improdutivos.6 A partir do final da década de 1960, alguns médicos nos Estados Unidos relataram características semelhantes em pacientes adolescentes que admitiram fumar maconha.7 Em consequência, pesquisadores realizaram vários tipos de estudos para avaliar o impacto da maconha sobre a motivação, o desempenho no trabalho e o aproveitamento acadêmico.

Estudos com estudantes

Pesquisas com estudantes universitários constataram poucas diferenças entre usuários e não-usuários de maconha. Usuários e não-usuários de maconha têm a mesma vontade de participar de atividades esportivas e extracurriculares,8 e dão o mesmo valor à realização e ao sucesso.9 Alguns pesquisadores na década de 1970 constataram que era maior a probabilidade de usuários de maconha terem planos específicos para o futuro do que não-usuários,10 e maior a probabilidade de tirarem licenças temporárias das universidades.11 Nenhuma pesquisa revelou que o uso de maconha interfira no desempenho acadêmico de estudantes universitários. A maioria dos pesquisadores constatou que usuários de maconha têm as mesmas notas do que não-usuários.12 Alguns detectaram notas mais altas entre usuários de maconha.13

Pesquisas com estudantes do ensino médio mostram que o uso de muita maconha está associado ao fracasso acadêmico. Usuários que fumam muito têm notas mais baixas e aspirações profissionais mais modestas do que usuários ocasionais ou não-usuários. Usuários que fumam muito têm também maior probabilidade de abandonar a escola antes de se formar do que usuários ocasionais ou não-usuários.14 Entretanto, a maioria dos estudantes do ensino médio que usa muita maconha já tinha baixo desempenho na escola antes de começar a fumar.15 A maioria apresenta problemas emocionais, psicológicos e comportamentais que muitas vezes remontam à primeira infância.16 Ademais, usuários que usam muita maconha têm maior probabilidade de consumir outras drogas ilegais e beber excessivamente do que usuários ocasionais ou não-usuários de maconha.17 Quando os estudos controlam esses outros fatores, o consumo de maconha não tem relevância significativa para o desempenho acadêmico de estudantes do ensino médio.18

No final da década de 1970, pesquisadores conduziram um estudo aprofundado com dezessete adolescentes que fumavam uma grande quantidade de maconha. Todos apresentavam problemas escolares. Nenhum deles sentia-se motivado a solucioná-los. Entretanto, os pesquisadores não encontraram prova de uma falta de motivação ou ambição generalizadas entre esses adolescentes. Muitos tinham rejeitado padrões tradicionais de sucesso educacional e profissional, mas, em geral, o fizeram muito antes de começar a fumar maconha.19 Em um estudo mais recente, pesquisadores constataram que, como um grupo, usuários que usavam muito eram menos “orientados para realizações” do que usuários ocasionais. No entanto, depois de controlar sintomas de depressão, os pesquisadores concluiram que a maconha não causara diminuição da motivação. Em vez disso, eles argumentaram que alguns indivíduos depressivos com baixa motivação passaram a usar bastante maconha.20

Estudos com trabalhadores

Pesquisadores buscaram provas da síndrome amotivacional associada à maconha em adultos, examinando conquista profissional e desempenho no trabalho em usuários e não-usuários. Na década de 1970, pesquisadores realizaram estudos com operários do sexo masculino na Jamaica,21 Costa Rica,22 e Grécia23 – países onde o consumo de grandes quantidades  de maconha era comum. Nos três países, os pesquisadores não encontraram muita diferença nos registros educacionais e de emprego de usuários que fumavam muita maconha, usuários moderados e não-usuários. Na Costa Rica, usuários de maconha ficavam desempregados com mais frequência – o que os autores atribuíram aos índices mais elevados de detenção e prisão por delitos relacionados à maconha. Mesmo assim, os usuários que fumavam muita maconha na Costa Rica tinham um status mais elevado e trabalhos com salários mais altos do que usuários moderados ou não-usuários. Na Jamaica, onde os trabalhadores rurais frequentemente fumavam maconha durante o trabalho, usuários que fumavam muito trabalhavam mais do que usuários moderados ou não-usuários. Os pesquisadores concluíram que, pelo menos nesse contexto, a maconha aumentava a produtividade dos trabalhadores.24
Recentemente, diversos pesquisadores examinaram participação na força de trabalho e salários entre usuários e não-usuários de maconha nos Estados Unidos. A maioria usou dados de dois estudos de longo prazo. O primeiro é uma pesquisa com 400 jovens no Estado de Nova York. O segundo é a Pesquisa Nacional Longitudinal de Jovens, com uma amostra de 1.200 jovens adultos de todo o país. Não há nada nesses dados que sugiram que a maconha reduz a motivação das pessoas para trabalhar, sua empregabilidade ou sua capacidade de ganhar salários. Os estudos constataram consistentemente que usuários de maconha ganham salários iguais ou mais altos que não-usuários.25 Um estudo constatou que usuários de maconha passavam por períodos de desemprego mais longos e mais frequentes.26 Entretanto, outro pesquisador que examinou esses mesmos dados durante um número maior de anos não encontrou diferença no número de horas trabalhadas por usuários frequentes, ocasionais e não-usuários de maconha.27

Estudos em laboratório

Um conjunto final de estudos, conduzidos em laboratórios fechados, examinou os efeitos da maconha sobre a motivação durante e imediatamente após o uso de maconha. Em um estudo, um grupo de homens se voluntariou para morar em uma enfermaria de hospital durante 94 dias. Durante esse período, trabalharam para ganhar fichas que poderiam usar para comprar cigarros de maconha ou, no final do estudo, trocar por dinheiro. Depois de um período inicial de doze dias de abstinência, solicitou-se aos sujeitos que fumassem pelo menos um cigarro de maconha por dia. Além disso, poderiam usar as fichas que ganharam para comprar mais maconha. Alguns fumavam pouco, outros fumavam muito. Em nenhum momento da pesquisa o consumo de cannabis afetou o tempo que os homens passavam trabalhando, ou a precisão com que executavam tarefas físicas e cognitivas.28

Em um segundo estudo de laboratório, que durou 31 dias, pesquisadores recrutaram usuários que fumavam muito e usuários moderados. Nos primeiros dias, quando não era permitido fumar maconha, os usuários que fumavam muito trabalharam mais e ganharam mais fichas que os usuários moderados. Mais tarde, quando as fichas puderam ser trocadas por maconha, esses usuários que fumavam muito compraram mais maconha, mas também continuaram a trabalhar mais duro. Nos dias seguintes aos dias em que mais fumaram, os indivíduos ficavam um tanto menos produtivos do que antes. Ainda assim, os que fumavam muita maconha obtiveram um resultado de trabalho total mais elevado do que os usuários moderados. É verdade que gastaram mais fichas com maconha. No entanto, como ganharam mais fichas que os usuários moderados, devolveram o mesmo número de fichas para trocar por dinheiro ao final do estudo.29

Pesquisadores canadenses desenvolveram um estudo similar baseado na economia das fichas, para avaliar o impacto da maconha na motivação. Constataram que os indivíduos trabalhavam menos eficientemente no período imediatamente após terem permissão para fumar maconha. Entretanto, a produtividade aumentou rapidamente e ultrapassou os níveis atingidos durante o período de abstinência. Apesar de os indivíduos que consumiram mais maconha terem passado menos tempo trabalhando, de modo geral, não eram menos produtivos. Isto porque, quando trabalhavam, faziam-no com mais vigor. Ademais, durante o período em que consumiram mais maconha, fizeram greve e negociaram com sucesso salários mais altos junto aos pesquisadores. Depois disso, trabalharam com ainda mais vigor.30

Em 1990, pesquisadores financiados pelo NIDA e orientados por Richard Foltin na Johns Hopkins School of Medicine realizaram mais um estudo residencial de laboratório que durou quinze dias. Diferentemente dos estudos baseados na economia das fichas da década de 1970, que motivava indivíduos com maconha e dinheiro, o estudo de Foltin solicitava que os indivíduos desempenhassem tarefas extremamente maçantes para terem permissão para desempenhar tarefas ligeiramente menos maçantes. Após estabelecer preferências individuais por quatro tarefas altamente indesejáveis (por exemplo, separar cestas de fichas de plástico por cor e tamanho ou colocar 500 “palavras sem sentido” de sete letras, em ordem alfabética), só era permitido trabalhar na tarefa preferida após ter trabalhado muitas outras horas na tarefa de menor preferência. Os pesquisadores esperavam que durante os períodos em que fumavam maconha os sujeitos teriam menos vontade de trabalhar para obter permissão de mudar para suas atividades preferidas. Descobriram o contrário. Na realidade, o uso de maconha aumentava a vontade dos indivíduos de desempenhar tarefas altamente maçantes em troca de modestas melhorias em suas condições de trabalho.31

Apesar dessas descobertas consistentemente negativas de estudos que usaram muitas metodologias diferentes, os pesquisadores continuam a investigar a alegação de que a maconha provoca uma síndrome amotivacional. Denise Kandel e suas colegas constataram que usuários de maconha, em média, recebem salários mais altos do que não-usuários. Não obstante, em função do benefício do salário diminuir na medida em que os usuários de maconha envelhecem, esses pesquisadores predizem que estudos futuros constatarão déficits de salário relacionados com a maconha.32 Não convencido com os resultados de seus próprios estudos de laboratório, Foltin e seus associados concluem que “os efeitos complicados do uso de maconha sobre os aspectos motivacionais do desempenho humano” necessitam ser estudados com mais rigor, em um “âmbito mais amplo de condições clínicas, epidemiológicas e experimentais”.33 É possível que esses pesquisadores ou outros venham ainda a realizar um estudo – com alguma população em algum lugar – que relacione o consumo de maconha com a diminuição da motivação. Vinte e cinco anos de pesquisa já proporcionam prova convincente de que a ação farmacológica da maconha não provoca síndrome amotivacional.

MITO 9

A maconha prejudica a memória e a cognição. Sob influência da maconha, as pessoas não conseguem pensar com racionalidade e inteligência. O uso crônico da maconha provoca sequelas mentais permanentes.

“A maconha prejudica fortemente a memória de curto prazo e a capacidade de concentração.”1

“A maconha pode causar dificuldades para falar, ouvir efetivamente, pensar, reter conhecimento, resolver problemas e formar conceitos.”2

“O consumo de cannabis pode acarretar episódios agudos de confusão mental, e, a longo prazo, uma deterioração mental generalizada.”3

“Ex-usuários de maconha que... participam de atividades intelectuais relatam que não conseguem um desempenho nos mesmos níveis que tinham antes de começarem a usá-la, meses ou mesmo anos depois de parar de fumar.”4

“O THC suprime os neurônios do sistema de processamento de informação do hipocampo, a parte do cérebro que é crucial para o aprendizado, a memória e a integração das experiências sensoriais.”5

FATO 9

A maconha produz alterações temporárias imediatas nos pensamentos, na percepção e no processamento da informação. O processo cognitivo mais claramente afetado pela maconha é a memória de curto prazo. Em estudos de laboratório, indivíduos sob influência de maconha não têm problema para lembrar o que aprenderam anteriormente. Entretanto, apresentam capacidade diminuída para aprender e relembrar novas informações. Essa diminuição só perdura o tempo da intoxicação. Não existe prova convincente de que o uso intenso de maconha a longo prazo prejudique de modo permanente a memória ou outras funções cognitivas.

Maconha, memória e cognição

Existem dois tipos de estudos que, de modo diferente, avaliam os efeitos da maconha sobre a cognição e a função intelectual. Um deles examina as pessoas enquanto estão sob efeito de maconha. O outro examina os usuários quando estão sóbrios, buscando efeitos duradouros ou permanentes da maconha sobre a cognição. Nos dois tipos de estudos, os pesquisadores aplicam um ou mais testes padronizados, medindo memória, inteligência, atenção, processamento de informação, resolução de problemas, pensamento abstrato ou capacidade de aprendizagem.

Estudos “sob efeito”

Desde o final da década de 1960, dezenas de estudos avaliaram o desempenho intelectual durante o tempo de uma ou duas horas após as pessoas terem fumado maconha.6 Esses estudos são realizados em laboratórios, usando como sujeitos usuários experientes de maconha. Os pesquisadores fornecem maconha a alguns indivíduos e um placebo para outros. Ou fornecem elevadas doses de maconha para alguns indivíduos e doses pequenas para outros. Em seguida, um ou mais testes cognitivos são aplicados a ambos os grupos.

Os únicos testes cognitivos que de maneira razoavelmente consistentemente revelam um efeito de curto prazo da maconha são os testes de memória de curto prazo. Alguns testes de memória não são afetados pela maconha. Quando sob o efeito, as pessoas conseguem se lembrar de coisas que aprenderam antes de ficarem sob efeito da maconha.7 E ainda, quando se mostra às pessoas sob efeito coisas para lembrar, elas conseguem reconhecê-las depois.8 Por exemplo, quando perguntado se uma palavra específica estava incluída em uma lista de palavras apresentadas anteriormente, indivíduos do grupo da maconha e do grupo do placebo reconhecem quase o mesmo número de palavras. Entretanto, a maconha realmente diminui a capacidade das pessoas de lembrar livremente de palavras, figuras, histórias ou sons apresentados anteriormente no período de intoxicação. A demora ou distração entre a apresentação original e a tarefa de lembrar diminui a capacidade de indivíduos intoxicados de lembrar da apresentação original. Nesses estudos, os indivíduos erram principalmente por acrescentar material impertinente do que por excluir o material apresentado. Isto é, sob efeito da maconha, os sujeitos tendem especialmente a “lembrar” informação que não fazia parte da apresentação anterior.9

Nenhum outro teste cognitivo é consistentemente afetado pela maconha. Muitos pesquisadores constataram que a maconha não afeta o desempenho das pessoas em testes de atenção, de percepção, de processamento de informação e de resolução de problemas.10 Alguns pesquisadores encontraram pequenas diferenças nesses testes, e os resultados são inconsistentes de um estudo para outro.11 Essas descobertas contraditórias podem ser devidas a probabilidades estatísticas. Ou podem ocorrer porque as respostas individuais à maconha variam consideravelmente – um fator que é especialmente importante em estudos como esses, que tipicamente usam algumas dezenas de sujeitos.

As descobertas desses estudos laboratoriais provavelmente não refletem com precisão os efeitos cognitivos da maconha em situações do mundo real. De fato, esses estudos podem omitir alguns efeitos da maconha sobre a cognição e exagerar outros. Fora do laboratório, pessoas relatam que a intoxicação da maconha dificulta a concentração em uma coisa, e dificulta manter uma sequência de pensamentos lineares.12 Esses relatórios são consistentes com estudos de laboratório que revelam que a memória de curto prazo fica prejudicada. Outros efeitos relatados por usuários de maconha – por exemplo, que a maconha facilita a solução de problemas e o pensamento criativo13 – não foram reproduzidos em laboratório e provavelmente não podem ser replicados neste setting. Em última instância, os efeitos da maconha sobre a cognição no mundo real dependem da hora e do lugar que as pessoas escolhem para fumar maconha e das tarefas que estão desempenhando.14 No laboratório, a maconha prejudica temporariamente a memória de curto prazo e o aprendizado. Em condições estruturadas do mundo real, tais como salas de aula, a maconha muito provavelmente provocará efeitos semelhantes.

Estudos do efeito de longo prazo

O psicólogo M.I. Soueif foi o primeiro pesquisador a relatar dano cognitivo de longo prazo decorrente do consumo de maconha. Em artigos publicados no começo da década de 1970, ele descreveu deficiências cognitivas significativas em prisioneiros egípcios com histórico de uso de cannabis.15 Outros pesquisadores criticaram as constatações de Soueif, dizendo que eram tendenciosas devido às diferenças educacionais e de classe entre usuários e não-usuários em sua amostra.16 Desde então, os pesquisadores têm igualado os sujeitos para fatores tais como idade, educação e status socioeconômico. Desse modo, o potencial tendencioso diminui, mas não é eliminado. Usuários e não-usuários de maconha – especialmente usuários que fumam muito e não-usuários – frequentemente diferem de outros modos que podem afetar suas classificações em testes de cognição. Isso é especialmente verdade nos Estados Unidos, onde usuários que fumam muito há muito tempo são raros e tendem a ser desviantes de numerosas maneiras, e a usar diversas outras drogas psicoativas além da maconha.17 Em consequência disso, as diferenças entre usuários e não-usuários de maconha não podem ser atribuídas automaticamente à maconha.

Na década de 1970, o governo dos Estados Unidos custeou estudos de cognição na Jamaica, Grécia e Costa Rica – países com longa tradição de uso de cannabis, onde os pesquisadores puderam identificar grupos praticamente comparáveis de usuários que fumam muito, usuários moderados e não-usuários de cannabis. As descobertas dos três países contrastam drasticamente com os relatórios de Soueif sobre prisioneiros egípcios. Na maior parte das medidas cognitivas, pesquisadores na Jamaica, na Grécia e na Costa Rica não encontraram diferenças entre usuários de longa data e não-usuários de cannabis.18 Em um estudo à parte na Jamaica, pesquisadores canadenses também não encontraram prova de dano cognitivo permanente relacionado com o consumo frequente de altas doses de maconha.19

Em 1985 e 1990, pesquisadores conduziram dois estudos de acompanhamento da amostra de Costa Rica – 12 e 17 anos após o estudo original. Nos dois acompanhamentos, os pesquisadores aplicaram os oito testes cognitivos originais e nove testes cognitivos novos. A maioria desses dezessete testes tinha diversas subescalas, que permitiram aos pesquisadores realizar mais de cem análises em separado.

Em nenhum dos estudos de acompanhamento houve diferenças entre usuários e não-usuários de cannabis em alguma das medidas cognitivas originais. Em 1985, os novos testes cognitivos produziram três descobertas estatisticamente significativas. Usuários que fumam cannabis há muito tempo demoravam mais para completar um subteste (de um total de 14) em um teste em que tinham de sublinhar um símbolo diferente dos outros em um grupo de símbolos. Entretanto, quando as pessoas foram instruídas a desempenhar a tarefa o mais rápido possível, não houve diferenças entre usuários e não-usuários. Em outro teste, usuários de maconha demoravam um pouco mais para pressionar o botão em resposta à súbita aparição de um avião numa tela de computador. Finalmente, em uma seção do Teste de Memória Seletiva, usuários de cannabis lembraram menos palavras de uma lista de palavras apresentadas anteriormente.

O segundo estudo de acompanhamento, em 1990, identificou quatro diferenças estatisticamente significativas entre usuários e não-usuários de cannabis. Entretanto, somente um desses resultados era consistente com um resultado de 1985, e apareceu apenas quando os pesquisadores dividiram os usuários de cannabis em coortes mais velhas e mais jovens. Em 1990, no Teste de Memória Seletiva, usuários mais velhos de cannabis (média de 45 anos) lembraram de 10,5 palavras, comparadas com 10,9 para não-usuários mais velhos.21 Essa diferença era na verdade menor do que a diferença encontrada em toda a amostra de usuários de cannabis em 1985 – uma diferença que os pesquisadores anteriores identificaram como “especialmente não relevante”.22

Pesquisas em outros países também encontraram diferenças relativamente menores entre usuários e não-usuários de maconha, e elas variam consideravelmente de um estudo para outro. Na Índia, alguns pesquisadores encontraram índices cognitivos mais baixos entre usuários de longa data,23 mas outros pesquisadores não os encontraram,24 mesmo empregando as mesmas medidas. Nos Estados Unidos, dois estudos na década de 1970 encontraram deficiências de memória entre usuários de longa data que fumavam muita maconha,25 mas três outros pesquisadores constataram que o consumo de maconha não tinha efeito permanente sobre a memória.26 Em testes cognitivos medindo a capacidade de resolução de problemas, raciocínio verbal e pensamento abstrato, a maioria dos pesquisadores não encontrou diferenças entre usuários e não-usuários.27 Em um estudo com dez rastafáris americanos que fumavam maconha (misturada com tabaco) várias vezes ao dia por uma média de 7,4 anos, os pesquisadores não encontraram nada de não usual nos resultados dos testes cognitivos do grupo comparado com amostras nacionais.28 Em alguns estudos, pesquisadores descobriram até que usuários que fumam muita maconha tinham pontuações mais altas do que não-usuários, em algumas medidas cognitivas.29

Na década passada, três estudos nos Estados Unidos relataram prova de déficit cognitivo de longa duração provocada pela maconha. Em um deles, Robert Block e M. Ghoneim, do Departamento de Anestesia da Universidade de Iowa, aplicaram em usuários e não-usuários adultos um teste padrão de inteligência (QI) e uma série de testes computadorizados para medição da memória, da formação de conceito e do aprendizado. O estudo constatou que usuários que fumavam muito – que relataram usar sete ou mais vezes por semana para uma média de 6,5 anos – tiveram resultados inferiores em duas subescalas do teste de QI (habilidade matemática e expressão verbal) e em um teste de memória computadorizado. Os pesquisadores concluíram que em função de os usuários e não-usuários de maconha terem sido equiparados para resultados de teste de QI de quarto grau e outros fatores, a maconha era provavelmente a causa da deficiência encontrada.30 

Existem motivos para questionar as conclusões de Block e Ghoneim. Seus usuários “intermediários” – que usavam maconha quase com tanta frequência quanto os que usavam muito (cinco a seis vezes por semana comparados com sete vezes ou mais) – não demonstraram quaisquer deficiências cognitivas. Em uma primeira análise dos dados, Block and Ghoneim definiram consumo pesado como cinco ou mais vezes por semana. Usando essa definição, constataram que usuários que fumavam muito diferiam de não-usuários em apenas uma subescala do teste de QI.31 O fato de os pesquisadores terem depois reconceitualizado as categorias de consumo de drogas de um modo que produziu descobertas mais significativas levanta questões sobre a validade de todo o estudo. Outra dúvida que paira sobre as descobertas de Block e Ghoneim é que não houve período supervisionado de abstinência antes da aplicação dos testes. Os sujeitos receberam instruções para não usarem maconha durante as vinte e quarto horas precedentes, mas não existe garantia de que os indivíduos na categoria de uso intenso – que relataram ter usado maconha todos os dias nos seis anos anteriores – não fumaram maconha no dia do teste. Em consequência disso, algumas das diferenças detectadas podem ser devidas aos efeitos de curto prazo da maconha em vez de aos efeitos de longo prazo.

Um segundo estudo recente foi conduzido por Harrison Pope e Deborah Yurgelun-Todd, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Harvard. Eles administraram uma série de testes cognitivos a 65 usuários de maconha que fumavam muito (que tinham fumado uma média de 29 dias no mês precedente) e 64 que fumavam pouco (que tinham fumado até nove vezes no mês anterior). Os pesquisadores não encontraram diferenças entre os dois tipos de usuário nos testes de atenção, fluência verbal e desenho complexo. Encontraram diferenças em um de dois testes de memória e numa tarefa de classificação de cartões designada para medir “flexibilidade mental”. Apesar das diferenças serem estatisticamente significativas, não eram grandes. Por exemplo, no primeiro (mas não no segundo) teste da tarefa de escolha de cartas, os que usavam muita maconha classificaram menos itens corretamente. Sua média foi de 51,3, comparada com 53,3 dos que fumavam pouco. No teste de memória, os sujeitos tinham cinco chances para lembrar palavras de uma lista de palavras apresentada anteriormente. No final do teste, o número médio de palavras lembradas pelos que fumavam pouco foi 15,3 e a média dos que fumavam muito foi 14,9.32

Pope e Yurgelun-Todd concluíram que as deficiências cognitivas encontradas em pessoas que consumiam muito eram causadas pela maconha. No entanto, diferenças de sexo nos dados questionam a explanação fármaco-biológica. Juntos, todos os subtestes de memória e de tirar cartas produziram oito constatações estatisticamente significativas. Quando as mulheres foram analisadas separadamente, entretanto, houve apenas uma descoberta estatisticamente significativa. Como não existe nenhuma prova de que a maconha afeta homens e mulheres de modo diferente, as deficiências cognitivas encontradas em homens eram provavelmente resultantes de outros fatores, não do uso de maconha.

Um relatório final recente de dano cognitivo prolongado provocado pela maconha se baseia em um estudo com dez usuários adolescentes internados por seus pais em uma comunidade terapêutica. O diretor médico do programa, Richard Schwartz, aplicou uma bateria de testes neuropsicológicos (incluindo sete testes de memória de curto prazo) nesses jovens usuários de maconha e em dois grupos controle de adolescentes. Um grupo de controle era formado por nove adolescentes da comunidade local que não usavam drogas. O outro grupo de controle era formado por oito adolescentes admitidos ao programa por outros motivos, que tinham usado pouca ou nenhuma maconha. Segundo os autores, o segundo grupo de controle era necessário “para controlar possíveis efeitos contraditórios no processo cognitivo e na capacidade de concentração provocados por estados emocionais de medo, ansiedade ou depressão, que todos os adolescentes possivelmente sentem imediatamente após entrarem em um programa de tratamento”.33 Os testes eram aplicados em ambas as amostras de indivíduos em tratamento até cinco dias após sua admissão ao programa e, novamente, seis semanas depois.No exame inicial, Schwartz et al. relatam “diferenças significativas entre o grupo dependente de cannabis e os dois grupos de controle” em dois testes de memória de curto prazo. Eles também relataram que, depois de seis semanas, uma diferença estatisticamente significativa permaneceu em um desses dois testes. No resumo do estudo, os autores afirmam que “os adolescentes dependentes têm deficiências na memória seletiva de curto prazo que perduram por pelo menos seis semanas após o último uso de maconha”.34 Outros pesquisadores agora citam o estudo de Schwartz como um estudo “bem controlado” que revela problemas na memória de longo prazo causado pela maconha.35

Essa conclusão não é apoiada pelos dados apresentados na pesquisa. De fato, no Teste de Memória de Passagens de Texto de Wechsler – o único teste mostrando uma diferença em seis semanas – os usuários de maconha e outros participantes do programa obtiveram classificações idênticas. Na seção de discussão do estudo, os autores escrevem que “a falha na obtenção de diferenças significativas entre o grupo dependente de cannabis e o grupo de controle na amostra pode ser devido ao pequeno tamanho das amostras”. Alternativamente, sugerem “que o ambiente comum dos dois grupos (ambos presentes no programa de tratamento) pode comumente influir para alterar os índices desses testes”.36 A única descoberta estatisticamente significativa em seis semanas veio na verdade de comparar os usuários de cannabis com adolescentes na amostra da comunidade.37 Se esse estudo revela alguma coisa, revela que não há déficit de memória de longo prazo relacionado diretamente ao uso de maconha por adolescentes.
Nos últimos trinta anos, pesquisadores constataram, no máximo, pequenas diferenças cognitivas entre usuários crônicos e não-usuários de maconha, e os resultados diferem substancialmente de um estudo para outro. Com base nessa prova, o consumo a longo prazo de maconha aparentemente não causa nenhum dano significativo permanente à capacidade intelectual. Mesmo os estudos com animais, que mostram deficiências na memória de curto prazo e no aprendizado com altas doses de THC, não produziram prova de dano permanente.38

MITO 10

A maconha provoca sequelas psicológicas permanentes. Entre adolescentes, mesmo o consumo ocasional da erva pode provocar dano psicológico. Durante a intoxicação, os usuários tornam-se irracionais e muitas vezes se comportam de modo errático.

“A maconha causa diversas desordens mentais, inclusive psicose tóxica, ataques de pânico, flashbacks, desilusões, despersonalização, alucinações, paranoia e sentimentos incontroláveis de agressão.”1

“A maconha é conhecida por ativar ataques de doenças mentais, como o transtorno bipolar e a esquizofrenia.”2

“A maconha... prejudica o desenvolvimento de relacionamentos sociais saudáveis... Parece também prejudicar a capacidade de pessoas jovens tomarem boas decisões.”3

“O THC pode prejudicar de modo permanente os mecanismos bioquímicos neurais básicos que controlam o comportamento coerente.”4

FATO 10

Não existe prova científica convincente de que a maconha cause danos psicológicos ou doença mental em adolescentes ou adultos. Alguns usuários ficam ansiosos após fumarem maconha, o que pode incluir sentimentos de pânico, ansiedade e paranoia. Essas experiências podem ser assustadoras, mas os efeitos são temporários. Em doses muito elevadas, a maconha pode causar uma psicose tóxica temporária. Isso raramente ocorre, e quase sempre quando a maconha é comida em vez de fumada. A maconha não provoca mudanças profundas no comportamento das pessoas.

10  
Maconha, psicologia e insanidade

Os primeiros defensores da proibição da maconha nos Estados Unidos diziam que a erva precisava ser controlada por causar insanidade.5 Apresentaram relatórios da Índia e do Egito, onde uma grande quantidade de pacientes mentais internados em instituições clínicas, a maioria das classes mais baixas, eram usuários de cannabis.6 Na década de 1970, psiquiatras, acadêmicos e comissões governamentais americanas criticaram estes dados, observando que nas sociedades ocidentais, onde mais pessoas de classe média usavam maconha, não havia associação aparente entre consumo de maconha e doença mental. Observaram ainda que, mesmo que fosse encontrada alguma associação estatística, não poderia ser provado  que a cannabis causasse doenças mentais.7

Desde a década de 1970, um grande número de pesquisadores examinou a relação entre maconha e doença mental em sociedades ocidentais. A maioria estudou populações de pacientes psiquiátricos, buscando um elo entre uso de maconha e início ou gravidade de sintomas. Com base em relatórios retrospectivos de arquivos de pacientes, um grupo de pesquisadores encontrou que entre pessoas diagnosticadas com esquizofrenia e dependência de cannabis, o consumo de cannabis precedia o primeiro episódio psicótico em 69 por cento dos casos.8 Entretanto, outros estudos constataram que o consumo de maconha tem muito mais probabilidade de ser posterior em vez de anterior ao aparecimento de sintomas psiquiátricos – eliminando-a como fator causal na maioria dos casos.9 Alguns pesquisadores relataram que a maconha pode exacerbar sintomas em pessoas com desordens psiquiátricas.10 No entanto, outros encontraram sintomas menos graves e menos admissões hospitalares entre pacientes psiquiátricos que usavam maconha.11

Um estudo recente com recrutas militares suecos renovou reivindicações de que a maconha causa doença mental – esquizofrenia, em particular. Esse estudo avaliou o risco de uma diagnose posterior de esquizofrenia com base no consumo de cannabis aos dezoito anos. Constatou que a prevalência de esquizofrenia em homens que tinham usado maconha cinquenta vezes ou mais era de 2,8 por cento, comparados com 1,4 por cento em homens que tinham usado maconha menos de cinquenta, porém mais de dez vezes. O consumo intenso de cannabis era somente um dos muitos fatores presentes na idade de dezoito anos associado a um diagnóstico posterior de esquizofrenia. Na verdade, todos os que posteriormente apresentaram quadros esquizofrênicos haviam recebido algum tipo de diagnóstico de psiquiatras militares no momento do alistamento. Todos haviam sido medicados anteriormente por “problemas nervosos”. Todos vinham de lares desfeitos e todos tinham tido, em algum momento de suas vidas, problemas na escola e com a polícia.12 Em outras palavras, nessa amostra o consumo intenso da cannabis estava associado a uma variedade de problemas psicológicos e sociais, todos eles também associados a um diagnóstico posterior de esquizofrenia.

Esse estudo do recrutamento sueco não incluiu dados sobre o consumo de cannabis por esses homens depois dos dezoito anos, ou dados sobre consumo de outras drogas ilegais. Entretanto, em uma análise mais profunda de uma sub-amostra menor da coorte original, pesquisadores constataram que metade tinha usado anfetamina,13 uma droga que pode precipitar a esquizofrenia em pessoas predispostas.14 Como a incidência da esquizofrenia declinou substancialmente nas sociedades ocidentais na década de 1970, ao mesmo tempo em que o uso de cannabis aumentava,15 parece muito pouco provável que a maconha cause esquizofrenia em pessoas saudáveis.

A reivindicação de que a maconha causa danos psicológicos sutis, especialmente entre adolescentes, surgiu primeiro durante a década de 1960.16 Estudos revelaram que adolescentes com problemas psicológicos e comportamentais tinham mais probabilidade do que outros adolescentes de usar maconha em grandes quantidades.17 Pais, médicos e agentes de saúde especializados em drogas podem identificar a maconha como o problema primordial – causador de todos os outros.18 Pesquisadores, entretanto, constataram que a maioria dos adolescentes que usa maconha de forma consistente apresentava problemas psicológicos e comportamentais anteriores.19 O uso intenso de maconha pode exacerbar outros problemas entre adolescentes,20 mas parece mais um sintoma do que a causa de desajuste social e psicológico.

Adolescentes bem ajustados e educados que experimentam maconha têm pouca probabilidade de se tornarem usuários que fumam muito; e usar maconha ocasionalmente parece não ter qualquer efeito significativo sobre a personalidade, o status psicológico ou o comportamento dos jovens. Usuários de maconha têm maior probabilidade de possuir características de personalidade que reflitam inconvencionalidade e busca de sensações do que os não-usuários.21 Entretanto, pesquisas longitudinais, que examinam os mesmos indivíduos ao longo do tempo, constatam que essas características tipicamente precedem mais do que surgem após a experimentação da maconha.22 Em medidas de ajustamento social e psicológico, adolescentes que usam maconha de forma ocasional são visivelmente semelhantes aos não-usuários.23 Na verdade, pesquisadores que acompanharam um grupo de crianças desde a tenra infância até a adolescência verificaram que adolescentes que usavam maconha ocasionalmente eram social e psicologicamente mais bem ajustados do que adolescentes não-usuários.24 Como outros estudos que apresentam uma associação estatística, este não demonstra nenhum efeito causal.

Efeitos psicológicos de curto prazo

A maconha altera temporariamente o humor, as percepções, os pensamentos e os sentimentos. A maioria dos usuários percebe essas alterações como positivas. Ocasionalmente, o efeito da maconha vem acompanhado de reações psicológicas adversas. Por exemplo, ao fumar maconha, algumas pessoas experimentam uma “reação de pânico” que pode incluir sensações de perda de controle, ansiedade, medo e paranoia. Usuários novatos de maconha, especialmente adultos, são propensos a ter reações de pânico. Eles podem entrar numa onda de que os efeitos físicos agudos da maconha (por exemplo, aumento dos batimentos cardíacos) sejam uma ameaça à vida, ou temer que os efeitos psicoativos da maconha possam se intensificar ou ser permanentes. Episódios de pânico variam em intensidade e podem durar de alguns minutos a algumas horas. Pessoas que sentem repetidamente pânico com a maconha provavelmente não continuarão a usá-la.25

Altas doses de THC podem aumentar a probabilidade de ataques de pânico, especialmente se a droga for ingerida – por exemplo, comer haxixe, THC puro, ou um alimento contendo maconha. É difícil consumir grandes doses de THC fumando, mas é fácil comendo. Ao ingerir doses altas de THC, as pessoas experimentam não só os efeitos do THC, mas também os efeitos do 11-hidróxi-THC, um composto psicoativo distinto produzido pelo fígado quando metaboliza o THC.26 O 11-hidróxi-THC está presente quando se fuma cannabis, mas em níveis baixos demais para ser psicoativo. Quando uma grande dose de cannabis é ingerida, a dose de 11-hidróxi-THC é impelida para a esfera psicoativa. A incidência mais alta de reações adversas por ingerir produtos de cannabis é provavelmente devida aos efeitos combinados do THC e 11-hidróxi-THC.27

Atitudes culturais sobre a maconha, a situação em que é usada e as predisposições individuais parecem desempenhar um papel mais importante nos ataques de pânico do que a dose propriamente dita. A ingestão de grandes quantidades não produz inevitavelmente uma reação de pânico,28 e fumar maconha de baixa potência não a previne, necessariamente.29 Algumas pessoas relatam que nunca experimentaram pânico com a maconha. Outras parecem constitucionalmente inclinadas a ter uma reação de pânico. De fato, o simples conhecimento de que a maconha pode produzir pânico aumenta a probabilidade da ocorrência de pânico. Em um estudo duplo cego sobre os usos terapêuticos da maconha, os sujeitos receberam uma lista de possíveis reações adversas. Alguns sujeitos que receberam a droga ativa relataram efeitos colaterais de ansiedade e pânico. Da mesma, esses efeitos foram relatados pelos que receberam placebo.30

Uma consequência adversa mais grave do uso de cannabis é a “psicose tóxica” na qual as pessoas sentem desorientação, confusão mental e percepções visuais e auditivas distorcidas.31 Os sintomas podem ser bastante dramáticos, e a equipe médica por vezes faz o diagnóstico errado de psicose não causada por drogas. A psicose causada pela cannabis é limitada em si mesma, desaparecendo em alguns dias com ou sem tratamento médico. A psicose tóxica provavelmente ocorre com mais frequência em pessoas com desordens psiquiátricas preexistentes, mas ao consumir doses suficientemente elevadas de THC, qualquer pessoa poderá apresentar sintomas psicóticos. A maior parte dos relatórios sobre psicose tóxica vem de culturas onde as pessoas comem haxixe ou tomam fortes bebidas de cannabis.32 Nos Estados Unidos, onde a cannabis é consumida principalmente pelo ato de fumar, a psicose tóxica raramente ocorre.33

Alguns usuários de maconha relatam que tiveram “flashbacks”. Este é um estado alterado de consciência parecido com o provocado por uma droga, mas que ocorre enquanto a pessoa está sóbria.34 Os flashbacks são curtos – duram de alguns segundos a poucos minutos – e são muito menos intensos do que as experiências reais com drogas. A maior parte dos usuários de maconha nunca tem flashbacks. Aqueles que têm, em geral, relatam um ou dois episódios sem efeitos duradouros. Nunca houve uma teoria farmacológica cogente de flashbacks ocasionados por drogas. Em The Natural Mind, Andrew Weil dá uma explicação não-farmacológica. Ele diz que aquilo que as pessoas identificam como flashbacks assemelham-se aos episódios transitórios de déjà vu que quase todos sentem de vez em quando. Weil sugere que quando as pessoas têm um episódio de déjà vu logo após usar uma droga, isso pode provocar uma vívida memória instantânea da experiência com a droga.35 Relatos de flashbacks de maconha são menos comuns atualmente do que nas décadas de 1960 e 1970 – provavelmente porque, quando a mídia dá menos atenção ao assunto, as pessoas ficam menos propensas a interpretar suas experiências de déjà vu em relação ao uso prévio de maconha.

A maconha altera temporariamente o humor, o pensamento, as emoções e a percepção, às vezes de forma dramática. Nenhum dos efeitos da maconha leva as pessoas a se comportar de um modo em particular. Em meio a uma psicose tóxica, a pessoa pode ficar agitada e amedrontada. Em resposta ao pânico agudo, a pessoa pode ficar alheia e paralisada. Nenhum desses estados elimina as restrições sociais e morais que orientam o comportamento humano. A maconha não faz com que a pessoa fique enlouquecida ou violenta (ver Capítulo 11). Nos diversos estudos conduzidos em laboratório, nunca houve qualquer relato de mudança de comportamento dramática em seguida à ingestão de cannabis, mesmo em indivíduos que receberam doses muito elevadas.

MITO 11

A maconha induz ao crime. Usuários de maconha cometem mais delitos contra a propriedade do que os não-usuários. Sob influência da maconha, as pessoas se tornam irracionais, agressivas e violentas.

“Jovens usuários de maconha têm maior probabilidade de ser presos do que os não-usuários. [A maconha]... está claramente associada ao aumento da vadiagem e do crime.”1

“Um outro assunto é a forte relação entre uso de maconha e violência. Sessenta e seis por cento dos estudantes de ensino médio que levaram armas para a escola também usavam maconha. Portanto, outra mensagem importante para nossos jovens é que, se usar maconha, poderá acabar entrando numa briga violenta.”2

“Os efeitos crônicos do consumo frequente de maconha podem incluir... intensa raiva por uma mera provocação até uma agressão hostil, mesmo contra entes queridos.”3

FATO 11

Todas as comissões acadêmicas e governamentais sérias que examinaram a relação entre consumo de maconha e crime chegaram à mesma conclusão: a maconha não leva ninguém a cometer crimes. O único crime que a grande maioria dos usuários de maconha comete é a própria posse de maconha. Entre usuários de maconha que praticam crimes, a maconha não desempenha nenhum papel causal. Quase todos os estudos com pessoas e animais revelam que a maconha reduz em vez de aumentar a agressividade.

11 
Maconha, delinquência e crime

Nas décadas de 1920 e 1930, quando a maioria dos americanos ouviu falar em maconha pela primeira vez, aprenderam que ela transformava as pessoas em criminosos violentos.4 Defensores da proibição da maconha, como o diretor do Departamento de Narcóticos Harry Anslinger, promoveram a ideia de que a maconha provocava crimes. Por exemplo, em um artigo de 1937 no American Magazine, Anslinger advertia os leitores sobre os “inúmeros homicídios, suicídios, roubos, agressões criminosas, assaltos, invasões de residências e atos de insanidade maníaca que a maconha causa todos os anos”.5 Jornais em todo o país publicavam detalhes sensacionalistas de crimes violentos hediondos supostamente cometidos sob efeito de maconha.

Em 1972, depois de a Comissão Shafer revisar a prova sobre a relação entre maconha e crimes, afirmou:
“Alguns usuários cometem crimes com mais frequência do que não-usuários, não porque usem maconha, mas porque são pessoas das quais se espera um índice mais elevado de criminalidade, totalmente alheio ao uso de maconha. Na maioria dos casos, as diferenças nos índices de criminalidade entre usuários e não-usuários dependem não do uso da maconha, mas desses outros fatores.”6

Pesquisa conduzida desde 1972 confirma as conclusões da Comissão Shafer. Delinquentes juvenis e criminosos adultos tendem a consumir mais maconha do que a população em geral.7 Contudo, isto acontece porque tanto o uso de maconha quanto o crime estão relacionados com um conjunto de fatores preexistentes no ambiente social, na história de vida e na personalidade dos delinquentes. Quando os pesquisadores controlam esses fatores,8 e controlam o consumo de outras drogas,9 a associação entre consumo de maconha e crime diminui ou desaparece. A maior parte dos criminosos que fuma maconha começou a cometer crimes antes de começar a fumar.10

Sem dúvida, existem pessoas violentas que fumam maconha, mas a maconha não as torna violentas. É maior a probabilidade de usuários de maconha dizerem que a maconha tem um “efeito calmante.”11 De fato, algumas pessoas relatam esse efeito como uma motivação para usar maconha.12 Diversos estudos revelam que usuários de maconha estão substancialmente subrepresentados entre criminosos violentos.13 Em estudo recente entre prisioneiros do Estado de Nova York, 18 entre 268 assassinos disseram que a maconha havia contribuído para que cometessem o crime. Entretanto, 15 dos 18 também declararam que estavam sob a influência do álcool e/ou outras drogas por ocasião do homicídio. Em nenhum dos 18 casos os pesquisadores concluíram que a maconha havia realmente contribuído para o crime.14

Um único estudo de laboratório é às vezes citado como prova de que a maconha torna as pessoas mais agressivas. Nesse estudo, oito homens de comunidades de baixa renda, todos com múltiplos problemas com drogas, foram divididos em grupos de dois, em um jogo de estratégia. Jogaram antes e depois de fumar maconha. Depois de terem fumado maconha, os indivíduos se tornaram um pouco mais propensos a empregar estratégias ofensivas, em vez de defensivas, contra os oponentes.15 Em outros experimentos de laboratório, os pesquisadores demonstraram que a maconha reduz a hostilidade e a agressão,16 mesmo quando os indivíduos são provocados.17 De fato, pesquisadores nem conseguem fazer com que animais em laboratório se tornem agressivos,18 a não ser que os submetam a condições extremas de estresse – como o estado de fome – antes de administrar o THC.19

MITO 12

A maconha afeta os hormônios sexuais masculinos e femininos. A maconha pode causar infertilidade tanto no homem quanto na mulher. A maconha retarda o desenvolvimento sexual nos adolescentes. Produz características femininas nos homens e masculinas nas mulheres.

“A maconha provoca uma redução da produção de testosterona, que algumas vezes leva a uma puberdade deficiente em homens adolescentes.”1

“Mulheres adolescentes que passam a fumar maconha regularmente enfrentam... níveis elevados de testosterona, que podem resultar no aumento de pelos faciais e corporais e de acne.”2

“A maconha... [causa] baixas contagens de esperma e dificuldade para os homens terem filhos.”3

“Fumar um só cigarro de maconha suprime a produção do hormônio feminino essencial para a implantação de óvulos fertilizados no útero.”4

“Todos... os estudos científicos realizados... revelam... o perigo de usar maconha, especialmente para mulheres jovens, e o que pode acontecer à sua capacidade de engravidar no futuro.”5

FATO 12

Não existe prova de que a maconha cause infertilidade masculina ou feminina. Em estudos com animais, altas doses de THC diminuem a produção de alguns hormônios sexuais e podem prejudicar a reprodução. Entretanto, a maioria dos estudos com humanos constatou que a maconha não produztem impacto sobre os hormônios sexuais. Nos estudos que mostram um impacto, ele é modesto, temporário e sem consequência aparente para a reprodução. Não existe prova científica de que a maconha retarde o desenvolvimento sexual dos adolescentes, e tenha um efeito feminilizante em homens, ou masculinizante em mulheres.

12 
Maconha, hormônios sexuais e reprodução

Em 1972, uma carta ao New England Journal of Medicine descrevia ginecomastia (aumento da mama em homens) em três usuários de maconha.6 Esse relatório parece ter iniciado a busca de um efeito da maconha sobre os hormônios que controlam o desenvolvimento sexual e a reprodução. A publicação posterior de um estudo demonstrando não haver prevalência maior de ginecomastia em usuários de maconha do que em não-usuários7 não impediu novas pesquisas.

Pesquisadores na década de 1970 compararam níveis sanguíneos de testosterona em homens usuários de maconha com não-usuários. Um dos primeiros pesquisadores a fazer isso foi Robert Kolodny, que anteriormente já havia examinado níveis de testosterona em homens homossexuais.8 Em 1974, Kolodny e seus associados relataram que usuários frequentes de maconha apresentavam níveis de testosterona mais baixos do que usuários ocasionais.9 Mais tarde, esses pesquisadores relataram reduções temporárias da testosterona em homens, imediatamente após terem fumado maconha.10 Em diversos outros estudos, entretanto, os pesquisadores não encontraram uma redução da testosterona em homens, após terem fumado maconha, mesmo com doses muito elevadas.11 Estudos de homens na população geral também não conseguiram encontrar diferenças nos níveis de testosterona de usuários e não-usuários de maconha.12

Pesquisadores examinaram também o impacto da maconha sobre a quantidade e a qualidade do esperma. Em seu estudo de 1974, Kolodny reportou que usuários frequentes de maconha tinham contagem de esperma mais baixa do que usuários ocasionais.13 Entretanto, esse estudo não controlou a atividade sexual nos dias que antecederam o exame, um fator que sabidamente afeta as concentrações de esperma.14 Em outro estudo, homens passaram trinta dias fechados em um laboratório onde fumaram até vinte cigarros por dia, antes de os pesquisadores examinarem seu esperma. Esse estudo encontrou alguma diminuição nas concentrações de esperma e na sua motilidade. Entretanto, em nenhum desses testes os valores estavam fora dos índices normais. As pequenas diferenças ocorridas foram revertidas quando o experimento terminou.15

Muito menos pesquisas foram realizadas com mulheres. Um estudo na década de 1970 relatou mais anormalidades do ciclo menstrual entre usuárias do que não-usuárias de maconha.16 Entretanto, em função de a amostra ser pequena, os pesquisadores não conseguiram controlar variáveis potencialmente conflitantesconfundíveis. Desde então, ninguém replicou essas descobertas. Em um estudo de laboratório, os pesquisadores mediram os hormônios sexuais femininos após a administração de maconha. Alguns sujeitos apresentaram níveis mais baixos de prolactina, mas o efeito foi de curta duração e as concentrações nunca ficaram abaixo do normal.17 Mais recentemente, um estudo com mulheres na população geral não encontrou nenhum efeito da maconha sobre qualquer hormônio, mesmo entre usuárias frequentes de grandes quantidades.18

Administrando grandes doses de THC em animais, pesquisadores produziram efeitos apreciáveis sobre os níveis de hormônios sexuais.19 Entretanto, os efeitos variam de um estudo para outro, dependendo da dose e do momento da administração da droga. Quando ocorrem efeitos, eles são temporários. Tanto em machos quanto em fêmeas, uma dose única elevada de THC provoca mais impacto sobre os hormônios sexuais do que uma administração repetida. Quando os animais são expostos ao THC durante várias semanas ou meses, a tolerância aumenta e a maconha perde o impacto. Por exemplo, em um estudo com primatas fêmeas, os níveis de hormônio e os ciclos de ovulação foram inicialmente suprimidos, mas voltaram ao normal após uma dosagem diária contínua de THC.20 Esses estudos com animais sugerem que os componentes tipo canabinoide que ocorrem naturalmente desempenham um papel na regulagem da secreção dos hormônios sexuais. Uma dose alta de THC pode alterar o sistema temporariamente. Com doses repetidas, o sistema se ajusta à presença do THC e volta ao normal.

Os pesquisadores não provocaram dano permanente na função reprodutiva de machos ou fêmeas, quer com administração de doses elevadas ou contínuas de maconha. Recentemente, os pesquisadores adicionaram anandamida – um componente tipo canabinoide que ocorre naturalmente em humanos – em placas de Petri contendo duas células-tronco embrionárias de ratos retiradas de suas mães. Em 60 por cento dos casos, a anandamida interrompeu o desenvolvimento embrionário.21 Apesar de esse estudo ter aparecido em relatórios do governo como prova dos “efeitos sérios e danosos da maconha” sobre a gravidez,22 ele não tem relevância óbvia para humanos.

Não existe prova convincente sobre infertilidade relacionada ao consumo de maconha em humanos. Em uma pesquisa, mulheres que buscavam assistência profissional devido à infertilidade relataram índices mais altos de uso de maconha do que uma amostra idêntica de mulheres férteis. Entretanto, a diferença era pequena (61 por cento contra 53 por cento), e ainda menor quando os pesquisadores controlavam fatores de estilo de vida associados à infertilidade.23 Em um estudo recente, pesquisadores não encontraram nenhuma associação entre uso de maconha e a interrupção prematura da gravidez.24

Não há estudos epidemiológicos comprovando que homens que usam maconha tenham índices mais altos de infertilidade do que homens que não usam. Também não existe prova da diminuição da capacidade reprodutiva entre homens em países onde é comum o uso de maconha.25 É possível que a maconha possa causar infertilidade em homens que já apresentam contagens baixas de esperma. No entanto, é provável que usuários regulares de maconha desenvolvam tolerância aos efeitos hormonais da maconha.

Um único relato de caso de um fumante de maconha de 16 anos que não conseguiu avançar para a puberdade26 continua a ser citado como prova de que a maconha retarda o desenvolvimento sexual adolescente. Em estudos com animais, foi demonstrado que o THC altera o início e as características da puberdade em ambos os sexos – apesar de, mesmo com doses extremamente altas, os resultados serem inconsistentes de um estudo para outro.27 E o que é mais importante, não existem dados clínicos sistemáticos revelando amadurecimento sexual retardado em adolescentes que usam maconha.

A maconha não produz efeito masculinizante em mulheres, nem efeito feminilizante em homens. Um estudo relatou níveis elevados de testosterona em mulheres usuárias de maconha, mas sua  amostra era muito pequena.28 Um estudo mais amplo e recente com mulheres não encontrou diferenças nos níveis de testosterona em usuárias e não-usuárias de maconha.29 Numerosos estudos mostram que a maconha não aumenta os hormônios femininos nos homens30 – mesmo quando doses elevadas são administradas em laboratório.31

MITO 13

O uso de maconha durante a gravidez prejudica o feto. A exposição pré-natal à maconha causa defeitos de nascença em bebês e, na medida em que crescem, geram problemas de desenvolvimento. A saúde e o bem-estar da próxima geração estão ameaçadas pelo uso de maconha por mulheres grávidas.

“Fumantes de maconha possuem muitas células com 10, 8 ou 5 cromossomas – muito menos do que um sapo!... Isso pode afetar a saúde do bebê que a fumante de maconha possa vir a ter um dia.”1

“Eles não são retardados... Mas é possível que [bebês expostos à maconha] não atinjam seu pleno desenvolvimento.”2

“Bebês de mães que fumam maconha ... podem ter problemas de aprendizado na escola, porque a maconha afetou seu sistema nervoso central.”3

“Uma recente descoberta inesperada relacionou o consumo intenso de cannabis por mulheres grávidas com uma forma rara de câncer em seus filhos.”4

“Crianças nascidas de mães-usuárias de maconha [podem] apresentar deficiências de aprendizado, déficits de atenção e irregularidades hormonais quando crescerem, mesmo que não mostrem sinais aparentes de dano no nascimento.”5

FATO 13

Estudos com recém-nascidos, bebês e crianças não demonstram deficiências físicas, de desenvolvimento ou cognitivas consistentes relacionadas com a exposição pré-natal à maconha. A maconha não causa impacto fidedigno no tamanho do bebê, no tempo de gestação, no desenvolvimento neurológico ou na ocorrência de anormalidades físicas. A administração de centenas de testes em crianças maiores revelou apenas pequenas diferenças entre filhos de usuárias e de não-usuárias de maconha, e algumas são positivas em vez de negativas. Dois estudos de controle de caso não confirmados identificaram a exposição pré-natal à maconha como um dos diversos fatores estatisticamente associados ao câncer infantil. Dadas outras provas disponíveis, é muito pouco provável que a maconha cause câncer em crianças.

13
Uso de maconha durante a gravidez

Advertências de que a maconha causa defeitos de nascença já eram formuladas no final da década de 1960.6 Alguns pesquisadores diziam ter encontrado anomalias cromossomáticas em células sanguíneas retiradas de usuários de maconha. Prediziam que jovens que usassem maconha gerariam bebês deformados.7 Apesar de estudos posteriores refutarem essa teoria,8 alguns materiais atuais de educação sobre drogas ainda afirmam que o dano genético é passado pelos usuários de maconha a seus filhos.9

Hoje em dia, pesquisadores procuram um efeito direto do THC sobre o feto. Em estudos com animais, foi demonstrado que o THC produz aborto espontâneo, peso reduzido no bebê e deformidades físicas – mas somente com doses extremamente altas, em algumas espécies de roedores, e apenas quando o THC é administrado em períodos específicos durante a gravidez.10 Em função dos efeitos de drogas sobre o desenvolvimento fetal divergirem substancialmente entre as espécies,11 esses estudos têm pouca ou nenhuma relevância para os humanos. Estudos com primatas mostram pouca prova de dano fetal provocado pelo THC.12 Em um estudo, os pesquisadores expuseram chimpanzés a altas doses de THC por até 152 dias e não constataram alteração no comportamento sexual, na fertilidade ou na saúde de suas crias.13

Dúzias de estudos compararam bebês recém-nascidos de mulheres que usaram maconha durante a gravidez com bebês de mulheres que não usaram. Buscavam principalmente diferenças de peso e tamanho no nascimento, no perímetro craniano e na circunferência toráxica, de idade gestacional, de desenvolvimento neurológico e anomalias físicas. A maior parte desses estudos, inclusive o maior realizado até hoje com uma amostra de mais de 1.200 mulheres,14 não encontrou diferenças entre bebês expostos e não expostos à maconha antes de nascer.15 Dado o grande número de estudos e de medidas, algumas diferenças provavelmente ocorrerão por acaso. Na verdade, os pesquisadores encontraram diferenças em ambos os lados. Em alguns estudos, os bebês de usuárias de maconha parecem mais saudáveis e fortes.16 Em outros, pesquisadores encontraram resultados mais adversos em bebês de usuárias de maconha.17

Quando resultados adversos são encontrados, estes são inconsistentes entre um estudo e outro, sempre relativamente sem importância, e aparentemente sem impacto sobre a saúde ou a mortalidade infantil.18 Por exemplo, em um estudo recente, pesquisadores relataram um efeito estatisticamente significativo da maconha sobre a estatura dos bebês no nascimento. Os bebês expostos à maconha eram em média menos de dois décimos de polegada menores do que bebês não expostos à maconha.19 Outro estudo constatou um efeito negativo da maconha sobre o peso natal dos bebês, mas somente entre as mulheres brancas da amostra.20 Em um terceiro estudo, a exposição à maconha não teve efeito sobre o peso de nascimento, mas um pequeno efeito negativo sobre a idade gestacional.21 De modo geral, essa pesquisa não indica efeito adverso decorrente da exposição pré-natal à maconha na saúde física de recém-nascidos.

Pesquisadores examinaram também crianças maiores, para os efeitos da exposição pré-natal à maconha. Um estudo com crianças de um ano não encontrou diferenças entre bebês expostos e não expostos à maconha em relação à saúde, temperamento, personalidade e padrões de sono, hábitos alimentares, capacidade psicomotora, desenvolvimento físico ou funcionamento mental.22 Em dois estudos, um com crianças de três anos23 e o outro com de quatro anos,24 não houve efeito da exposição pré-natal à maconha nos resultados gerais dos testes de QI das crianças. Entretanto, no primeiro estudo, quando pesquisadores observaram crianças negras e brancas separadamente, encontraram, somente entre as crianças negras, resultados ligeiramente inferiores em duas subescalas do teste de QI. Em uma subescala, crianças expostas à maconha somente durante o primeiro trimestre foram as que tiveram índices mais baixos. Na outra subescala, crianças expostas durante o segundo trimestre tiveram índices mais baixos.25 Em nenhum caso a frequência ou a quantidade de maconha consumida pela mãe afetou os resultados. Isto faz com que seja muito pouco provável que tenham sido na realidade causados pela maconha. Não obstante, este estudo é hoje citado como prova de que o consumo de maconha durante a gravidez prejudica a capacidade intelectual de crianças.26

São igualmente amplamente citados dois estudos recentes de controle de caso descrevendo a relação entre consumo de maconha por mulheres grávidas e duas formas raras de câncer em seus filhos. Um estudo de controle de caso compara pessoas com uma doença específica (a amostra de caso) com pessoas sem a doença (a amostra de controle). Usando este método, pesquisadores identificam diferenças entre os grupos na origem, meio ambiente, estilo de vida, uso de drogas, dieta e coisas do gênero, que são as possíveis causas da doença.
Um estudo com crianças com leucemia não-linfoblástica reportou um risco dez vezes maior relacionado com o uso de maconha por suas mães durante a gravidez.27 Um segundo estudo reportou um risco três vezes maior de rabdomisarcoma.28 Esses cálculos basearam-se em relatos de mulheres que afirmaram ter usado maconha em algum momento durante a gravidez. No primeiro estudo, dez das 204 mães do grupo de casos (5 por cento) relataram uso de maconha, comparadas com uma das 204 mães do grupo de controle (0,5 por cento). No segundo estudo, 8 por cento das mães do grupo de casos relataram ter usado maconha, comparado com 4,3 por cento do grupo de controle.

Esses estudos não provam que o consumo de maconha por mulheres grávidas cause câncer em seus filhos. Eles reportam uma associação estatística baseada apenas em relatos pessoais de mulheres sobre uso de maconha. É provável que os dois grupos de mães tenham subrelatado o uso de maconha; em outros estudos, pesquisadores descobriram que o consumo de maconha por mulheres grávidas varia em geral de 10 a 30 por cento.29 Há motivos para suspeitar de um maior subrelato das mães do grupo de controle, que foram selecionadas ao acaso e questionadas sobre seu uso de maconha por telefone. Como as mães das crianças doentes estavam tentando ajudar os pesquisadores a identificar a causa da doença de seus filhos, tinham mais motivos para ser honestas sobre o uso ilegal da droga.

Como todos os estudos de controle de caso, esses dois estudos identificaram muitas diferenças entre mães do grupo de casos e mães do grupo de controle, que poderiam levar os cientistas a descobrir a causa dessas raras formas de câncer. Outros fatores associados com rabdomisarcoma infantil incluem status socioeconômico baixo, pais fumantes de cigarro, histórico familiar de alergias, exposição da criança a substâncias químicas ambientais, dietas infantis que incluem carnes de órgãos, consumo de antibiótico pela mãe durante a gravidez, mães acima de trinta anos à época do parto, gestação prolongada, e crianças que receberam menos vacinas.30 Sem pesquisa adicional, nenhum dos fatores estatisticamente associados ao câncer infantil pode ser identificado como causa de câncer infantil. Atualmente, não existe comprovação para relacionar maconha a câncer. De fato, em estudo recente, os pesquisadores encontraram índices significativamente baixos de câncer em ratos e camundongos, após dois anos de exposição a doses extremamente elevadas de THC.31

Desde 1978, o psicólogo Peter Fried e seus colegas coletaram dados longitudinais sobre exposição pré-natal à maconha como parte do Ottawa Prenatal Prospective Study (OPPS). Ao longo dos anos, esses pesquisadores administraram centenas de testes no mesmo grupo de crianças, verificando seu desenvolvimento físico, capacidade psicomotora, ajuste emocional e psicológico, funcionamento cognitivo, capacidade intelectual e comportamento.

Levando em conta todos os estudos do OPPS e todos os testes ministrados, os pesquisadores encontraram muito poucas diferenças entre crianças expostas e não-expostas à maconha. Com a idade de um ano, pesquisadores descobriram que crianças expostas à maconha obtinham um índice mais alto em um conjunto de testes cognitivos.32 Com três anos, filhos de usuárias que consumiam maconha com moderação (um a cinco baseados por semana durante a gravidez) obtinham índices mais altos em um teste de capacidade psicomotora.33 Com a idade de quatro anos, filhos de mulheres que fumaram muita maconha durante a gravidez (uma média de dezenove baseados por semana) atingiram níveis mais baixos em uma subescala de um teste cognitivo.34 Entretanto, com as idades de cinco e seis anos, essa diferença não estava mais presente.35 Quando as crianças completaram seis anos, os pesquisadores adicionaram diversas medidas novas de “comportamento atencional”. Os filhos de usuárias que consumiram muita maconha obtiveram índices baixos em um teste de “vigilância” feito em computador.36 Onze outros testes psicológicos e cognitivos administrados em crianças de seis a nove anos não demonstraram diferenças estatisticamente significativas entre filhos de usuárias e de não-usuárias de maconha. Os pais concordaram em que crianças expostas à maconha tinham mais “problemas de comportamento”, mas essa diferença desapareceu depois que os pesquisadores controlaram variáveis conflitantes.37

Apesar das amplas semelhanças entre filhos de usuárias e de não-usuárias de maconha, os pesquisadores do OPPS destacaram consistentemente em seus relatórios publicados a ocasional constatação negativa. Fried acredita que essas descobertas subestimam os danos da exposição pré-natal à maconha. Ele sugere que “medidas mais sensíveis” são necessárias por que:

“Os instrumentos que fornecem a descrição geral das capacidades cognitivas podem não ser capazes de identificar nuances no neurocomportamento que possam discriminar crianças expostas das não expostas à maconha. Testes que examinam características específicas capazes de ressaltar o desempenho cognitivo podem ser mais apropriados e satisfatórios.”38

Recentemente, Fried predisse que um novo teste de “função executiva” revelaria deficiências relacionadas com a maconha em pré-adolescentes.39 Logo depois, Fried anunciou que análises preliminares de seus dados mostravam a presença desse efeito.40 Quase imediatamente, sua declaração apareceu nos relatórios do governo dos Estados Unidos como prova do dano da maconha ao feto.41 Relatórios adicionais de danos baseados na amostra da OPPS, que atualmente incluem menos do que trinta crianças expostas à maconha, podem estar para ser lançados – apesar do fato de, segundo Fried, as consequências da exposição pré-natal à droga tipicamente diminuírem na medida em que as crianças crescem.42

Depois de controlar as variáveis conflitantes conhecidas, Fried estima que a exposição pré-natal à droga representa 8 por cento ou menos da variância na classificação das crianças em testes desenvolvimentais e cognitivos – e essa estimativa serve para o álcool, o tabaco e a maconha combinados.43 Essencialmente em todos os estudos, a maconha contribui menos que o álcool ou o tabaco.44 Ademais, as descobertas diferem de um estudo para outro, e não demonstram relação consistente de dano fetal, tanto em relação ao tempo quanto ao grau de exposição à maconha. Enquanto seja sensato advertir as mulheres que se abstenham de todas as drogas durante a gravidez, a consistência das atuais provas científicas não sugerem que a maconha prejudique diretamente o feto humano.

MITO 14

O uso de maconha enfraquece o sistema imunológico. Usuários de maconha estão sujeitos a um risco maior de infecção, inclusive pelo HIV. Pacientes com AIDS são particularmente vulneráveis aos efeitos imunopáticos da maconha porque seu sistema imunológicos já não funciona mais.

“A maconha prejudica o sistema imunológico e aumenta a suscetibilidade a doenças sexualmente transmissíveis, tais como o herpes genital e a AIDS.”1

“Pesquisas têm demonstrado que o THC na maconha tem um efeito danoso sobre os glóbulos brancos... O consumo de maconha pode aumentar a suscetibilidade de uma pessoa a resfriados.”2

“Em função de a maconha enfraquecer o sistema imunológico, usuários de maconha são vulneráveis a todos os tipos de infecção. Um sistema imunológico enfraquecido tem grande dificuldade em combater doenças como a bronquite e a aspergilose.”3

“A imunidade celular é prejudicada [pela maconha]... e a capacidade prejudicada de combater infecções está agora documentada em humanos.”4

“Fumar  maconha compromete o sistema imunológico e coloca os pacientes de AIDS em risco significativo de contrair infecções e problemas respiratórios.”5

FATO 14

Não existe prova de que usuários de maconha sejam mais suscetívies a infecções do que não-usuários. Nem existe prova de que a maconha baixe a resistência de usuários a doenças sexualmente transmissíveis. Estudos antigos que revelavam uma diminuição da função imunológica em células retiradas de usuários de maconha foram refutados. Animais que receberam doses extremamente altas de THC e foram expostos a vírus têm índices mais altos de infecção. Esses estudos têm pouca relevância para humanos. Mesmo entre pessoas que sofrem de desordens imunológicas, como a AIDS, parece que o uso de maconha é relativamente seguro. Entretanto, a recente descoberta de uma associação entre fumar tabaco e infecção pulmonar em pacientes com AIDS justifica novas pesquisas sobre possíveis danos causado pelo ato de fumar maconha em pessoas com supressão imunológica.

14 
Maconha e o sistema imunológico

O sistema imunológico humano é um conjunto complexo de estruturas, células e mecanismos que protege o corpo contra materiais e organismos estranhos. Muitos pesquisadores buscaram encontrar evidências de deficiência imunológica associada à maconha em humanos, animais e culturas de células. Um dos primeiros foi Gabriel Nahas, opositor de longa data do consumo de maconha, que acreditava que essa “erva enganosa” transformara “uma zona antes conhecida como ‘o crescente fértil’... em estagnada e pobre”.6 Por volta de 1970, em resposta ao aumento do consumo de maconha pela juventude americana, Nahas ficou “determinado a examinar a possibilidade de danos físicos, ou mesmo celulares” causado pela maconha.7

O primeiro estudo de Nahas empregou um teste-padrão da função imunológica, usando linfócitos humanos (células-T) extraídos do sangue de usuários e não-usuários de maconha. Depois de expor as células-T a ativadores imunológicos conhecidos, Nahas mediu o índice de transformação.8 Ele predisse que usuários de maconha apresentariam respostas imunológicas aumentadas, provando que o corpo humano trabalhava diligentemente para eliminar a presença da maconha. Quando em vez disso a pesquisa revelou uma resposta imunológica diminuída em células de usuários de maconha, Nahas argumentou que a maconha era perigosa porque enfraquecia o sistema imunológico e tornava os usuários de maconha suscetíveis a doenças infecciosas.9

Empregando o mesmo método de Nahas, outros cientistas consistentemente não encontraram diferenças na transformação de células-T de usuários e não-usuários de maconha.10 Mesmo Nahas não foi capaz de replicar sua descoberta preliminar usando células retiradas de usuários que fumavam muita maconha e que foram expostos depois a mais maconha, em seu laboratório.11 Usando outros testes de imunidade mediada por célula, pesquisadores também não encontraram diferenças consistentes nas respostas imunológicas de células retiradas de usuários e de não-usuários de maconha.12

Quando linfócitos extraídos são expostos ao THC ou fumaça de maconha em placas de Petri, apresentam tipicamente uma resposta diminuída em relação a substâncias imuno-ativadoras.13 Em altas doses, muitas drogas (inclusive Valium, Librium, cafeína, aspirina e álcool) também diminuem a transformação do linfócito em experimentos de laboratório.14 Esses experimentos não provam que quando humanos consomem essas substâncias seu sistema imunológico deixa de funcionar. Qualquer efeito de uma droga depende da dose, e todos os efeitos das drogas dependem de uma cadeia de reações celulares que não pode ser duplicada em placas de Petri, nos laboratórios. Em suma, conhecer o efeito direto da maconha sobre células-T isoladas não revela nada sobre seu impacto no funcionamento do sistema imunológico em organismos vivos.

Em animais, pesquisadores conseguem produzir prova de dano imunológico, administrando doses muito altas de THC.15 Por exemplo, pesquisadores podem aumentar os índices de infecção em porquinhos-da-guiné e camundongos fêmeas tratando previamente os animais com THC e aplicando o vírus da herpes diretamente na vagina. Para chegar a esses resultados, pesquisadores tiveram de administrar doses de THC que são de 4016 a 1.00017 vezes maior que a dose psicoativa em humanos. Apesar de esses estudos serem frequentemente citados como prova de que a maconha provoca danos imunológicos, eles não têm relevância para humanos. Usando os testes de reação da pele que os médicos empregam comumente para verificar a competência imunológica em seus pacientes, pesquisadores não descobriram diferenças entre usuários de muita maconha e não-usuários.18

Em uma conferência de 1981 sobre maconha, patrocinada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Fundação de Pesquisa de Dependências do Canadá, revisores da literatura sobre pesquisas imunológicas relataram que “não existe prova conclusiva de que a cannabis predisponha o homem à disfunção imunológica”.19 Alguns anos depois, ao aprovar o THC oral (Marinol) para uso medicinal, a FDA não encontrou prova convincente de que o THC causava disfunção imunológica. O Physician’s Desk Reference sequer menciona a supressão da imunidade entre as advertências dos possíveis efeitos adversos do Marinol.20 Em 1992, a FDA aprovou o Marinol como estimulante de apetite especificamente para pacientes com AIDS que sofrem de séria supressão imunológica.21cto da fumaça da maconha em macrófagos alveolares - células que ajudam a limpar matéria particulada e microorganismos dos pulmões. Depois de expor macrófagos de humanos à fumaça de maconha em culturas em laboratório, pesquisadores constataram alterações na estrutura e na função macrofágica.22 Outros pesquisadores encontraram anormalidades macrofágicas em macacos que haviam sido forçados a inalar fumaça de maconha.23 Anormalidades macrofágicas também foram encontradas em pessoas que fumavam muita maconha há muito tempo.24 Mesmo nesse grupo, os efeitos são muito menos pronunciados do que os normalmente encontrados em tabagistas.25 Como o efeito de fumar sobre os macrófagos depende da dose, é possível que o uso moderado de maconha não produza qualquer disfunção ou dano clínico real.

Em estudos recentes com pessoas HIV positivas, pesquisadores descobriram que os tabagistas apresentam mais infecções pulmonares do que os não-fumantes.26 Um estudo encontrou maior número de infecções pulmonares entre pessoas HIV positivas que alegaram consumir maconha, cocaína ou crack. Todos os pacientes na amostra usavam drogas injetáveis. A maioria consumia todas as três drogas ilícitas e a grande maioria também fumava cigarros.27 Este estudo não revelou disfunção imunológica especificamente relacionada com a maconha. Em vários outros estudos, pesquisadores não encontraram relação entre o uso de maconha e o aparecimento ou a intensidade dos sintomas da AIDS.28

Como muitos pacientes de AIDS fuma maconha hoje em dia para diminuir a náusea, aumentar o apetite e ganhar peso (ver Capítulo 2), é recomenda-se  novas pesquisas sobre possíveis infecções relacionadas ao fumo em pessoas com deficiência imunológica. Entretanto, não existe atualmente fundamento para as graves advertências de dano imunológico, comumente feitas por ativistas antimaconha como parte de sua  oposição ao uso de cannabis para fins medicinais.29

Pacientes de AIDS que usam maconha enfrentam realmente um risco maior de contrair aspergilose. Esta doença pulmonar causada por esporos de fungos que às vezes contaminam a maconha armazenada impropriamente,30 só foi reportada em fumantes com desordens de imunossupressão.31 A filtragem cuidadosa de esporos de aspergilo e de outros contaminantes tornaria a maconha mais segura para pacientes de AIDS, quer para uso medicinal quer recreacional.

MITO 15

A maconha é mais prejudicial aos pulmões do que o cigarro. Fumantes de maconha correm um alto risco de desenvolver câncer de pulmão, bronquite e enfisema.

“Os efeitos de um baseado de maconha nos pulmões são equivalentes a quatro cigarros [de tabaco], expondo o usuário a um risco maior de bronquite, enfisema e asma brônquica.”1

“Benzopirena, uma conhecida substância cancerígena produzida no processo de combustão do fumo, é 70 por cento mais abundante na fumaça da maconha do que na fumaça do cigarro.”2

“Os efeitos danosos reportados... causados pela exposição prolongada à fumaça da maconha, incluem sintomas semelhantes aos da enfisema, [e] do câncer de pulmão.”3

“Um simples baseado contém aproximadamente a mesma quantidade de alcatrão e outras substâncias nocivas que quatorze a dezesseis cigarros com filtro.”4

FATO 15

O fumo moderado da maconha parece apresentar um perigo mínimo aos pulmões. Da mesma forma que a fumaça do tabaco, a fumaça da maconha contém diversos irritantes e cancerígenos. No entanto, os usuários de maconha em geral fumam com frequência muito menor do que os tabagistas e, com o tempo, inalam muito menos fumaça. Consequentemente, o risco de danos sérios aos pulmões deveria ser menor em fumantes de maconha. Não houve relatos de câncer pulmonar relacionado unicamente à maconha. Entretanto, em função de os pesquisadores terem encontrado alterações pré-cancerosas em células retiradas de pulmões de pessoas que fumam muita maconha, a possibilidade de câncer de pulmão causado pela maconha não pode ser excluída. Diferentemente de pessoas que fumam muito tabaco, pessoas que fumam muita maconha não exibem obstrução nas aerovias pequenas dos pulmões. Isso indica que as pessoas não desenvolverão enfisema pulmonar por fumar maconha.

15 
Fumar maconha e os pulmões

Fumar tabaco causa diversas doenças pulmonares, inclusive bronquite crônica, enfisema e câncer.5 Exceto por seus ingredientes ativos – nicotina e canabinoides – a fumaça do tabaco e da fumaça da maconha são similares.6 Em geral, fumantes de maconha inalam mais profundamente e retêm a fumaça nos pulmões por mais tempo do que usuários de tabaco. Em consequência disso, fumantes de maconha depositam materiais mais perigosos nos pulmões a cada vez que fumam.7 Ainda assim, o que importa é o volume total de material tóxico inalado com o tempo – e não a quantidade inalada por cigarro. Mesmo as pessoas que fumam muita maconha nunca atingem os níveis de consumo de fumaça das pessoas que fumam muito tabaco.

Pesquisas realizadas ao longo dos últimos trinta anos indicam que a probabilidade de os fumantes de maconha desenvolverem doenças pulmonares graves é muito menor do que nos tabagistas . Usuários que fumam muita maconha ou muito tabaco apresentam mais sintomas respiratórios adversos do que os não-fumantes. Esses sintomas incluem tosse crônica, catarro, dificuldade de respiração e episódios de bronquite. Entretanto, pessoas que fumam somente maconha reportam menos desses sintomas do que usuários de tabaco.8 Em uma recente revisão dos registros do Kaiser Permanent Medical Care Program, pesquisadores descobriram que pessoas que fumavam maconha diariamente, e que não fumavam tabaco, estavam apenas um pouco mais propensas do que os não-fumantes a consultas ambulatoriais por causa de doenças respiratórias. Durante um período de seis anos, 36 por cento de fumantes diários de maconha procuraram tratamento para resfriados, gripes e bronquite. O índice entre não-fumantes era ligeiramente mais baixo, 33 por cento.9

Depois de anos de estudo, pesquisadores da UCLA afirmaram que “fumantes de maconha provavelmente não desenvolverão enfisema”.10 Desde 1983, esses pesquisadores, liderados por Donald Tashkin, vêm examinando a função pulmonar nos mesmos grupos de fumantes de tabaco, fumantes de maconha, fumantes das duas substâncias e não-fumantes. Todos na amostra que usavam somente maconha, fumavam muito. Na investigação mais recente, tinham fumado uma média de três a quatro cigarros de maconha por dia durante cerca de quinze anos.

A cada avaliação, os pesquisadores procuraram encontrar obstruções das pequenas vias aéreas através da medição do volume de ar que as pessoas conseguem expelir de seus pulmões em um segundo. Com o tempo, a maior parte dos tabagistas apresentou uma obstrução crescente nas pequenas vias aéreas dos pulmões. Já os que fumavam muita maconha nãoapresentaram isso. Em um relatório de 1997 com as últimas descobertas, os pesquisadores concluíram que “em contraste com o índice anual acelerado de declínio da função pulmonar que ocorre em fumantes regulares de tabaco, de idades comparáveis... achados do presente estudo não sustentam nem mesmo uma associação entre o consumo intenso e regular de maconha e o desenvolvimento de doença pulmonar obstrutiva crônica”. Nesse documento, Tashkin et al. também reportam que não havia efeito cumulativo na obstrução das vias aéreas em fumantes de tabaco e de cannabis. De fato, fumantes das duas substâncias tinham menos obstrução, porque provavelmente fumavam menos cigarros de tabaco do que fumantes exclusivos de tabaco.11 Um estudo recente feito na Austrália com 268 fumantes de maconha sustenta a constatação da UCLA. Depois de fumar cannabis diária ou semanalmente durante uma média de dezenove anos, usuários de cannabis tinham uma prevalência menor de enfisema e asma do que a população geral.12

Não existem dados epidemiológicos ou dados clínicos agregados que apresentem índices mais elevados de câncer de pulmão em pessoas que fumam maconha. O THC não parece ser cancerígeno. Em placas de Petri, nos laboratórios, o THC não causa alterações celulares da espécie associada com o câncer.13 Entretanto, a fumaça da maconha – como a fumaça do tabaco – causa.14 Na década de 1970, alguns químicos reportaram que, comparado ao tabaco, a maconha tinha índices mais elevados de uma substância química causadora de câncer, o benzopireno.15 Entretanto, outros químicos encontraram mais benzopireno no tabaco.16 Provavelmente nenhuma forma de fumaça é inerentemente mais segura ou mais perigosa que a outra.

Para todas as doenças relacionadas ao fumo, o que mais interessa é a dose de fumaça inalada ao longo do tempo.17 Pesquisadores da UCLA encontraram alterações pré-cancerosas em células bronquiais retiradas de pessoas que fumavam muita maconha há muito tempo.18 Outros pesquisadores encontraram uma patologia celular maior em pessoas que fumam maconha e tabaco do que em pessoas que fumam somente uma dessas drogas.19 Em um estudo recente com pacientes que tinham câncer de pulmão, todos os 13 pacientes com menos de 45 anos tinham fumado maconha em algum período de suas vidas. Entretanto, 12 dos 13 também fumavam tabaco.20 É possível que pessoas que fumam maconha e tabaco em grande quantidade corram um risco maior de desenvolver câncer de pulmão. Uma comparação de controle de caso de prevalência de maconha entre pacientes com câncer de pulmão – planejada atualmente por pesquisadores da UCLA – deverá produzir uma avaliação mais completa do risco de câncer para fumantes de maconha.

A maioria dos que fumam apenas maconha nos Estados Unidos provavelmente não inala fumaça bastante para causar sérios danos aos pulmões. A maior parte das pessoas que fuma maconha fuma muito menos do que os fumantes de maconha estudados na UCLA. Por exemplo, em 1994, entre adultos que disseram ter fumado maconha no ano anterior, cerca da metade disse que não tinha fumado no mês anterior. Entre os que fumaram no mês anterior, 55 por cento disse que consumira em até quatro ocasiões. Apenas 0,8 por cento dos americanos declararam usar maconha diária ou quase diariamente.21

Usuários que frequentemente fumam muita maconha podem reduzir o risco pulmonar fumando maconha de maior potência, o que pode produzir os efeitos psicoativos desejados queimando menos fumo. Entretanto, como debatemos no Capítulo 19, é necessário um aumento substancial da potência para produzir uma psicoatividade maior. Especula-se que inalar fumaça de maconha usando um cachimbo d’água reduz a liberação de alcatrão e de matérias particuladas. Entretanto, um estudos recente constatou que isso não é verdade.22 Colocar filtros em cigarros de maconha pode reduzir a liberação do alcatrão, mas não está claro o quanto isto pode reduzir o risco pulmonar. Em particular, aconselha-se a pessoas que fumam muito a não inalar a maconha profundamente e prender o fôlego. Esses rituais aumentam o depósito de material perigoso nos pulmões, mas de quebra aumentam os efeitos psicoativos, se é que aumentam.23

MITO 16

O THC, ingrediente ativo da maconha, fica retido na gordura do corpo. Em função de o THC desprender-se das células de gordura vagarosamente, os efeitos psicoativos podem durar dias ou semanas. A longa permanência do THC no corpo danifica os órgãos que contêm alto teor de gordura, especialmente o cérebro.

“As moléculas de THC são muito ativas e não atravessam com facilidade as membranas gordurosas da parede celular e seu núcleo, desorganizando o processo químico de divisão da célula.”1

“Os canabinoides se acumulam nas células gordurosas, e o cérebro  de um quilo e meio tem um terço de gordura... Portanto, no cérebro do fumante crônico de maconha, milhões de... axônios estão continuamente rodeados de THC.”2

“Os canabinoides, que são solúveis somente na gordura, ficam armazenados nos tecidos corporais... Qualquer pessoa que use maconha mais de uma vez por semana... não pode ser considerada livre de drogas.”3

“Até as pessoas que fumam maconha somente uma vez por mês estão continuamente expondo seu cérebro, pulmões, fígado e outros tecidos vitais aos efeitos venenosos do THC.”4

FATO 16

Muitas drogas ativas penetram as células gordurosas do corpo. O que é diferente (mas não exclusivo) no THC é que ele sai das células de gordura vagarosamente. O resultado disso é que resíduos de maconha podem ser encontrados no corpo durante dias ou semanas após seu consumo. Contudo, dentro de poucas horas após o consumo de maconha, a quantidade de THC no cérebro cai abaixo da concentração exigida para uma psicoatividade detectável. As células gordurosas às quais o THC adere não são danificadas pela presença da droga, nem tampouco o cérebro ou outros órgãos. A consequência mais importante da lenta excreção da maconha é que ela pode ser detectada no sangue, na urina e nos tecidos muito depois de ter sido usada, e muito depois de sua psicoatividade ter cessado.

16
Permanência da maconha no corpo

O corpo processa o THC da mesma forma que processa outras drogas psicoativas. Depois que o THC entra na corrente sanguínea – mais comumente pelos pulmões no ato de fumar –, uma pequena proporção (cerca de 1 por cento da dose) é levada ao cérebro, onde adere a um conjunto específico de receptores.5 Se a quantidade de droga no cérebro exceder a dose limiar, ocorrem os efeitos psicoativos. Os efeitos psicoativos máximos são tipicamente atingidos dentro de quinze a trinta minutos após o início da ação de fumar.

Enquanto o THC está sendo levado pela corrente sanguínea ao cérebro, ele também está sendo distribuído para todas as outras partes do corpo. Na medida em que esse processo de distribuição avança, as concentrações de THC no sangue diminuem, reduzindo a quantidade de droga disponível para aderir aos receptores do cérebro. Dentro de duas a quatro horas, os níveis de THC no cérebro tipicamente caem abaixo do necessário para a psicoatividade.6 Como demonstrado na figura 16-1, quando as concentrações de sangue ficam abaixo de uma gama de dois a vinte e cinco nanogramas por mililitro (ng/ml), os efeitos psicoativos geralmente terminam.7

Muitas drogas, inclusive o THC, são lipídio-solúveis. Isto permite que entrem facilmente nas células do corpo, dissolvendo-se nas membranas da célula que também se caracterizam por ser altamente lipídicas (gordurosas). As drogas saem bastante rapidamente da maioria das células – seja em sua forma natural ou, devido à biotransformação dentro da célula, como metabólitos solúveis em água. Depois de entrar novamente na corrente sanguínea, as drogas podem ainda ser biotransformadas, particularmente na medida em que passam pelo fígado. Finalmente, toda a droga e seus metabólitos são excretados do corpo pelo suor, fezes e urina.8


FIGURA 16-1
EPISÓDIO ÚNICO DE FUMAR MACONHA
DESAPARECIMENTO TÍPICO DO EFEITO

(CONCENTRAÇÃO DE THC NO SANGUE ng/ml)
(CONCENTRAÇÃO MÍNIMA PARA EFEITO)


1hr  2hr  3hr  4hr  5hr  6hr
24hr


O THC entra e sai da maior parte das células do corpo aproximadamente na mesma taxa que outras drogas psicoativas. Entretanto, certas características do THC – em particular, sua alta solubilidade em lipídios - retarda sua saída das células gordurosas.9 O THC não busca preferencialmente tecidos gordurosos. Como outras drogas consumidas por humanos – por exemplo, Valium, Pentotal e Torazina —, o THC se desprende das células gordurosas lentamente.10 Como pouca ou nenhuma biotransformação ocorre nas células gordurosas, algum THC ativo entra novamente na corrente sanguínea. Entretanto, a quantidade expelida pelas células gordurosas é pequena demais para ser psicoativa. De fato, nenhum dos efeitos da maconha dura mais que algumas horas. Alguns pesquisadores reportaram efeitos sutis da maconha que permaneceram até vinte e quatro horas.11 Entretanto, em dezenas de outros estudos de medição da capacidade psicomotora e do desempenho intelectual, pesquisadores constataram que todos os efeitos da maconha desaparecem dentro de poucas horas após ela ser fumada.12


FIGURA 16-2
EPISÓDIOS MÚLTIPLOS DO ATO DE FUMAR MACONHA
DESAPARECIMENTO TÍPICO DOS EFEITOS

(CONCENTRAÇÃO DE THC NO SANGUE - ng/ml)
(CONCENTRAÇÃO MÍNIMA PARA EFEITO)

2h  6h  12h  20h  22h  
2ª        3ª       4ª      5ª       6ª  
dose  dose  dose  dose  dose


Mesmo para usuários frequentes de maconha, as quantidades de THC no sangue caem abaixo do nível psicoativo poucas horas depois de ela ser fumada. A Figura 16-2 mostra as concentrações sanguíneas quando se fuma diversas vezes em um período de 36 horas. Um pouco do THC de cada uso anterior se mistura no sangue com o THC do usomais recente. Entretanto, a quantidade liberada das células gordurosas é pequena demais para uma contribuição significativa. Em consequência disso, tanto em fumantes ocasionais de maconha quanto em fumantes frequentes, os efeitos psicoativos duram somente algumas horas. Se as pessoas fumassem maconha com mais frequência do que a demonstrada na Figura 16-2 (por exemplo, uma vez a cada hora), os níveis de THC no sangue e no cérebro seriam mais altos. Entretanto, a pequena quantidade de THC ingerida anteriormente, que é liberada constantemente na corrente sanguínea pelas células gordurosas, não contribui de forma significativa para o nível de intoxicação.13

O THC permanece no tecido gorduroso muito depois de se ter fumado maconha.14 Entretanto, não existem receptores de THC nas células gordurosas e a presença da droga em tecido gorduroso aparentemente não apresenta consequências. Apesar da alegação que frequentemente se faz, o cérebro não é um órgão particularmente gorduroso,15 e o THC não se acumula nele.16 Pequenas quantidades de THC se acumulam em alguns outros órgãos, mas não há prova de que altere a função das células ou cause danos estruturais.17

O THC é finalmente biotransformado em metabolitos inativos. Entretanto, como o THC se move muito lentamente do tecido gorduroso para locais de biotransformação, pode levar dias ou semanas antes que a droga e seus metabolitos sejam completamente excretados. Em consequência disso, os programas de testes de droga no local de trabalho e em outros lugares identificam usuários de maconha muito depois de a droga ter sido consumida e muito depois de seus efeitos psicoativos terem cessado.18

MITO 17

O uso de maconha é a causa principal de acidentes rodoviários. Da mesma forma que o álcool, a maconha prejudica a função psicomotora e reduz a capacidade de direção. Se o consumo de maconha aumenta, é inevitável o aumento de mortes no trânsito.

“O consumo de maconha reduz as funções do controle motor, distorce as percepções e prejudica o discernimento, acarretando, entre outras coisas, um aumento de acidentes automobilísticos.” 1

“Estudos recentes revelam que o consumo de maconha é um fator significativo de mortes em estradas.”2

“Existe um consenso científico de que a maconha – nas doses ‘sociais’ usadas normalmente – prejudica seriamente a capacidade de direção, tanto enquanto sob efeito da droga quanto possivelmente horas após a intoxicação subjetiva ter cessado.”3

“A maconha – como o álcool – prejudica seriamente a capacidade de direção; em alguns aspectos, a maconha é ainda mais prejudicial do que o álcool.”4

FATO 17

Não existe evidência clara de que a maconha contribui de forma substancial para acidentes e mortes no trânsito. Dependendo da dose, a maconha afeta a percepção e o desempenho psicomotor – alterações que poderiam prejudicar a capacidade de dirigir. Entretanto, em estudos de direção de veículos, a maconha acarreta pouca ou nenhuma redução da capacidade de dirigir – muito menos do que a produzida por doses baixas a moderadas de álcool e vários medicamentos legais. Em comparação ao álcool, que tende a aumentar a direção arriscada, a maconha tende a tornar os motoristas mais cautelosos. Levantamento de dados sobre acidentes fatais revelam que, quando o THC é detectado no sangue, o álcool em geral também é detectado. Para alguns, a maconha pode contribuir para a uma má direção. O índice total de acidentes em estradas parece não ser afetado de modo significativo pelo amplo uso de maconha na sociedade.

17
Maconha e dirigir veículos

A contribuição do álcool para os acidentes e mortes nas estradas é incontroversa. Levantamentos epidemiológicas constataram consistentemente que metade ou mais dos motoristas envolvidos em acidentes fatais havia consumido álcool antes de dirigir, em um nível de intoxicação tipicamente definido como concentração de 0,1 por cento de álcool no sangue (BAC, na sigla em inglês).5 Pesquisadores revelaram que o álcool prejudica o desempenho em estudos com simuladores de direção. Revelaram também prejuízos relacionados ao álcool em estudos de direção real, geralmente conduzidos em ruas sem trânsito.

O aumento do consumo de maconha na década de 1960 gerou uma preocupação sobre seu possível impacto na segurança das estradas.6 Desde então, diversos estudos avaliaram os efeitos da maconha na direção, usando as mesmas técnicas usadas para avaliar os efeitos do álcool e de medicamentos legais. Nenhum dos estudos sugeriu que a maconha contribui substancialmente para acidentes ou mortes em estradas. Na verdade, eles sugeriram o oposto. Pesquisadores que conduziram um recente estudo para o Departamento de Transportes declararam que:

“Entre as diversas drogas psicoativas lícitas e ilícitas disponíveis e usadas pouco antes de dirigir, a maconha pode muito bem estar entre as menos nocivas.”7

Em estudos de simulação de direção, pesquisadores descobriram que a maconha afeta algumas medidas de desempenho, particularmente as que envolvem percepção visual e divisão da atenção,8 mas a redução geral da capacidade por causa da maconha é menos severa do que ado álcool, que produz BACs bem abaixo do limite legal (nos EUA) de 0,1 por cento.9 Estudos de direção real revelaram que pequenas doses de maconha causam pouco ou nenhum prejuízo, e mesmo altas doses de maconha causam menos prejuízo do que baixas doses de álcool.10 Estudos constataram ainda que as pessoas tendem a dirigir com mais cautela depois de fumar maconha. Arriscam-se menos, dirigem mais devagar e mantêm uma distância maior dos outros veículos.11

O estudo de direção mais recente relacionado com a maconha foi conduzido pelo Instituto de Farmacologia Humana da Holanda. Os pesquisadores deram aos sujeitos três doses diferentes – 100, 200 e 300 microgramas (mcg) de THC por quilograma (kg) de peso corporal. Em seguida, avaliaram o desempenho dos sujeitos na direção em estradas. Primeiro, eles dirigiram numa rua fechada ao tráfego, e depois numa estrada com outros veículos. Em ambos os casos, a maconha teve efeito insignificante em quase todas as medições. A maconha tornou realmente mais difícil para o motorista manter uma posição lateral constante em sua faixa, especialmente com doses mais altas. Entretanto, mesmo com uma dose de 300 mcg/kg, o efeito da maconha foi relativamente pequeno – semelhante ao observado em motoristas que usam medicamentos legais. Depois da dose de 100 mcg/kg, os sujeitos foram avaliados em um terceiro teste, conduzida em tráfego urbano pesado. Os pesquisadores compararam a influência da maconha na direção com a influência de baixos níveis de álcool (0,04 por cento BAC). O álcool produziu reduções significativas na capacidade de direção, e a maconha não produziu nenhuma.12

Críticos desse estudo holandês defendem que a ausência de um prejuízo significativo foi resultante de dosagem insuficiente.13 Entretanto, há muitas razões para acreditar que os pesquisadores usaram doses apropriadas. Com a dose mais baixa (100 mcg/kg), os sujeitos reportaram efeitos psicoativos, e os pesquisadores encontraram alterações esperadas nas medidas psicológicas e fisiológicas. Em outros estudos, pesquisadores encontraram redução da capacidade com doses tão baixas quanto 50 mcg/kg.14 A dose mais alta usada no estudo de direção holandês (300 mcg/kg) é mais alta do que a usada na maioria dos estudos em laboratório,15 e mais alta do que a tipicamente consumida por pessoas que usam maconha de forma recreacional.16 Uma crítica mais razoável deste e de todos os estudos de direção em estradas é que eles raramente exigem que os motoristas respondam a tipos de emergências que podem ocorrer em situações de direção real na vida real.

A prova mais convincente do efeito mínimo da maconha sobre a capacidade de direção vem dos levantamentos epidemiológicos de motoristas envolvidos em acidentes fatais em estradas. Estudos nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália encontraram de 3 a 11 por cento de THC no sangue de motoristas feridos fatalmente. Entretanto, na maioria desses casos (70 a 90 por cento), o álcool também foi encontrado.17Para avaliar a contribuição específica da maconha em acidentes, alguns pesquisadores classificaram a “culpabilidade” de motoristas, cujos testes foram positivos apenas no caso da maconha. Um estudo constatou uma culpabilidade maior em motoristas cujo teste de maconha foi positivo do que naqueles que não usaram drogas, mas baseou-se em uma amostra muito pequena, de 17 motoristas.18Três outros estudos descobriram não só que motoristas com testes positivos de maconha se sentiam menos culpados do que motoristas com testes positivos de álcool, mas que se sentiam menos culpados do que motoristas que não usaram drogas.19 Isto é, menos motoristas no grupo dos que testaram positivo para maconha do que no grupo sem maconha se julgaram culpados pelo acidente. O autor de um desses estudos sugere que “ou a cannabis... de fato aumenta a capacidade de dirigir ou... motoristas que usam cannabis sobrecompensam qualquer perda na capacidade de direção.”20

É duvidoso que a maconha melhore a capacidade de dirigir. Em estudos em laboratório, a maconha prejudica o desempenho dos sujeitos em algumas tarefas psicomotoras, apesar de não prejudicar tão severamente quanto o álcool.21 O que também torna o álcool mais perigoso nas estradas é sua tendência de estimular um comportamento arriscado. Em estudos de direção real e de direção simulada, pesquisadores têm encontrado consistentemente que o álcool torna as pessoas menos cautelosas, enquanto a maconha as torna mais cautelosas.22Ademais, sob influência da maconha, os motoristas tendem a ficar mais atentos a uma possível debilitação, e procuram compensá-la conscientemente.23 

Apesar da aparente habilidade que muitos usuários de maconha têm de compensar a capacidade de direção reduzida, em alguns indivíduos a maconha pode aumentar o risco de acidentes. Com doses muito altas, as pessoas podem ser incapazes de compensar o prejuízo psicomotor causado pela maconha. Usuários inexperientes de maconha e motoristas inexperientes, em particular, podem não conseguir dirigir com segurança, mesmo com pequenas doses de maconha. Mais ainda, indivíduos que assumem riscos podem não ter vontade de exercer cautela, dirigindo ou não sob influência da maconha. Um estudo recente revelou que motoqueiros acidentados apresentavam maior probabilidade de ter usado maconha pouco antes de dirigir do que motoristas de carro.24 Outro estudo constatou que entre pessoas detidas pela polícia por dirigir de forma imprudente – na maioria, rapazes – um terço apresentou resultado positivo para maconha em testes de urina realizados no acostamento.25 Essas constatações podem decorrer de uma maior prevalência do uso de maconha entre pessoas predispostas a um comportamento desviante e imprudente.26 Entretanto, também é provável que a maconha contribua para uma má direção em alguns indivíduos.

Atualmente, não há medição confiável de intoxicação por maconha comparável ao teste de bafômetro para o álcool.27 Entretanto, com base em teste de sobriedade falho realizado no acostamento, a polícia pode exigir que os motoristas submetam amostras de sangue para análise. Se forem encontradas drogas ilegais, a polícia pode detê-los por “dirigir sob influência.” Com esse sistema, os motoristas com capacidade de direção reduzida pela maconha podem estar sujeitos às mesmas penas que motoristas alcoolizados.28

MITO 18

As emergências hospitalares decorrentes do consumo de maconha estão aumentando, especialmente entre os jovens. Essa é uma prova de que a maconha é muito mais prejudicial do que a maioria acreditava.

“A maconha... não é benigna, não é inofensiva. É uma droga muito perigosa que pode levá-lo a lutar pela própria vida em uma sala de emergência de hospital.”1

“Jovens usuários de maconha... correm um risco maior de necessitar de um dispendioso atendimento de emergência, o que nos custa muito dinheiro. Em 1993, um número duas vezes maior de adolescentes foi parar em uma sala de emergência de hospital por uso de maconha do que por heroína e cocaína somadas.”2

“O fato de... anualmente quase... 8.000 pessoas precisarem de atendimento de emergência em hospitais por causa do uso de maconha basta para comprovar a periculosidade da droga.”3

FATO 18

A maconha não causa morte por overdose. O número de pessoas nas emergências de hospitais que declara ter usado maconha aumentou. Com base nisso, a internação pode ser registrada como relacionada à maconha, mesmo que ela não tenha nada a ver com a condição médica que precipitou a ida ao hospital. Muito mais adolescentes usam maconha do que drogas como a heroína e a cocaína. O resultado disso é que quando adolescentes dão entrada nas salas de emergência de hospitais, relatam a maconha com muito mais frequência do que a heroína ou a cocaína. Na grande maioria dos casos, quando a maconha é mencionada, outras drogas também são. Em 1994, menos de 2 por cento das entradas nas emergências de hospitais relacionadas com drogas envolveu apenas o consumo de maconha.

18
Emergências hospitalares relacionadas à maconha

Dados recolhidos pela Drug Abuse Warning Network (DAWN) apresentam um aumento recente do número de pessoas que “mencionam” a maconha nas emergências dos hospitais. Quando um paciente menciona a maconha, isso não significa que a maconha causou a ida ao hospital. Para todas as entradas em hospital relacionadas com drogas – o que a DAWN denomina de “episódio de abuso de drogas”– a equipe do hospital lista até cinco drogas que o paciente declara ter usado recentemente. Isto inclui drogas ilícitas, prescritas e medicamentos comprados sem prescição médica. A equipe do setor de emergência também registra se o paciente consumiu álcool recentemente.

A frequência com a qual qualquer droga é mencionada na emergência dos hospitais depende da frequência de seu uso, independentemente de seus perigos inerentes. Quando uma droga se torna mais popular, mais pessoas a mencionam quando dão entrada na emergência dos hospitais. Quando a droga se torna menos popular, ela é mencionada com menos frequência. Desde 1988, o número de menções à drogas aumentou cerca de 40 por cento, atingindo o índice jamais alcançado de cerca de um milhão, em 1995.4 Provavelmente, grande parte desse aumento se deve ao aperfeiçoamento dos procedimentos dos relatórios instituídos nesse período.5

A maconha é mencionada com menos frequência pelos pacientes do que a maioria das outras drogas ilícitas, apesar de a maconha ser a droga ilícita usada com mais frequência na sociedade americana. Só o LSD e o PCP – drogas usadas por poucos americanos – são citadas com menos frequência que a maconha. Em 1995, para todas as faixas etárias combinadas, a maconha representava cerca de 5 por cento de todas as menções a drogas, comparadas com cerca de 15 por cento para a cocaína e 8 por cento para a heroína. Juntos, três medicamentos comprados sem prescrição médica – aspirina, acetaminofeno e ibuprofeno – foram mencionados com mais frequência do que a maconha. Esses analgésicos representaram cerca de 8 por cento do total de menções a remédios, enquanto a maconha representou 5 por cento.

Adolescentes nas emergências de hospitais sempre mencionaram a maconha com mais frequência do que heroína e cocaína. Isto não decorre de a maconha causar maiores danos do que a heroína ou a cocaína, mas do fato de muito poucos adolescentes usarem heroína ou cocaína. Em um levantamento de dados de 1995 da população geral, 14 por cento dos jovens de 12 a 17 anos disseram que tinham usado maconha alguma vez no ano anterior. Menos de 2 por cento disseram que tinham usado cocaína, e menos de 1 por cento disseram que tinham usado heroína.6 Nesse mesmo ano, a maconha representou 9 por cento das menções a drogas feitas por jovens de 12 a 17 anos nas emergências de hospitais; a cocaína representou 2 por cento e a heroína 0,5 por cento. Em outras palavras, a maconha é a única das três drogas mencionada com menos frequência nas emergências de hospitais do que seu uso pela população.

Quando o consumo de maconha pelos jovens começou a crescer na década de 1990, o número de adolescentes que mencionava a maconha nas emergências de hospitais também cresceu. Em 1995, jovens de 12 a 17 anos mencionaram maconha 8.230 vezes – mais de três vezes o número de jovens que mencionaram a maconha em 1988. Durante esse período, os adolescentes mencionaram analgésicos comprados sem prescrição médica com muito mais frequência do que mencionaram a maconha. Por exemplo, em 1993, 47 por cento dos adolescentes mencionaram analgésicos comprados sem prescrição médica, em comparação a cerca de 8 por cento que mencionaram maconha.7

Pacientes nas emergências não só mencionam a maconha com menos frequência do que a maioria das outras drogas, como raramente mencionam a maconha isoladamente. Em 1994, para todas as faixas etárias combinadas, cerca de 80 por cento das vezes que a maconha foi mencionada, uma ou mais drogas adicionais foram citadas. Das 40.000 menções à maconha, o álcool foi mencionado 19.000 vezes e a cocaína, 14.000. Dentre mais de 500 mil episódios de abuso de drogas em 1994, um pouco mais de 8.000 – aproximadamente 1,6 por cento – envolviam apenas maconha.

A larga margem de segurança da maconha é ilustrada também por dados sobre mortes relacionadas com drogas. Em 1993, com base nos registros médicos, a DAWN reportou 8.426 mortes relacionadas a drogas. Em 587 desses casos (7 por cento), o clínico que examinou encontrou sinais recentes de consumo de maconha na vítima. Entretanto, em todos esses casos, outras drogas também foram encontradas.8 A maconha não causou nenhuma morte por overdose. Em função de a maconha não alterar profundamente as funções cardiovasculares e respiratórias, nenhuma dose de maconha é fatal para humanos.

MITO 19

A maconha é mais potente hoje do que no passado. Adultos que usaram maconha nas décadas de 1960 e 1970 não conseguem entender que, quando os jovens de hoje usam maconha, estão usando uma droga muito mais perigosa.

“Bebês nascidos na década de 1960, com recordações carinhosas de...  tragadas em cachimbos d’água em volta de uma luminária psicodélica podem não ficar especialmente alarmados... com o fato de a erva estar voltando. Mas a cultura da cannabis... ficou consideravelmente mais perigosa... desde que os hippies deixaram o bairro de Haight-Ashbury (São Francisco, Califórnia)... [A maconha de hoje é] 20 vezes mais potente.”1

“A maconha é quarenta vezes mais potente hoje em dia... do que há 10, 15, 20 anos.”2

“Para aumentar a potência da  maconha [os plantadores utilizam]... práticas agrônomas avançadas, como hidropônicos, clonagem, fertilizantes especiais, hormônios de plantas, esteróides e monóxido de carbono.”3

“Uma maior potência [significa]... que pequenas quantidades de maconha agora produzem um nível significativamente mais alto de intoxicação.”4

“Se as pessoas que... confessam ter usado maconha no fim da década de 1960... fumassem um cigarro com a  maconha hoje, cairiam para trás.”5

FATO 19

Quando a juventude de hoje usa maconha, está usando a mesma droga usada pelos jovens nas décadas de 1960 e 1970. Um pequeno número de amostras com baixo teor de THC confiscadas pela Drug Enforcement Administration no início da década de 1970 é usado para calcular um aumento dramático de potência. Entretanto, essas amostras não são representativas da maconha geralmente disponível aos usuários daquela época. Dados sobre potência desde o princípio da década de 1980 até o presente são mais confiáveis e não apresentam um aumento na média de THC contida na maconha. Mesmo que a potência da maconha aumentasse, não tornaria necessariamente a droga mais perigosa. A maconha cuja potência varia substancialmente produz efeitos psicoativos semelhantes.

19
A potência da maconha

Advertências sobre uma “nova maconha altamente potente” remontam aos meados da década de 1970.6 Nos últimos anos, as advertências tornaram-se mais urgentes na medida em que os críticos da maconha tentam convencer adultos de meia-idade, muitos dos quais fumaram maconha na juventude, que a maconha de hoje é muito mais perigosa. Estimativas do alegado aumento de potência tipicamente variam de 5 a 25 vezes e, ocasionalmente, atingem até 607 ou 100 vezes.8

Por mais de vinte anos, o Projeto de Monitoração da Potência (PMP) da Universidade do Mississipi tem medido a porcentagem de THC (o principal ingrediente psicoativo da maconha) em amostras de maconha submetidas pelas agências de repressão às drogas.9 Desde 1980, as médias de potência têm oscilado de cerca de 2 a 3,5 por cento, sem qualquer tendência ascendente ou descendente consistente (ver Tabela 19-1). As médias do PMP na década de 1970 eram substancialmente inferiores, muitas vezes abaixo de 1 por cento, com o índice mais baixo de 0,18 por cento em 1972. Essas primeiras médias do PMP quase certamente subrepresentaram grosseiramente o conteúdo de THC na maconha disponível na década de 1970.

A maconha com menos de 0,5 por cento de potência não produz essencialmente qualquer psicoatividade.10 Em estudos de laboratório, muitos sujeitos não conseguem distinguir a maconha com menos de 1 por cento de THC de um placebo.11 Pessoas que fumaram maconha nas décadas de 1960 e 1970 relatam ter às vezes comprado maconha que não produzia nenhum efeito.12  Mas para a maconha ter se tornado popular, a maioria das pessoas deve ter obtido maconha com um conteúdo maior de THC do que o mostrado nos primeiros relatórios do PMP.


TABELA 19-1

CONTEÚDO MÉDIO DE THC NA MACONHA CONFISCADA PELA POLÍCIA 1980-1995

Conteúdo de THC (%)       Conteúdo de THC (%)
(Média Aritmética) (Ajustada por Peso) Número de Confiscos

1980
2.06
1.96
153
1981
2.28
2.11
260
1982
3.05
3.34
487
1983
3.23
3.44
1229
1984
3.29
3.96
1119
1985
2.82
2.63
1613
1986
2.30
2.24
1554
1987
2.93
2.23
1699
1988
3.29
3.84
1822
1989
3.06
2.66
1272
1990
3.36
3.82
1263
1991
3.00
3.78
2506
1992
3.10
1.96
3540
1993
3.33
3.33
3354
1994
3.35
0.61
3275








Fonte: Quarterly Report, Potency Monitoring Project, Report #60, University of Mississippi: Research Institute of Pharmaceutical Sciences.

Análises independentes de maconha na década de 1970 encontraram consistentemente níveis mais elevados de THC do que os relatados pelo PMP.13 O PharmChem Laboratories analisou 127 amostras de maconha em 1973 – quatro vezes o número analisado pelo PMP. A potência média dessas amostras do PharmChem foi de 1,62 por cento. Muitas amostras continham mais de 4 por cento e a amostra com mais potente tinha 9,5 por cento14 Em 1975, algumas das 138 amostras do PharmChem não continham nenhum THC, mas a maior parte tinha entre 2 a 5 por cento. A amostra mais alta do PharmChem em 1975 era de 14 por cento – cerca de vinte vezes a média de 0,71 por cento reportada pelo PMP naquele ano.15

As amostras de maconha analisadas por laboratórios independentes na década de 1970 não foram exatamente representativas da maconha fumada  em todo o país, assim como não eram as amostras do PMP. As amostras do PMP do princípio da década de 1970 eram quase inteiramente de “tijolos de quilo” mexicanos, sempre a forma de maconha de menor potência naquele período.16 As primeiras amostras do PMP não incluíam produtos de alta potência, como brotos e sinsemilla, apesar dessas formas de maconha estarem disponíveis no mercado de varejo.17 O armazenamento impróprio de amostras, que sabidamente causa a degradação do THC,18 pode também ter contribuído para a constatação do PMP de uma maconha com potência extremamente baixa no início da década de 1970.19

No princípio da década de 1980, uma maior variedade de amostras de maconha foi enviada para o PMP. Isto porque as agências de repressão intensificaram seus esforços para prender pessoas que plantavam maconha em casa e interceptar contrabandistas que traziam maconha da Colômbia e do Caribe para os Estados Unidos.20 A maconha doméstica e a maconha trazida da Colômbia e do Caribe estavam disponíveis nos Estados Unidos antes de os agentes da lei decidirem atacá-las.21 De fato, o alvo da polícia eram os novos sistemas de distribuição da droga, porque já haviam se tornado fornecedores importantes.22 As amostras de maconha analisadas pelo PMP no início da década de 1980 – com potência variando de 2 a 3 por cento – são provavelmente um melhor reflexo da maconha disponível na década de 1970 do que as amostras analisadas pelo programa durante a década de 1970.

O número de amostras analisadas pelo PMP aumentou dramaticamente na década de 1980, com uma média anual de mais de 1.000, comparadas a menos de 200 por ano na década de 1970. O aperfeiçoamentos das práticas de armazenagem e mudanças nos métodos de medição também podem ter aumentado a quantidade de THC encontrada nas amostras do PMP confiscadas depois de 1980.23 Por todas essas razões, a comparação de médias de potência ao longo das duas décadas é inerentemente enganosa. As tendências depois de 1980 são provavelmente mais confiáveis. Mas nunca os confiscos feitos pela polícia refletem necessariamente a maconha disponível no país.

Apesar de a potência média das amostras do PMP não ter aumentado durante os últimos 15 anos, maconha no ponto mais alto do continuum de potência pode estar de algum modo mais disponível hoje do que antes. Alguns usuários regulares de maconha declaram ter acesso a produtos caros e de alta potência, produzidos a partir de sementes selecionadas e sob luz artificial por pequenos plantadores. Amostras de maconha com potência muito elevada são ocasionalmente enviadas para o PMP.24 Entretanto, o número de amostras de alta potência é sempre muito pequeno para produzir impacto sobre as médias anuais de potência. O que as médias do PMP refletem – de fato, o que foram designadas para refletir – é a potência da maconha de “grau comercial”, a maconha que predomina no mercado de varejo e é usada pela maioria dos usuários.

A maconha mais potente não é necessariamente mais perigosa. Não existe possibilidade de overdose fatal decorrente de fumar maconha, independentemente do conteúdo de THC. E em razão do próprio THC não causar danos fisiológicos a órgãos e tecidos, a maconha de alta potência não representa um perigo maior à saúde do que a maconha de potência mais baixa. De fato, como o principal risco fisiológico da maconha é o dano aos pulmões por causa da queima (ver Capítulo 15), a maconha de alta potência pode ser um pouco menos prejudicial, porque permite que as pessoas atinjam os efeitos psicoativos desejados fumando menos.25 Estudos indicam que os fumantes em geral não ajustam seu uso quando a maconha varia apenas ligeiramente em potência.26 Entretanto, quando a variação é mais substancial – mais de 100 por cento – tendem a fumar menos maconha de alta potência.27

A maconha duas ou três vezes mais potente não produz efeitos com intensidade dupla ou tripla. Em estudos de laboratório, fumantes frequentemente classificam com o mesmo índice de “efeitos subjetivos” amostras de maconha que variam até 100 por cento em potência.28 Mesmo quando os sujeitos classificam a maconha de potência mais elevada com índices psicoativos mais elevados, estes não aumentam na mesma proporção que o aumento do conteúdo de THC. Por exemplo, em um estudo, um aumento de 200 por cento na potência resultou num aumento de 35 por cento nos índices subjetivos dos efeitos da maconha.29 Em outro estudo, um aumento de 300 por cento na potência resultou num aumento de 40 por cento nos índices subjetivos.30 Esses estudos sugerem que a tolerância ao THC se desenvolve durante um único episódio de uso – provavelmente em consequência da da regulação para baixo dos receptores, um processo que foi demonstrado em experimentos com animais..31

Como os mercados ilegais de drogas não têm controle de qualidade, os usuários de maconha sempre compram produtos de potência desconhecida. A potência pode variar consideravelmente de uma compra para outra. Não obstante, em relação ao volume de maconha no mercado varejista, as diferenças de potência podem ser pequenas demais para serem relevantes. Os usuários podem ocasionalmente obter maconha de potência inusualmente alta e, em consequência disso, experimentar efeitos psicoativos mais intensos do que estão acostumados. Entretanto, reações psicoativas adversas não parecem estar relacionadas com a potência da maconha. O que os usuários de maconha denominam de bad trip foi reportado com maconha cujo conteúdo de THC variava de bastante baixo (0,7 por cento) a bastante alto (7,5 por cento).32

Muitos fumantes experientes de maconha acreditam que agora a maconha é muito mais potente do que a maconha que fumavam quando eram mais jovens. Isto não surpreende. Cérebros mais velhos são em geral menos resilientes às drogas do que cérebros mais novos. Por exemplo, a tolerância ao álcool e cafeína diminui com a idade. O resultado disso é que a mesma dose de ambas as substâncias produz efeitos mais intensos em adultos do que em jovens.33 Usuários de maconha provavelmente desenvolvem um aumento similar na sensibilidade – o que às vezes se denomina “tolerância reversa” – aos efeitos da maconha. Em uma pesquisa com estudantes do ensino médio, não houve essencialmente alteração, de 1975 até hoje, na classificação feita por eles da intensidade ou duração do “efeito” que atingem com a maconha.34 Pessoas que usam há muito tempo acreditam que a maconha atualmente é mais potente porque, para elas, a maconha tornou-se mais potente.

Não existe razão para acreditar que hoje a maconha seja mais forte ou mais perigosa do que a fumada nas décadas de 1960 e 1970. Uma indústria artesanal emergiu para fornecer aos plantadores de maconha informações sobre botânica e equipamento para cultivo caseiro.35Não obstante, nenhuma técnica de cultivo mostrou ter aumentado consistentemente a potência da maconha. Primordialmente, essas técnicas aumentam a produção, tornando possível aos cultivadores maximizar a quantidade de maconha cultivada em um espaço pequeno.

MITO 20

O uso de maconha pode ser evitado. Programas de prevenção e de educação sobre drogas reduziram o consumo de maconha durante a década de 1980. Desde então, nosso compromisso arrefeceu, e o uso de maconha vem aumentando. Expandindo e intensificando as mensagens antimaconha existentes, podemos interromper a experimentação pelos jovens.

“A falta de uma iniciativa planejada para desencorajar o uso... permitiu que a maconha voltasse à moda.”1

“Temos o compromisso de tornar os Estados Unidos uma sociedade livre de drogas. Vamos conseguir isso, custe o que custar.”2

“A resposta a recentes aumentos no uso de drogas por adolescentes são iniciativas renovadas de prevenção que têm, em seu âmago, uma mensagem de não-uso.”3

“Temos de arregaçar as mangas e nos dedicar a educar todos os americanos sobre os perigos do uso de maconha.”4

“Se fizéssemos duas ou três vezes o que estamos fazendo agora através da mídia... acabaríamos com o problema da [maconha] em três anos. Isso é previsível.”5

“Sabemos que uma América livre de drogas está ao nosso alcance... Aprendemos a reduzir a demanda com êxito.”6

FATO 20

Não existem evidências de que mensagens antidrogas reduzem o interesse dos jovens por drogas. Campanhas antidrogas nas escolas e na mídia podem até tornar as drogas mais atraentes. O consumo de maconha entre os jovens declinou na década de 1980, e começou a aumentar na década de 1990. Esse aumento ocorreu apesar da exposição dos jovens às campanhas antimaconha mais intensas da história americana. Em diversos outros países, programas de educação sobre drogas se baseiam em um modelo “de redução de danos”, que procura reduzir os danos relacionados ao uso de drogas entre os jovens que as experimentam.

20
Prevenção ao uso de maconha

Os adolescentes de hoje foram bombardeados com mensagens antimaconha. Nasceram no início da década de 1980, justamente quando o Presidente Ronald Reagan estava concentrado no combate à maconha,7 e Nancy Reagan introduzia o seu bordão “Apenas diga não” na cultura americana.8 Os adolescentes de hoje tiveram mais educação sobre drogas do que qualquer coorte de jovens na história dos Estados Unidos. Cerca da metade recebeu o programa DARE (Educação para Resistência ao Abuso de Drogas), que envia policiais uniformizados às escolas para dar aulas antidrogas.9 Cerca de todo o restante recebeu outros tipos de educação sobre drogas, às vezes ainda no jardim de infância.10 Durante anos os adolescentes de hoje viram uma média de um anúncio por dia da Parceria para uma América Livre de Drogas (Partnership for a Drug-Free America).11 Viram mensagens antidrogas em sacolas de supermercados, histórias em quadrinhos, vídeos caseiros, jogos americanos em restaurantes, papéis de bala, adesivos de parachoques, marcadores de livros, pôsteres, outdoors e anúncios em laterais de ônibus.12 Foram advertidos repetidas vezes sobre os perigos da maconha e aprenderam que seu consumo é socialmente inaceitável.
Apesar desses ataques maciços com mensagens antidrogas, o número de adolescentes que experimentam maconha começou a aumentar em 1992, e tem aumentado desde então (ver Figura 20-1). Atualmente, como sempre, os índices são mais altos entre os adolescentes mais velhos do que os mais novos. Segundo pesquisa nacional entre estudantes do ensino médio, em 1996, 45 por cento dos estudantes da 12ª série já haviam experimentado maconha, comparados a 40 por cento de estudantes da 10ª série e 23 por cento de estudantes da 8ª série.13

FIGURA 20-1
EXPERIMENTARAM MACONHA UMA VEZ OU MAIS NA VIDA
ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO, 8ª,10ª e 12ª SÉRIES (1975-1996)

12ª série – 10ª série – 8ª série


80-70-60-50-40-30-20-10-0
‘75 ‘76 ‘77 ‘78 ‘79 ‘80 ‘81 ‘82 ‘83 ‘84 ‘85 ‘86 ‘87 ‘88 ‘89 ‘90 ‘91 ‘92 ‘93 ‘94 ‘95 ‘96

Baseado em dados do National Survey Results on Drug Use from the Monitoring the Future Study, National Institute on Drug Abuse. Dados de estudantes da 8ª e da 10ª séries antes de 1991 são relatos retrospectivos de estudantes da última série do ensino médio. Índices de prevalência para estudantes da 8ª série antes de 1991 foram reajustados para compensar subrelatos de uso entre estudantes da 8ª série do ensino médio.

Felizmente, a maioria dos jovens usuários de maconha é de experimentadores. Em 1996, cerca da metade de todos os estudantes que haviam experimentado maconha não a haviam usado no mês anterior à pesquisa.14 Dos estudantes da 8ª série que haviam experimentado maconha, quase a metade a usara apenas uma vez ou duas.15 A maioria dos jovens que experimentam maconha é normal e ajustada. Em estudo recente, foi constatado que experimentadores de maconha têm menos problemas sociais e psicológicos do que seus pares não-usuários de maconha.16

Nos últimos anos, na medida em que aumentava o consumo de maconha entre adolescentes, aumentou também o número de relatos de uso diário de maconha (definido como consumo de 20 ou mais vezes em um mês). Entretanto, o uso diário de maconha ainda é incomum e, frequentemente, temporário. Cerca de 12 por cento de estudantes do último ano do ensino médio reportaram um período de uso diário de maconha em algum momento de suas vidas, mas aproximadamente dois terços desse grupo não usava mais maconha com essa frequência na época da pesquisa. Em 1995, menos de 1 por cento de estudantes da 8ª série reportaram o uso diário de maconha.17 Esses jovens que usavam muita maconha muitas vezes também usavam outras drogas em grande quantidade e, tipicamente, possuíam vários problemas de ajuste social e psicológico que remontam à infância.18

Funcionários do governo responderam ao aumento do consumo de maconha por jovens, exigindo esforços redobrados de prevenção. A Secretária de Serviços de Saúde e Humanos (HHS na sigla em inglês), Donna Shalala, defende de modo pouco convicente que “a ressurgência do uso de maconha está acontecendo apesar do sucesso geral das iniciativas contra o abuso de substâncias, e não como resultado de sua falência”.19 O plano de Shalala para “deter essa nova tendência na origem” é dizer repetidamente para os jovens americanos que a “maconha é ilegal, é perigosa, não é saudável e é daninha.”20 O diretor do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (NIDA na sigla em inglês), Alan Leshner, diz: “Devemos agir de forma decisiva para remediar essas atitudes recidivas”.21 O czar da droga, Barry McCaffrey, reivindica que “mensagens antidrogas têm demonstrado capacidade de influenciar comportamentos... [mas elas] devem ser repetidas com a frequência adequada”.22 Ele prediz que o investimento de 3 milhões de dólares em anúncios antidrogas veiculados em shows populares para crianças na televisão “certamente reverterá o abuso de drogas entre os jovens”.23

A crença dos funcionários do governo no poder das mensagens – de qualquer origem – para influenciar decisões sobre consumo de drogas entre jovens não tem respaldo na literatura científica. Campanhas da mídia nunca demonstraram uma redução no consumo de drogas ilegais entre adultos ou adolescentes.24 Os anúncios antidrogas de hoje, comparados com os das décadas anteriores, são tecnicamente excelentes e inteligentes. Algumas das imagens da Partnership for a Drug-Free America – como o ovo frito e a frase “Este é seu cérebro com drogas” – são lembradas por praticamente todos os que as veem.25 Anúncios da Partnership já demonstraram que fortalecem comportamentos antidrogas entre crianças pequenas e adultos não-usuários de drogas. Entretanto, aparentemente não surtem efeito em relação às atitudes ou para o uso de drogas entre adolescentes.26 

Campanhas antidrogas maciças podem até ser contraproducentes. A primeira consequência de advertências públicas sobre cheirar cola na década de 1960 parece ter sido a introdução a cheirar cola para jovens que, de outro modo, poderiam nunca ter ouvido falar disso.27 Os anúncios antidrogas atuais – usando as mesmas técnicas publicitárias para tornar produtos de consumo mais atrativos e desejáveis – podem aumentar o interesse de alguns adolescentes em relação às drogas. A ressurgência da “glorificação” da maconha na cultura popular – no cinema, na música e na moda hip hop – apoia esse ponto de vista.28 Campanhas antimaconha precederam aumentos do consumo de maconha nas décadas de 1930 e 1960, e podem ter contribuído para tal.29 Mais do que prevenir o uso de maconha, mensagens que exageram os perigos da maconha podem na realidade provocar revolta entre os jovens.

Dilemas semelhantes cercam os programas escolares antidrogas. Nos últimos 30 anos, foram tentadas diversas abordagens diferentes para a educação sobre drogas. Poucas foram cuidadosamente avaliadas. Quando pesquisas foram realizadas, não ficou demonstrado qualquer efeito da educação sobre o consumo de drogas por estudantes, ou um pequeno efeito de curta duração.30

A forma mais popular de educação sobre drogas atualmente é o “treinamento de capacidade de recusa”, que ensina aos estudantes as técnicas verbais para resistir à pressão dos amigos para experimentar álcool, fumo e drogas ilícitas.31 Segundo as diretrizes do Departamento de Educação dos Estados Unidos, os programas de educação para recusa nunca devem revelar que a pesquisa sobre os efeitos da droga está inconclusiva, ou que a opinião pública sobre a moralidade do uso de drogas esteja dividida. As diretrizes dizem que termos como uso “casual”, “recreativo” e “responsável” de drogas não deveriam ser usados, porque “tendem a alimentar a crença de que algumas drogas, especialmente a maconha, não são particularmente danosas se usadas com moderação”. Em função de “ser essencial que não haja confusão”, as diretrizes propõem que a mensagem de tolerância zero “seja clara, consistente e comunicada de modo positivo... em cada série da sequência que vai do jardim de infância à 12ª série”.32

Estudos demonstram que os programas de tolerância zero de treinamento da capacidade de recusar não são mais efetivos do que os programas de educação sobre drogas de décadas anteriores. Um grupo de pesquisadores, que projetou e avaliou o Midwestern Prevention Project, reportou redução do consumo de maconha até três anos depois de os estudantes terem recebido o programa.33 Todavia, a maioria dos estudos não constatou qualquer redução no consumo de maconha ou uma ligeira redução que desaparece logo depois do término do programa.34 Diversos estudos recentes reportam que o DARE – atualmente o programa mais popular de educação sobre drogas dos Estados Unidos – não tem efeito sobre as atitudes dos adolescentes em relação às drogas nem no seu comportamento de usuário.35

Pesquisadores da Califórnia verificaram que a maioria dos estudantes estava insatisfeita com seus programas de educação sobre drogas e não confiava na informação apresentada por seus instrutores – sentimentos que aumentam em intensidade na medida em que os estudantes ficam mais velhos.36 Na 8ª série, a maioria da juventude americana tem obviamente rejeitado a mensagem de não uso; cerca da metade já experimentou álcool, quase o mesmo número já fumou cigarros e cerca de 20 por cento já usou maconha ou inalantes.37 A maior parte das escolas, como parte da política de tolerância zero, impõe sanções, inclusive uma possível expulsão, para usuários de drogas detectados.38 Os estudantes ficam, portanto, naturalmente relutantes em discutir suas próprias experiências nas aulas de educação sobre drogas.39 De fato, como o propósito explícito da educação sobre drogas é prevenir a experimentação, o assunto do uso da droga é praticamente proibido. As diretrizes do Departamento de Educação advertem os professores a manter todas as “experiências pessoais com drogas” fora da sala de aula, para evitar a “criação de conflito e incerteza no estudante não-usuário”.40 As aulas de educação sobre drogas não fornecem informações sobre os riscos relativos das diversas drogas, doses, diferentes meios de administração ou padrões de uso. Na prática, os programas de educação sobre drogas nas escolas americanas não educam.

Em uma recente revisão, o Tribunal de Contas dos Estados Unidos criticou o Departamento de Educação e o HHS por “limitar desnecessariamente a busca de programas efetivos de prevenção ao abuso de drogas, ao considerar somente os que têm uma abordagem de não-uso... apesar da falta de provas que demonstrem a superioridade dessa abordagem em relação às outras”.41 Diversos pesquisadores, psicólogos e analistas da política antidrogas também criticaram as abordagens atuais de tolerância zero como ineficazes e contraproducentes.42 A abordagem alternativa que ofereceram foi endossada pelo NIDA na década de 197043 e incorporada em alguns dos primeiros materiais de educação sobre drogas do Instituto.44 Essa abordagem alternativa afirma que a moralização das drogas é ineficaz; que exagerar os perigos da droga é contraproducente; que esperar que os estudantes sejam totalmente abstinentes é irreal; e que o objetivo apropriado da educação sobre drogas é mais reduzir o abuso de drogas do que seu consumo. Apesar do amplo apoio dos educadores,45 o NIDA abandonou essa abordagem no princípio da década de 1980, sob pressão do Presidente Ronald Reagan,46 do Secretário de Educação William Bennett47 e de organizações antidrogas.48 Desde então, as ideias de tolerância zero têm dominado as iniciativas de prevenção ao uso de drogas financiadas pelo governo federal.

Outros países, como a Inglaterra, a Austrália e a Holanda se dirigiram no sentido de uma educação sobre drogas baseada nas estratégias de “redução de danos”.49 Os proponentes da redução de danos não incentivam ou condenam o uso de drogas, mas assumem que a maioria dos adolescentes eventualmente experimentarão substâncias psicoativas. Nas aulas de educação sobre saúde, os jovens são alertados em relação aos riscos do uso de drogas. Entretanto, a maioria dos programas de redução de danos é dirigida aos adolescentes que já começaram a experimentar drogas. Por exemplo, na Inglaterra, uma organização denominada Lifeline50 produz cartões postais, cartazes e panfletos com conselhos explícitos sobre modos mais seguros de usar drogas, e distribui esses materiais entre os jovens por meio de organizações comunitárias, cinemas e lojas de discos. Os redutores  de danos visitam boates populares, para insistir junto aos usuários de Ecstasy e outras drogas estimulantes que consumam bastante água para evitar desidratação. Em algumas boates, os dançarinos podem apresentar amostras de drogas a funcionários do governo para análise química realizada no local, para detectar misturas e contaminação.51 Na Holanda, os funcionários do governo distribuem panfletos nos “coffee shops” que vendem maconha, para prevenir usuários – especialmente visitantes estrangeiros – sobre os possíveis efeitos adversos de comer biscoitos ou brownies feitos com  maconha.52

As ideias de redução de danos não são estranhas aos americanos. Por exemplo, campanhas que incentivam que um membro do grupo se mantenha sóbrio e recomendam não “deixar amigos dirigirem bêbados” representam tentativas de diminuir os danos do consumo de álcool sem necessariamente reduzir o número de usuários de álcool.53 Muitos pais se oferecem incondicionalmente para buscar os filhos adolescentes sempre que estejam na iminência de receber uma carona de um motorista alcoolizado. Alguns pais também dão a seus filhos conselhos de redução de danos em relação à maconha e outras drogas.54 Quase todos os pais esperam que os filhos adolescentes não usem maconha; muitos compreendem que experimentar é comum, e que não leva inevitável – nem mesmo usualmente – a um consumo regular.55

Conclusão:
ciência, políticas e normas

Em 1972, após revisar as provas científicas, a Comissão Shafer nomeada pelo Presidente Nixon, declarou ser de “opinião unânime que o consumo de maconha não é um problema tão grave que justifique que aqueles que fumam maconha e a portaem para esse fim estejam sujeitos à ação criminal”. Entre 1969 e 1977, comissões nomeadas pelos governos do Canadá, Inglaterra, Austrália e Holanda emitiram relatórios que concordavam com as conclusões da Comissão Shafer. Todas constataram que os perigos da maconha tinham sido enormemente exagerados. Todas insistiam para que os legisladores reduzissem as penas por posse de maconha ou as eliminassem inteiramente.

A Comissão Shafer

A Comissão Shafer foi nomeada em resposta ao aumento do consumo de maconha por jovens de classe média, que começou na década de 1960. Em 1970, a maconha se tornara a principal droga recreacional. A pesquisa nacional da comissão constatou que 40 por cento dos americanos entre 18 e 25 anos haviam fumado maconha. Trinta por cento dos estudantes do primeiro e do último ano do ensino médio e 17 por cento dos calouros e estudantes do segundo ano da faculdade tinham experimentado maconha ao menos uma vez.9

A Comissão Shafer concluiu que, devido ao uso amplamente difundido da maconha, os agentes da lei não tinham poder para interrompê-lo. O consumo de maconha aumentara apesar das severas penas contra a venda, posse e uso. Detenções por posse de maconha vinham aumentando progressiva e drasticamente. Em 1965, 18.000 pessoas foram presas por posse de maconha. Em 1970, o número atingiu 180.000. A maioria desses presos era formada por usuários de maconha que portavam pequenas quantidades para uso pessoal. Dois terços possuíam menos de uma onça (28,35 g) e 40 por cento possuíam menos de 5 g – o equivalente a até cinco baseados.10

A Comissão Shafer declarou que a prisão e o processo contra jovens usuários de maconha prejudicava-os de forma irreversível – interrompendo sua educação, fazendo com que ganhassem uma ficha criminal permanente e reduzindo suas futuras chances de emprego. A maioria das pessoas detidas por posse de maconha em 1970 nunca havia sido detida antes. Quarenta e cinco por cento estavam empregados e 27 por cento eram estudantes em tempo integral. A comissão concluiu “que a lei criminal é uma ferramenta por demais severa para ser aplicada para a posse pessoal, mesmo no esforço para desestimular o uso”. Um “método melhor”, dizia, seria “persuasão em vez de ação penal”.

De outro modo também, a Comissão Shafer concluiu que as leis contra a maconha nos Estados Unidos eram mais prejudiciais aos usuários e à sociedade do que o seu consumo. Seus membros acreditavam que a aplicação das leis contra a maconha desperdiçava recursos da justiça criminal e incentivava táticas policiais que ficavam “no limite constitucional”. Preocupavam-se que o “desrespeito que as leis e sua aplicação geram entre os jovens” pudessem incentivar “o desrespeito por todo o sistema legal em geral”. A comissão defendia que as leis criminais exigiam “um consenso inquestionável contra determinado comportamento” – a desaprovação quase unânime do tipo existente para crimes como homicídio, furto, maus-tratos contra crianças e incesto. Não existia o mesmo consenso para a maconha. A comissão conduziu uma pesquisa entre a população em geral e pesquisas separadas entre policiais, investigadores, promotores e juízes. Essas pesquisas revelaram que uma minoria substancial de americanos apoiava a suspensão de qualquer controle legal sobre a maconha. Uma clara maioria acreditava que os usuários de maconha não deveriam ser presos e processados.11 Somente 13 por cento dos juízes acreditavam que pessoas com posse de maconha mereciam ser presas.12

Com base nessa avaliação dos danos da maconha e dos danos da política da maconha, a Comissão Shafer concluiu que o sistema existente de proibição da maconha não servia aos melhores interesses da sociedade. Insistiu junto ao Congresso e as legislaturas estaduais para que a maconha fosse descriminalizada. Dizia que, pelo menos por enquanto, o cultivo e a distribuição em larga escala de maconha deveriam permanecer ilegais. Todavia, recomendava que a “posse de maconha para uso pessoal” e a “distribuição casual de pequenas quantidades de maconha” não deveriam mais ser considerados delitos.

O movimento de reforma da lei da maconha

Durante parte da década de 1970, parecia que a descriminalização da maconha seria amplamente implementada nos Estados Unidos. As recomendações da Comissão Shafer foram endossadas por várias organizações profissionais famosas. Entre elas, a American Bar Association, American Medical Association, National Conference of Commissioners on Uniform State Laws, National Advisory Commission on Criminal Justice Standards and Goals, American Public Health Association, National Council of Churches, National Education Association13 e a New York Academy of Medicine.14

Por todo o país, funcionários do governo, advogados, chefes de polícia, promotores, juízes, médicos, editores de jornais e outras figuras públicas repetiam os argumentos da Comissão Shafer apoiando a descriminalização da maconha.

O Presidente Jimmy Carter declarou: “As penalidades contra uma droga não deveriam ser mais perigosas para um indivíduo do que o consumo da droga em si; e onde são, deveriam ser alteradas. Em nenhum ponto isso fica mais claro do que nas leis contra a posse de maconha. Portanto, defendo uma legislação que altere a lei federal para eliminar todas as penas federais pela posse de até uma onça (28,35g) de maconha.”15

O Senador Philip Hart, cujo filho adolescente tinha ficado vinte dias na cadeia pela posse de menos de um baseado de maconha, disse: “Essa é toda a prova que eu precisava para me convencer de que a política de condenação da maconha é uma operação desastrada, completamente sem sentido.”16

Um legislador do Mississipi advertiu os pais: “Estamos colocando nossos filhos na cadeia e arruinando suas vidas; seus filhos e os filhos de seus vizinhos enfrentam um sério risco.”17

Em 1975, o diretor do Instituto Nacional de Abuso de Drogas (NIDA), Robert DuPont, declarou: “A característica comum mais marcante da maconha é [a] baixa toxicidade... O uso de maconha deve ser desencorajado”, mas “queremos nos afastar de usar a cadeia ou a ameaça de prisão pela simples posse de maconha.”18

O Comissário de Segurança Pública do Alaska declarou: “Nenhum agente da lei faz qualquer objeção à diminuição da penalidade pela posse de pequenas quantidades de maconha para uso próprio”.

Um patrocinador de um projeto de descriminalização no Minnesota declarou: “Existem muitos jovens no meu bairro que fumam maconha. A aplicação da presente lei envolve muita despesa.”20

O Deputado dos Estados Unidos Dan Quayle disse: “O Congresso deveria considerar definitivamente a descriminalização da posse de maconha. Deveríamos nos concentrar em processar estupradores e assaltantes, que são uma ameaça para a sociedade.”21
Um procurador do Estado do Colorado declarou que a criminalização da maconha era “a principal força mais destrutiva da sociedade – em termos de voltar nossos filhos contra o sistema.”22

Um legislador republicano disse à legislatura do Estado do Oregon que a “proibição não era a resposta ao nosso problema com o álcool em 1919, nem resposta para o problema da maconha em 1973.”23

Mesmo antes de a Comissão Shafer ser nomeada, o Congresso e a maioria das legislaturas estaduais havia eliminado os termos de prisão obrigatória para delitos relacionados à maconha, seguindo as orientações da Comissão Consultiva sobre Abuso de Narcóticos e Drogas nomeada pelo Presidente Kennedy em 196324 e a Comissão sobre a Aplicação da Lei e Administração da Justiça organizada pelo Presidente Johnson em 1967.25 Em 1977, com exceção de oito, todos os estados haviam reduzido a posse de maconha de crime doloso para contravenção. Dez estados haviam eliminado as penalidades criminais pela posse de até uma onça (28,35g) de maconha.26 Em 1978, o movimento de reforma da lei da maconha havia terminado. Naquele ano, o Nebraska, o último estado a descriminalizar a maconha, tornou a posse de maconha um “delito civil”, acarretando uma multa máxima de 100 dólares.27

O movimento antimaconha

Em 1974, um pequeno grupo de cientistas e psiquiatras desafiou as avaliações da Comissão Shafer sobre os efeitos da maconha em audiências organizadas pelo Senador James Eastland, do Mississipi.28 Muitas testemunhas das audiências de Eastland haviam conduzido pessoalmente estudos com animais ou células, mostrando possíveis danos biológicos causados pela maconha. Essencialmente, todos achavam que consumir maconha era imoral. Todos apoiavam a manutenção de leis severas sobre a venda e uso. Esses primeiros opositores da descriminalização da maconha, entretanto, não conseguiram traduzir seus pontos de vista em ação política.29

Na década de 1970, o consumo de maconha continuou a crescer, especialmente entre adolescentes. Em 1977, 56 por cento dos estudantes do último ano do ensino médio, 45 por cento dos estudantes do segundo ano e 19 por cento dos estudantes da oitava série haviam experimentado maconha pelo menos uma vez.30 Em resposta a isso, um movimento popular antimaconha emergiu. Era liderado por grupos de pais que inicialmente se organizaram em nível local, com o propósito primordial de prevenir os próprios filhos adolescentes de usar maconha. Ficaram com raiva das publicações do NIDA, que sugeriam que o uso ocasional de maconha era uma atividade relativamente inofensiva.31 Certamente, culpavam esse ponto de vista pela popularidade crescente da maconha entre os jovens americanos.32

Em poucos anos, os grupos de pais formaram diversas associações nacionais, inclusive o Parents Resource Institute for Drug Education (PRIDE), National Federation of Parents for Drug-Free Youth e Families in Action. Essas organizações angariavam recursos financeiros junto a organizações civis, empresas e agências do governo, e recrutavam novos membros através de conferências, workshops, e anúncios publicados em jornais.33 Em comunidades em todo o país, e especialmente em subúrbios de classe média, grupos de pais se formaram e afiliaram-se a associações nacionais.34 Muitos dos pais que se uniram a esses grupos nunca haviam consumido maconha e sabiam pouco sobre os efeitos. Tinham certeza, no entanto, que não queriam que os filhos a usassem. Entendiam que a crescente aceitação cultural da maconha tornava mais difícil para eles terem filhos que não consumissem drogas.

As organizações de pais se engajaram em uma variedade de atividades com o objetivo de reverter as políticas liberais da década de 1970. Pressionaram o Congresso e as legislaturas estaduais por legislações mais austeras contra a maconha, e exortaram a polícia a aplicar as leis já existentes com maior severidade. Pressionaram funcionários de escolas para que adotassem programas de educação sobre drogas do tipo tolerância zero. Persuadiram o NIDA a dedicar mais recursos para a prevenção de drogas, e eliminar materiais didáticos que fossem “amenos” com a maconha.35

Robert DuPont, o primeiro diretor do NIDA, relata que as preocupações dos grupos de pais o converteram de descriminalizador da maconha para ativista antimaconha.36 Antes de deixar o NIDA em 1978, DuPont encarregou uma das fundadoras dos grupos de pais, Marsha Manatt, de escrever Parents, Peers, and Pot, um panfleto que o NIDA distribuiu amplamente. Esse documento contava histórias sobre “crianças-modelo”, cujas vidas haviam sido prejudicadas de modo permanente pela maconha. Sustentava que estudos científicos recentes haviam encontrado provas de danos biológicos sérios causados pela maconha. Dizia que a maconha causava danos aos pulmões, cérebro e coração, anomalias hormonais, infertilidade, disfunção sexual, baixa imunológica e, em rapazes, estava associado ao aumento de mama.37

No final da década de 1970, artigos sobre os perigos biológicos, psicológicos e sociais da maconha também começaram a surgir em revistas populares, como o Saturday Evening Post, McCalls, Good Housekeeping e Ladies Home Journal.38 O Reader’s Digest publicou diversos artigos sobre maconha, incluindo uma série em quatro capítulos entitulada “Marijuana Alert”, de Peggy Mann, autora de livros infantis. Esses artigos eram ainda mais alarmistas do que o Parents, Peers, and Pot. Mann reportava que a maconha produz um “efeito terrivelmente deteriorante sobre as células”, “pode causar danos a qualquer órgão humano” e “danificar os bens mais preciosos do homem: a mente, a personalidade, o espírito”. Ela advertia que “fumantes de maconha poderiam danificar o cérebro involuntariamente, e diminuir as chances de conceber e ter filhos totalmente saudáveis”.39 O Reader’s Digest republicou a série de Mann em panfleto e distribuiu mais de seis milhões de exemplares em escolas, igrejas, grupos de jovens, organizações civis e empresas.40

Mais ou menos na mesma época, diversas outras pessoas físicas e jurídicas publicaram livros e panfletos descrevendo a toxicidade biológica da maconha. Em 1977, um grupo de cientistas, psiquiatras e ex-funcionários do governo que tinham trabalhado com abuso de drogas formaram o American Council on Marijuana,41 uma organização dedicada a dar publicidade aos perigos sociais e de saúde da maconha.42 Outra organização antidroga, o Myrin Institute, publicou e distribuiu Marijuana Today: A Compilation of Medical Findings for the Layman, escrito pelo professor de biologia George K. Russell.43 Ativista antimaconha de longa data e cientista pesquisador, Gabriel Nahas escreveu dois livros alarmistas sobre a maconha na década de 1970, Marihuana – Deceptive Weed, e Keep Off the Grass.44 Nahas advertia que “o tempo estava acabando”, que não eram necessárias “doses maciças de provas científicas positivas”. Dizia que havia “provas suficientes à mão conseguidas em laboratórios para indicar que a maconha danifica as células e corrói lentamente as funções vitais”. Insistia em controles mais severos em relação à maconha e seus usuários, “antes que seja tarde demais para os Estados Unidos”.45

Outros autores antimaconha pegaram pesado na interpretação de Nahas da prova científica. Como Nahas, revisavam somente estudos que sugeriam danos causados pela maconha, deixando de observar que as constatações muitas vezes eram preliminares e não tinham sido confirmadas por outros pesquisadores. Citavam estudos usando animais e células, de relevância desconhecida para humanos. Ignoraram textos inteiros de pesquisa que não demonstravam qualquer prova de danos causados pela maconha. Basicamente, esses livros e panfletos repetiam as afirmações feitas por Gabriel Nahas e outros nas audiências de Eastland, em 1974. No final da década de 1970, nenhum dos danos reportados em animais e células tinham sido encontrados em usuários de maconha. Não obstante, organizações antidrogas continuaram a usar esses estudos como prova da toxicidade biológica da maconha.

Durante seu mandato como governador da Califórnia na década de 1970, Ronald Reagan se opôs à descriminalização da maconha.46 Durante a presidência, encarregou o governo federal de abrir uma guerra contra a maconha47– uma guerra que só aumentou de intensidade desde então. O NIDA assumiu o papel de propalar cada vez mais os perigos da maconha. Em uma conferência do NIDA em 1981, “Maconha e Juventude”, os participantes decidiram que pais e jovens deveriam receber “mensagens fortes, claras,  e diretas”, mesmo nos casos em que estudos científicos sobre a maconha tenham produzido resultados ambíguos. O ex-diretor do NIDA Robert DuPont declarou: “Todas as vezes que falarmos que se provou que há um número substancial de fumantes de maconha que não sofrem danos com o uso, estaremos permitindo, senão incentivando o uso intenso de maconha.”48 Donald Ian Macdonald, que logo se tornaria conselheiro para drogas do Presidente Reagan, declarou: “Estamos em meio a uma epidemia de grande amplitude... Os pais têm direito de se sentir aterrorizados, eles precisam de fatos sobre efeitos nocivos.”49 O relatório Maconha e Saúde de 1982 do NIDA para o Congresso50 acrescentou novas advertências sobre os perigos biológicos dos efeitos da maconha, apesar de não ter havido qualquer prova nova ou convincente sobre dano biológico desde o relatório Maconha e Saúde de 1980.51

A guerra atual contra a maconha

Na década de 1980, a campanha da justiça criminal contra a maconha tornou-se cada vez mais repressiva e punitiva.52 Recentemente, o Congresso e algumas legislaturas estaduais aumentaram as penas por delitos envolvendo a maconha.53 Entre 1991 e 1995, dobraram as prisões por posse euso de maconha. Em 1995, agências estaduais e locais de repressão fizeram mais de meio milhão de prisões por conta da maconha, 86 por cento delas por posse.54 Dezenas de milhares de americanos estão atualmente presos por delitos envolvendo a maconha. Mais centenas de milhares são punidos com multas, liberdade vigiada, ou confisco de seus veículos, barcos, residências, terrenos ou outros bens. A maioria dos estados revoga a carteira de motorista de qualquer pessoa presa por posse de qualquer quantidade de maconha, esteja dirigindo na ocasião da detenção ou não.55 Apesar de diversos estados americanos terem removido as penas criminais para pacientes que usem maconha como medicamento,56 funcionários federais se opõem a essas políticas porque minam a mensagem dominante: a maconha é perigosa demais para que qualquer pessoa a consuma com segurança.57

Em 1989, a Estratégia Nacional de Controle de Drogas da administração Bush exortou famílias, comunidades, escolas e empregadores a se unirem ao governo na detecção e punição de usuários de drogas, para que “as consequências” do uso de drogas “suplantem quaisquer benefícios temporários que as drogas possam propiciar”.58 Atualmente, a maioria das escolas possui políticas antidrogas rígidas, que permitem ou exigem a expulsão do estudante que usar maconha.59 A maioria das grandes empresas impõe testes de drogas a candidatos a vagas de emprego e/ou atuais empregados. Os candidatos cujos testes de maconha sejam positivos não podem ser admitidos, apesar de suas qualificações; os empregados cujos testes sejam positivos podem ser demitidos, independentemente de seu desempenho.60 Algumas agências de assistência social impõem aos clientes testes de drogas obrigatórios, recusando serviços e benefícios a pessoas cujos testes sejam positivos.61 Pais vigiam seus filhos de perto procurando sinais de possível consumo de maconha, incluindo buscas em seus quartos e administrando testes de droga caseiros.62 Oficiais de polícia que ministram cursos de educação sobre drogas em escolas incentivam os estudantes a delatar pais, irmãos e amigos que fumem maconha.63

Apesar disso, a maconha continua tão disponível quanto sempre esteve. Entre os adultos, o uso de maconha permanece constante há anos, enquanto entre os adolescentes, o uso de maconha tem aumentado desde o início da década de 1990.64 Em resposta a esse aumento, o governo federal, as organizações antidrogas e a mídia intensificaram a campanha contra a maconha. O Center on Addiction and Substance Abuse (CASA), fundado em 1993 pelo ex-Secretário de Saúde, Educação e Assistência Social Joseph Califano, publica relatórios e boletins informativos sobre os efeitos danosos da maconha,65 frequentemente citados pela mídia, sem oposição. Em 1995, o NIDA criou uma nova Iniciativa para Prevenção ao Uso de Maconha para “mostrar às crianças pequenas, adolescentes e pais que o uso de maconha é uma séria ameaça à saúde e ao bem-estar de nossa juventude”.66 No mesmo ano, a Partnership for a Drug-Free America fez uma “blitz na mídia” com anúncios antimaconha.67 Em 1996, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS na sigla em inglês) introduziu uma campanha de Reality Check “para aumentar a conscientização” de que “a maconha é uma droga prejudicial que pode causar muitos danos, inclusive morte”.68 A secretária do HHS, Donna Shalala, exorta todos os americanos a enviar uma “mensagem clara e consistente” de que a “maconha é ilegal, perigosa, insalubre e daninha”.69

O desafio crescente da proibição da maconha

Enquanto o governo dos Estados Unidos tem intensificado a guerra contra a maconha, os governos de outros países ocidentais vêm se movimentando para aprovar a descriminalização. Na Holanda, a venda e o consumo de maconha é de fato legal há mais de vinte anos.70 Na Itália, Espanha e Suíça, regiões da Alemanha e da Austrália, não existem penas pela posse e uso de maconha, e a polícia geralmente ignora pequenos negociantes, se estes conduzem os negócios de modo a não perturbar a ordem pública.71 Em 1994, a Força Tarefa Australiana sobre Cannabis encorajou o governo a ir mais além. Dizia: “Toda política social deve ser revista quando há razão para crer que os custos de administrá-la suplantam os danos reduzidos”. Concluía que “é maior o prejuízo na Austrália... de manter a política de proibição da cannabis do que o consumo da droga”.72
Richard J. Bonnie, o principal autor do relatório da Comissão Shafer de 1972, pediu que fosse criada uma nova comissão para avaliar os custos e benefícios da atual política da maconha.73 O governo Clinton, no entanto, permaneceu firmemente contrária até mesmo a discutir alternativas à proibição estrita.74 Recentemente, o DEA, CASA e a California Narcotics Officers’ Association emitiram relatórios de apoio às atuais políticas, advertindo os americanos que a descriminalização levaria a índices crescentes de consumo de maconha.75

As pesquisas indicam que nem as políticas rigorosas nem as permissivas influenciam sobremaneira a popularidade da maconha. Apesar de ter o sistema de proibição mais rigoroso do mundo ocidental, os Estados Unidos possuem índices de consumo de maconha semelhantes ou mais elevados do que a maioria dos outros países. No mundo inteiro, o consumo de maconha aumentou nas décadas de 1960 e 1970, reduziu na década de 1980, e aumentou na década de 1990, independentemente da política de cada país.76 Nos Estados Unidos, nos onze estados que descriminalizaram a posse na década de 1970, os índices de consumo de maconha permaneceram semelhantes aos dos estados onde as sanções criminais continuaram em vigor.77

O apoio público à proibição da maconha vem diminuindo nos Estados Unidos. Em pesquisa recente, metade dos americanos de idade adulta disse que as penalidades criminais pelo uso e posse de maconha deveriam ser revogadas.78

A porcentagem que apoia a legalização integral da maconha começou a se elevar em 1990, atingindo 25 por cento em 1995.79 Quarenta e oito por cento dos estudantes do último ano do ensino médio concordam que a posse e o uso de maconha não deveriam ser considerados delitos, e 30 por cento favorecem a legalização.80 O apoio de calouros universitários à legalização da maconha dobrou de 1990 a 1995, de 17 por cento para 34 por cento.81 No que se refere ao uso de maconha como medicamento, dois terços dos americanos dizem que a decisão deve ser tomada pelos médicos e pacientes, sem medo da justiça criminal.82

Os pais hoje em dia, como os das décadas anteriores, não querem que seus filhos usem maconha. Entretanto, não estão convencidos de que a maconha seja uma substância altamente perigosa, ou que sirva de “porta de entrada” para outras drogas ilegais. Na realidade, classificam a maconha como menos arriscada do que a maioria das outras drogas, incluindo álcool e tabaco.

Mais de 70 milhões de americanos – 35 por cento daqueles com mais de 26 anos de idade – já usaram maconha; um quinto ainda fuma maconha, ao menos ocasionalmente.84 A maconha é a droga ilícita mais amplamente usada nos Estados Unidos. Na verdade, é a única droga ilícita usada de forma ampla. Seu uso ocorre em todas as regiões do país, entre pessoas de todas as classes sociais, etnias, profissões, religiões e convicções políticas. Em certo sentido, o uso de maconha já faz parte da cultura “normal” da população. O que torna a maconha elemento de desvio é sua contínua criminalização.

publicado por Luiz Paulo Guanabara


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