Foram chamados de
"Mitos" as ideias que circulam na mídia e em livros e textos científicos
que serviram de base para a população mundial ter hoje uma compreensão
equivocada a respeito da maconha. Os "Fatos" decorrem do estudo de
uma extensa coletânea das provas científicas produzidas no século XX e em geral
desmentem ou desconstroem cabalmente essas ideias que acabaram por marginalizar
e criminalizar a cannabis, uma planta utilizada há milênios pelos seres vivos.
Na primeira postagem estão os
textos iniciais e o MITO 1. Esta segunda postagem contém o MITO 2 "A
maconha não tem nenhum valor medicinal", e o MITO 3 "A maconha tem
grande poder de causar dependência". Em breve todos os capítulos estarão
publicados.
O livro MACONHA: MITOS E FATOS
– UMA REVISÃO DAS PROVAS CIENTÍFICAS é fruto de uma parceria entre a Drug
Policy Alliance (DPA), que cedeu os direitos autorais, e a Psicotropicus, que
traduziu, editou e lançou a obra em 2010.
O livro encontra-se traduzido
em uma dezena de línguas e agora pode ser lido em português. Ele será
totalmente disponibilizado neste blog e poderá ser livremente utilizado desde
que citada a fonte. Após nome do livro e autores: "Traduzido e editado por
Psicotropicus, 2010".
Foram chamados de
"Mitos" as ideias que circulam na mídia e em livros e textos científicos
que serviram de base para a população mundial ter hoje uma compreensão
equivocada a respeito da maconha. Os "Fatos" decorrem do estudo de
uma extensa coletânea das provas científicas produzidas no século XX e em geral
desmentem ou desconstroem cabalmente essas ideias que acabaram por marginalizar
e criminalizar a cannabis, uma planta utilizada há milênios pelos seres vivos.
Na primeira postagem estão os
textos iniciais e o MITO 1. Esta segunda postagem contém o MITO 2 "A
maconha não tem nenhum valor medicinal", e o MITO 3 "A maconha tem
grande poder de causar dependência". Em breve todos os capítulos estarão
publicados.
O livro MACONHA: MITOS E FATOS
– UMA REVISÃO DAS PROVAS CIENTÍFICAS é fruto de uma parceria entre a Drug
Policy Alliance (DPA), que cedeu os direitos autorais, e a Psicotropicus, que
traduziu, editou e lançou a obra em 2010.
O livro encontra-se traduzido
em uma dezena de línguas e agora pode ser lido em português. Ele será
totalmente disponibilizado neste blog e poderá ser livremente utilizado desde
que citada a fonte. Após nome do livro e autores: "Traduzido e editado por
Psicotropicus, 2010".
MITO 2
“Não há provas da eficácia do uso de maconha na
quimioterapia. Existem inúmeras drogas alternativas que dispensam qualquer
necessidade de empreender pesquisas sobre o assunto.”1
“Fumar maconha não pode ser qualificado como remédio... A
maconha como questão médica é uma campanha cuidadosamente orquestrada... por
hippies mais velhos, advogados e usuários de maconha que estão pregando uma
peça cruel em pessoas doentes e moribundas.”2
“Considerando-se os efeitos conhecidos da maconha sobre a
memória de curto prazo, parece provável que ela prejudicaria... a capacidade do
paciente de lembrar-se de tomar outros remédios... essenciais.”3
“O lobby em prol da droga explora o sofrimento de pacientes
portadores de doenças crônicas... como parte de uma estratégia para legalizar a
maconha para uso geral”4
“Não poderia haver pior mensagem para os jovens... Justamente
quando a nação está se esforçando ao máximo para ensinar adolescentes a não
consumir drogas psicoativas, estão lhes dizendo que a maconha [é um] remédio.”5
FATO 2
Foi demonstrado que a maconha é
eficiente na redução dos enjoos provocados pela quimioterapia de pacientes com
câncer, estimula o apetite em pacientes com AIDS e reduz a pressão
intraocular em pessoas com glaucoma. Existe ainda prova apreciável de que a
maconha reduz a espasticidade muscular em pacientes portadores de desordens
neurológicas. Pode-se obter uma pílula de THC sintético com receita médica, mas para muitos pacientes não é tão eficaz quanto a
maconha fumada. O THC puro pode também produzir maiores efeitos psicoativos
colaterais desagradáveis do que a maconha fumada. Atualmente, muitas pessoas
usam maconha como medicamento, a despeito da ilegalidade. Ao fazê-lo, estão se
arriscando à detenção e prisão.
2
Maconha como medicamento
Os usos
terapêuticos da maconha estão bem documentados na literatura científica
moderna. Fumando maconha ou usando preparações orais de delta-9-THC (o
principal ingrediente ativo da maconha), pesquisadores conduziram estudos
controlados. Esses estudos demonstram a utilidade da maconha na redução da
náusea e do vômito,6 no estímulo do apetite, na promoção de ganho de peso7 e na diminuição
da pressão intraocular do glaucoma.8 Existe ainda prova de que a
maconha fumada e/ou o THC reduzem a
espasticidade muscular das lesões da medula espinhal9 e da esclerose
múltipla,10 e diminui os tremores nesses pacientes.11
Outros usos terapêuticos da maconha ainda não foram amplamente estudados.
Contudo, pacientes e médicos têm relatado que a maconha fumada alivia as dores
provocadas por enxaqueca, depressão, convulsões, insônia e dor crônica.12
O delta-9-THC é provavelmente responsável pela maioria dos efeitos terapêuticos
da maconha, mas um dos outros componentes canabinoides da maconha – o
canabidiol – parece ser útil como um anticonvulsivo.13 Outros
canabinoides podem ainda vir a ter valor medicinal comprovado.
Nos Estados Unidos, o uso da maconha para fins medicinais é
ilegal, pois a lei federal inclui a maconha no Anexo I, na categoria de drogas
consideradas perigosas, altamente sujeitas a abuso e sem qualquer valor
medicinal.14 Não obstante, desde a década de 1970, trinta e cinco
legislaturas estaduais aprovaram leis que apoiam o uso medicinal da maconha.15
Em 1996, os eleitores da Califórnia e do Arizona aprovaram iniciativas
eleitorais para a remoção das penalidades estaduais por posse de maconha para
uso medicinal.16 Todavia, a lei federal impede que os estados tornem
legal o fornecimento de maconha. Oito pessoas recebem maconha por meio de um
programa federal de “uso compassivo”, que, em 1992, parou de admitir novos
pacientes depois que diversos pedidos, a maior parte de pacientes de AIDS,
aumentou consideravelmente.17 Milhares de americanos usam
ilegalmente a maconha como medicamento, arriscando-se a serem detidos e
processados.18 Sem dúvida, outros que poderiam se beneficiar com a
maconha são impedidos por sua ilegalidade.
Desde 1986, o THC sintético (Marinol) está disponível como
droga do Anexo II, o que permite aos médicos prescrevê-lo, sob condições
estritamente regulamentadas. O Marinol é oficialmente classificado como
antinauseante e estimulante do apetite, mas os médicos também podem
prescrevê-lo para outras doenças, como depressão e espasticidade muscular. Essa
preparação oral do THC, dissolvida em óleo de gergelim, funciona para alguns
pacientes. Entretanto, muitos acham que a maconha fumada é mais eficaz. Para pessoas que sofrem de
náusea e vômito, que não conseguem engolir e segurar uma pílula no estômago,
fumar maconha é muitas vezes a única maneira confiável de prover THC. Para
pacientes nauseados, fumar maconha tem a vantagem adicional da liberação rápida
do THC, promovendo alívio em poucos minutos, em comparação com uma hora ou mais
a partir da ingestão do THC.19
Fumar maconha não apenas libera o THC na corrente sanguínea
mais rapidamente do que a ingestão do Marinol, como fornece a maior parte do THC
inalado. Quando o Marinol é engolido, precisa se mover do estômago para o intestino delgado antes de ser absorvido
pela corrente sanguínea. Após a absorção, o THC consumido por via oral passa
imediatamente pelo fígado, onde uma proporção significativa é metabolizada em
outras substâncias químicas. Devido ao metabolismo do fígado, 90 por cento ou
mais do THC ingerido nunca atinge locais de atividade no corpo.20
Duas horas após a ingestão de 10 a 15 mg de Marinol, 84 por cento das pessoas
em um estudo recente não apresentavam THC mensurável no sangue. Após seis
horas, 57 por cento ainda não apresentavam nada.21 Em contraste, 2 a
5 mg de THC consumidos por inalação produzem regularmente concentrações no
sangue acima do nível efetivo, em poucos minutos.22
Quando o THC é engolido, os efeitos variam de forma
considerável, tanto de uma pessoa para outra, quanto na mesma pessoa de um
episódio para outro.23 E como o início do efeito demora uma hora ou
mais, pacientes que usam Marinol têm dificuldade para encontrar a dose eficaz.
Quando o THC é ingerido, os efeitos duram mais – até seis horas, comparados a
uma ou duas horas quando a maconha é fumada.24 Em outras palavras,
fumar maconha é uma rota mais flexível para a administração do que sua
ingestão. O ato de fumar maconha permite aos pacientes ajustar as doses, para
coincidir com o aumento e a diminuição dos sintomas.25 Para pessoas
que sofrem de náusea e vômito decorrentes da AIDS ou de quimioterapia de
câncer, a maconha fumada proporciona um
alívio rápido com doses geralmente menores de THC.
Outro problema com o THC ingerido é que os efeitos
colaterais psicoativos podem ser mais intensos do que os decorrentes de fumar a
maconha. Quando o fígado metaboliza o THC, produz o metabolito 11-hidróxi-THC,
um composto de igual ou maior psicoatividade.26 Uma quantidade de
11-hidróxi-THC é produzida quando a maconha é fumada, mas sua concentração
raramente atinge níveis psicoativos.27 Com a ingestão oral, os
pacientes experimentam efeitos psicoativos do
THC e do 11-hidróxi-THC,28 aumentando a probabilidade
de reações psicológicas adversas (ver Capítulo 10). Há também evidências de que
um dos outros canabinoides da maconha – o canabidiol – modula as propriedades
psicoativas da maconha.29 Em um estudo com pacientes idosos, a dose
elevada de THC oral necessária para a redução da náusea e do vômito produziu
efeitos psicoativos graves, reduzindo sua utilidade como medicamento.30
Em função desses problemas, não é surpreendente que médicos
raramente prescrevam o Marinol. Em um estudo, pesquisadores pediram a
oncologistas (especialistas em câncer) que classificassem a eficácia das
medicações disponíveis para o tratamento da náusea e do vômito provocados pela
quimioterapia do câncer. Classificaram o THC (na forma natural ou sintética) em
nono lugar, representando apenas 2 por cento das prescrições antieméticas.31
Em outro estudo, 49 por cento dos oncologistas relataram ter receitado Marinol, mas somente 5 por cento o haviam
prescrito mais de dez vezes.32 Uma pesquisa de 1990 pediu a oncologistas
que comparassem a eficácia do Marinol e da maconha fumada. Somente 28 por cento
sentiam-se suficientemente
familiarizados com ambas as drogas para responder à pergunta. Dentre esses,
somente 13 por cento acreditavam que o Marinol era melhor; 43 por cento
acreditavam que as duas formas de THC eram igualmente eficazes, e 44 por cento
acreditavam que a maconha fumada era
melhor. Quatrocentos e trinta e dois oncologistas (44 por cento daqueles que
devolveram o questionário) afirmaram que haviam recomendado maconha inalada a
pelo menos um de seus pacientes com câncer.33 Em uma pesquisa de
1994, 12 por cento dos oncologistas disseram que haviam recomendado maconha
inalada e 30 por cento disseram que poderiam prescrevê-la, se fosse legal.34
Fumar é uma forma muito peculiar de administrar uma droga.
Muitas drogas poderiam ser fumadas, mas não há uma boa razão para fazê-lo,
porque as preparações orais produzem concentrações adequadas no sangue. Com o
THC, esse não é o caso. A inalação é um modo melhor de administração do que a ingestão. Tem eficiência quase igual
à da injeção intravenosa, e é muito mais prática.35
Além de sua ilegalidade, o principal inconveniente de fumar
maconha é ela depositar substâncias que irritam os pulmões. O consumo
prolongado de doses elevadas pode causar problemas pulmonares (ver Capítulo
15). Entretanto, se consumida por pouco tempo, o risco de dano pulmonar é
pequeno. Para pacientes terminais, o dano potencial de fumar tem poucas
consequências. Outros sistemas de liberação de THC – por exemplo, supositórios36
e sprays de aerosol37 – não tiveram eficácia comprovada, mas
deveriam ser melhor estudados. Dadas as opções atualmente disponíveis, fumar
maconha é o modo mais eficiente de liberar THC. É também potencialmente o mais
barato. Um paciente que tome 20 mg de Marinol por dia gastaria 600 dólares ou
mais por mês com esse medicamento. Com a
remoção do “imposto do mercado negro” sobre a maconha, preparados da planta
poderiam ser entregues a pacientes por uma fração do custo do Marinol.
Na década de 1970, o governo federal patrocinou uma
pesquisa sobre os usos terapêuticos da maconha38 e a forneceu a
pesquisadores qualificados.39 Estabeleceu ainda um programa de “uso
compassivo”, através do qual os pacientes, escolhidos caso a caso, poderiam
obtê-la da plantação de maconha do governo, no Mississipi.40 Em seu
relatório “Maconha e Saúde” (Marijuana and Health) de 1976 ao Congresso, o Instituto Nacional
sobre Abuso de Drogas (NIDA, na sigla em inglês) recomendava uma maior
exploração dos usos medicinais da maconha.41 Os dois relatórios
seguintes do NIDA, em 1977 e 1980, reiteravam essa posição.42
A eleição de Ronald Reagan para a presidência, em 1980,
trouxe uma guerra renovada contra a maconha43 e o fim do apoio
federal à maconha medicinal. O relatório “Maconha e Saúde” de 1982 do
NIDA ao Congresso, reverteu a
posição anterior. Advertia que “os efeitos negativos da maconha sobre a saúde”
diminuíam seu potencial terapêutico, e sugeria que, em seu lugar,
"análogos sintéticos de derivados da maconha deveriam ser pesquisados”.44
A oposição à maconha medicinal continuou sob a
administração Bush. Em 1989, o diretor da Agência de Repressão às Drogas (Drug
Enforcement Agency - DEA), John Lawn, indeferiu um pedido da Organização
Nacional para a Reforma das Leis sobre a Maconha (National Organization for Reform
of Marijuana Laws - NORML) para a
reclassificação da maconha como droga do Anexo II.45 Essa alteração
permitiria que médicos receitassem maconha sob as regulamentações estritas
atualmente aplicadas à anfetamina, morfina e cocaína. Lawn indeferiu o pedido a
despeito da recomendação de reclassificação do próprio juiz administrativo do
DEA, Francis L. Young. Depois de rever a prova, o Juiz Young concluiu, não só
que a utilidade médica da maconha tinha sido adequadamente demonstrada, mas que
havia sido provado que a cannabis era “uma das substâncias terapeuticamente
ativas mais seguras conhecidas pelo homem”.46 O Tribunal de Apelação
dos Estados Unidos confirmou a autoridade legal do administrador do DEA para
ignorar a decisão do Juiz Young.47 Atualmente, a maconha permanece
no Anexo I, uma categoria de drogas consideradas perigosas, altamente sujeitas
ao abuso, e sem qualquer valor medicinal.48
Em 1992, o governo Bush acabou com o programa de uso compassivo49
e o governo Clinton, depois de alguma resistência, decidiu não restabelecê-lo.50
O DEA continua a se opor a qualquer alteração legal que possa tornar a maconha
disponível como medicamento51 e opõe-se mesmo à continuação da
pesquisa sobre o assunto.52 Em mais de uma década, não houve
qualquer estudo patrocinado pelo governo sobre a utilidade médica da maconha.
Quando o Dr. Donald Abrams, pesquisador de AIDS, propôs uma comparação da
eficácia do Marinol com a da maconha fumada
no tratamento da síndrome degenerativa relacionada com a AIDS, o NIDA
negou-lhe acesso à provisão de maconha – a despeito do fato de seu estudo ter
recebido a aprovação prévia do Departamento de Alimentos e Drogas (Food and
Drugs Administration – FDA, equivalente no Brasil à Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – ANVISA).53 Em 1996, o governo Clinton se opôs
a iniciativas eleitorais na Califórnia e no
Arizona para a legalização da maconha para uso clínico.54 Depois de
promulgadas ambas as iniciativas, funcionários federais ameaçaram processar
médicos criminalmente ou cassar suas licenças para prescrever substâncias
controladas – simplesmente por recomendarem maconha fumada a seus pacientes.55
Diversas organizações antidrogas contestaram a legalização
da maconha para uso medicinal, afirmando que qualquer alteração da lei enviaria
a “mensagem errada” para a juventude sobre os perigos da maconha.56
A maioria das associações formais de médicos não tomaram uma posição oficial
sobre a maconha medicinal.57 Contudo, a posição estritamente
proibitiva do governo federal sofre oposição da American Public Health
Association,58 da
Federation of American Scientists,59 da Physicians
Association for AIDS Care, da
Lymphoma Foundation of America,60 e da ex-ministra da
saúde Joycelyn Elders,61 assim como de associações nacionais de
promotores62 e de defensores criminais63. O New
England Journal of Medicine tomou
partido em apoio à permissão do uso da maconha como medicamento,64
e o Journal of the American Medical Association publicou um editorial encomendado
com a mesma mensagem.65 Os corpos editoriais de diversos jornais
insistiram junto à administração Clinton para que afrouxasse as restrições
atuais66 – um ponto de vista que pesquisas de opinião recentes
demonstram ter o apoio da maioria dos americanos.67
Desafiando a lei em vigor, pessoas no país inteiro consomem
maconha para fins medicinais. Algumas o fazem com conhecimento e aprovação de
seu médico.68 Em função de a prática ser ilegal, a maioria dos
pacientes usa a maconha para fins medicinais sem supervisão médica.69 A
ilegalidade da maconha significa que os pacientes não podem ter a certeza de
obter produtos padronizados livres de esporas de fungos
– um problema crítico para pacientes com AIDS, que têm sistemas imunológicos
fragilizados (ver Capítulo 14). Em algumas cidades, formaram-se “clubes de
compradores de cannabis” para o fornecimento
de produtos não-contaminados a pacientes.70 Contudo, na maior parte
do país os pacientes têm de confiar no mercado ilícito que distribui maconha de
potência e pureza desconhecidas. A reclassificação da maconha como medicamento
do Anexo II e a criação de um sistema legal para sua distribuição garantiria a
todos os pacientes o acesso a uma maconha pura e padronizada.
Para uma nova aprovação da droga, o Departamento de
Alimentos e Drogas (FDA, na sigla em inglês) exige “prova substancial” de
eficácia, baseada em “pesquisas clínicas adequadas e bem controladas”, além de
prova da toxicidade limitada da droga, quando usada em doses terapêuticas.71
A maconha fumada possui esse padrão. Com base em resenha de vinte e cinco anos
de pesquisa, o farmacologista Roger Pertwee concluiu que “não há provas para
sugerir que os canabinoides psicotrópicos (ou cannabis) sejam especialmente perigosos ou que seus efeitos
adversos sejam mais graves ou inaceitáveis do que aqueles de muitas drogas
usadas clinicamente na atualidade”.72
De forma relevante, a aprovação prévia do FDA para o THC
oral é uma prova da eficácia da
maconha no tratamento da náusea, do vômito e do desgaste relacionado à AIDS. Os
poucos estudos que compararam diretamente as duas formas de liberação do THC
demonstram que a maconha fumada é mais
eficaz do que sua administração oral.73 De qualquer modo, a questão
não é se a maconha é melhor do que a
medicação existente. Para muitas condições médicas, estão disponíveis diversos
medicamentos; alguns funcionam melhor em determinados pacientes e alguns que
produzem efeitos melhores em outros. A disponibilidade do maior número possível
de medicamentos eficazes permite aos médicos proporcionar o melhor tratamento
possível a pacientes individuais.
Foi a política e não a ciência médica que se interpôs no
caminho da aprovação da maconha como medicamento legal. Em carta de 1982
endereçada ao Journal of the American Medical Association, o parlamentar Newt Gingrich escreveu
que a “proibição federal desatualizada” da maconha medicinal estava
“corrompendo a intenção das leis estatais e privando milhares de pacientes portadores de glaucoma e de câncer da
assistência médica a eles prometida por suas legislaturas estaduais”. Segundo
Gingrich, “a histeria... sobre abuso social da maconha” e a “interferência
burocrática” do governo federal impediram “uma verificação factual [e]
equilibrada do uso medicinal da maconha”.74 Quinze anos depois, essa
observação ainda é válida.
MITO 3
A maconha tem grande poder de
causar dependência. Usuários que fumam há muito tempo sofrem de dependência
física e síndrome de abstinência e, em geral, necessitam de tratamento
profissional para romper o hábito.
“Existe uma demanda de tratamento específico
para a maconha que atualmente não é suprida. A dependência de maconha não é um
desafio menor comparada com outras dependências, como muita gente pensa.”1
“A maconha pode se tornar um sério empecilho
para quem fuma há muito tempo e deseja parar.”2
“Estudos revelam que pessoas que fumam
maconha há muito tempo podem desenvolver sinais e sintomas de síndrome de
abstinência, se pararem de usar de uma hora para outra.”3
“Em 1993, mais de 100.000 pessoas que
ingressaram em programas de tratamento de drogas relataram que a maconha era a
principal droga que usavam, demonstrando que necessitavam de ajuda para parar.”4
FATO 3
A maioria das pessoas que fuma
maconha fuma apenas de forma ocasional. Uma pequena minoria de americanos –
menos de 1 por cento – fuma maconha todos os dias ou quase todos os dias. Uma
minoria ainda menor desenvolve dependência de maconha. Algumas pessoas que
fumam muito e a toda hora param de fumar sem dificuldade. Outros buscam ajuda
profissional. A maconha não causa dependência física. Se a pessoa chegar a
sofrer alguma síndrome de abstinência, serão sintomas notadamente brandos.
3
Maconha e dependência
Pesquisas epidemiológicas indicam que a grande maioria das
pessoas que experimenta maconha não passa a usá-la frequentemente nem por muito
tempo. Um estudo com adultos na faixa dos trinta anos, que tinham sido
primeiramente entrevistados no ensino médio, acusou um alto “índice de
descontinuidade” do uso de maconha. Entre os que haviam experimentado maconha,
75 por cento não a tinham usado no ano anterior e 85 por cento não a tinham
usado no mês anterior.5 Em 1994, entre americanos com doze anos ou
mais de idade, 31 por cento já haviam usado maconha em algum período de sua
vida. Onze por cento a haviam usado no ano anterior e 2,5 por cento usara em
média uma vez por semana ou mais. Atualmente, apenas 0,8 por cento dos
americanos fumam maconha diária ou quase diariamente.6
Algumas pessoas fumam maconha regularmente
durante vários anos sem quaisquer consequências físicas, psicológicas ou
sociais adversas.7 Em algum momento, muitos que fumam muito e
frequentemente decidem reduzir seu consumo ou parar completamente de consumir
maconha. Para a maioria, esse processo parece
relativamente simples. Por exemplo, um estudo investigou homens entre 28 e 29
anos de idade que haviam fumado maconha diariamente em algum momento da década
anterior. Na época da pesquisa, 85 por cento não mais consumiam maconha
diariamente, apesar de a maioria continuar a usá-la de vez em quando.8
Algumas pessoas que fumam muita maconha com
frequência acham o processo de redução ou cessação mais difícil, e outras
buscam assistência junto a serviços de tratamento de dependência.9
Houve um aumento recente na quantidade de pessoas que começa um tratamento com
diagnóstico inicial de dependência de maconha.10 Entretanto, a
maioria dos usuários de maconha inscrita em programas de tratamento de
dependência é de pessoas que abusam de várias drogas, e que também apresentam
problemas com álcool, cocaína, anfetaminas, tranquilizantes ou heroína.11
Estudos conduzidos por várias décadas numa
variedade de condições constataram que, quando usuários que consomem muita
maconha deixam de usá-la, raramente apresentam sintomas de síndrome de
abstinência.12 Quando estes ocorrem, tendem a ser “moderados e
passageiros”.13 Em estudo realizado no Federal Narcotics Hospital
em Lexington, Kentucky, na década de 1960, dez homens foram mantidos “sob
efeito”, fumando ao menos um cigarro de maconha a cada hora em que estavam
acordados, durante trinta dias. Após a cessação abrupta da queimação de fumo,
não houve prova de sintomas de síndrome de abstinência.14 Em outro
estudo, doses orais muito altas de THC foram ministradas diariamente em
pessoas, durante trinta dias. Quando cessou a aplicação da droga, elas se
queixaram um pouco de inquietação, distúrbios no sono, náusea, diminuição de
apetite e sudorese.15 Em pesquisa recente, 16 por cento de usuários
de altas doses de maconha relataram alguns sintomas de síndrome de abstinência
ao abandonar o hábito, sendo mais comum o nervosismo e os distúrbios do sono.16
Em alguns estudos com animais, altas doses de
THC ministradas por via intravenosa e em seguida interrompidas abruptamente,
produzem alteração comportamental, inclusive aumento da agressividade e da
atividade motora. Entretanto, por mais que se injete THC em animais, quando
acaba, os animais não podem se autoadministrar.17 Em estudo recente,
pesquisadores precipitaram sintomas físicos mais pronunciados de síndrome de
abstinência em ratos. Introduziram altas doses de THC continuamente nos ratos
durante quatro dias e, então, administraram uma “droga bloqueadora”
canabinoide, que bloqueia imediatamente os receptores do THC.18 Esse
estudo com roedores patrocinado pelo NIDA sobre “precipitação dos
sintomas de síndrome de abstinência” é agora citado
como prova de que a maconha causa dependência física.19 Na verdade,
não tem relevância para usuários de maconha que, após a cessação do uso, sempre
experimentam a separação gradual de THC dos receptores.
Apesar de as pessoas desenvolverem dependência
de maconha, um relatório de 1991, do Department of Health and Human Services
dos Estados Unidos para o Congresso afirma que:
“Devido à grande população de usuários de
maconha e poucos relatórios de problemas médicos decorrentes da cessação do
uso, a tolerância e a dependência [da maconha] não são assuntos de grande
importância, no momento.”20
Recentemente, os farmacologistas Jack
Henningfield e Neal Benowitz, independentemente, classificaram o potencial de
dependência de seis drogas psicoativas: cafeína, nicotina, álcool, heroína,
cocaína e maconha. Ambos classificaram a cafeína e a maconha como as duas menos
propícias a causar dependência. Henningfield classificou as duas drogas de modo
idêntico e Benowitz classificou a maconha como um pouco menos propícia à
dependência do que a cafeína. 21
No entanto, o número de pessoas diagnosticadas
como dependentes de maconha e o número de usuários de maconha inscritos em
programas de tratamento de dependência têm aumentado de modo constante.
Utilizando a lista de critérios para dependência de drogas da American
Psychiatric Association (APA), pesquisadores que avaliaram usuários de
maconha em amostras de comunidade diagnosticaram até 25 por cento como dependentes
de maconha.22 Os provedores de tratamento de dependência Norman
Miller e Mark Gold reivindicam que, em função dos sintomas da dependência da
maconha serem, “frequentemente sutis e difíceis de identificar”, os usuários de
maconha deveriam ser diagnosticados como dependentes, mesmo que não estejam
dentro dos padrões da APA.23 Gold defende que “é importante tratar
todos os casos de consumo de maconha como potencialmente propícios à
dependência”.24.
A maioria dos artigos e livros recentes que
alertam sobre o problema crescente da dependência de maconha foi escrita por
provedores de tratamento de dependência.25 Este grupo também se
beneficiou muito com a expansão dos serviços de tratamento a usuários de
maconha, muitos dos quais são pressionados ou forçados ao tratamento pelos pais
ou outros parentes, tribunais ou empregadores.26 A maior parte dos
operários que tem resultado positivo em programas de teste no local de trabalho
é usuária de maconha,27 e muitos usam maconha apenas ocasionalmente.
Os empregadores geralmente exigem que os operários participem de programas de
tratamento de dependência como condição para o emprego fixo. 28
Esses programas diagnosticam os usuários de maconha como “dependentes de
maconha” mesmo que não atinjam os critérios oficiais de dependência de drogas.
publicado aqui por Luiz Paulo Guanabara
publicado aqui por Luiz Paulo Guanabara
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