A International Drug Policy Reform Conference, realizada na cidade de Albuquerque – Novo México, nos Estados Unidos, entre os dias 11 e 14 de novembro foi marcada pela riqueza dos debates e diversidade do publico presente. O congresso, que foi realizado pela primeira vez em 1989, teve seu maior público este ano, com mais de mil pessoas presentes, provenientes de diversas nacionalidades e de diversos setores envolvidos com o tema tais como pesquisadores, profissionais de saúde, cientistas sociais, políticos, juízes, usuários de drogas, ex-usuários, ativistas, líderes estudantis, entre outros. Um amplo espectro de “cores”, interesses e práticas culturais. O debate sobre a tão falada “questão das drogas”, nunca esteve tão bem representado, agregando todos aqueles envolvidos nesta discussão.
Tantas vozes unidas romperam o silêncio do deserto do Novo México e clamaram por mudanças. Em meio a tamanha diversidade, um tema central permeou todos os debates, conferências, mesas redondas e encontros casuais nos corredores do congresso, a necessidade de políticas de drogas mais eficazes e humanas, e a busca por soluções alternativas para a já falida “War on Drugs”. Como bem expressou Ethan Nadelmann (diretor executivo da Drug Policy Alliance – DPA) na abertura do evento: “para o bem ou para o mal as drogas estão em nossa sociedade e temos que aprender a lidar com elas; não em uma guerra, mas como pessoas que acreditam em justiça e liberdade”. E para Ethan, pela primeira vez em muito tempo, “o vento está soprando a nosso favor”!
O congresso começou com um pré-evento – o curso “The principles and practices of Harm Reduction Therapy”, conferido pela equipe do Harm Reduction Therapy Center de San Francisco, California. O treinamento foi coordenado pela diretora do centro, Patt Denning, psicoterapeuta e pesquisadora que desenvolveu a inovadora Harm Reduction Psychotherapy – uma abordagem baseada em uma visão biopsicosocial do indivíduo, multidisciplinar, de baixa exigência, com foco na motivação para a mudança de comportamentos e no respeito às escolhas individuais.
Durante os três dias seguintes do congresso, foram abordados os mais variados temas. Uso medicinal, cultural, descriminalização, regulamentação e legalização da maconha; uso terapêutico de drogas psicodélicas no tratamento do câncer, do alcoolismo e outras dependências e em psicoterapia; uso tradicional e religioso de drogas; descriminalização e regulamentação de todas as drogas; educação, ações comunitárias, família e minorias; prevenção; redução de danos; tratamentos alternativos; legislação; repressão (ou alternativas ao modelo repressivo); políticas públicas e política internacional; economia; direitos humanos; estigma; ativismo social; narcotráfico, violência, guerra e paz.
Perpassando todos esses temas, uma causa única – desmascarar a política de opressão racial e social em que se converteu a gerra as drogas. Na verdade, como foi dito em muitos momentos do congresso: “It is not a war on drugs, but a war on people”. Um guerra que vitimiza milhares de pessoas em todo o mundo, uma guerra diretamente ligada ao mercado ilegal de armas e à violência gerada pelo crime organizado, que se nutre do lucrativo mercado das drogas ilícitas. Uma guerra que transforma o usuário de drogas em criminoso, institucionaliza o estigma e afasta aqueles que precisam de ajuda do sistema de saúde.
Dos muitos pontos altos do congresso, um dos que mais me impressionou e motivou foi encontro das delegações latino-americanas. O encontro teve a moderação de Pablo Cymerman, coordenador da ONG argentina Intercambios, e se transformou em um espaço de troca de experiências e expectativas de mudança para a América Latina. Participaram do encontro representantes de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia e México. Ethan Naldemman também esteve presente, compartilhando a ideia de que precisamos avançar no processo de reforma internacional da política de drogas, mas de maneira autônoma. Cada região, cada país precisa ter autonomia de construir seu caminho e superar as dificuldades muitas vezes impostas por pressões internacionais. Neste encontro (e também em muitos momentos da conferência) a América Latina foi citada, seja pelo exemplo da Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, seja pelas recentes mudanças que vem acontecendo nas políticas e legislação de países como a Argentina, Brasil, Equador e da luta para legitimar o uso ancestral da folha de coca na Bolívia. Cada país presente no encontro relatou brevemente a situação das políticas de drogas locais, os desafios atuais e as ações, em nível governamental ou não-governamental que vem acontecendo na região. Todos ressaltaram a importância de uma visão social e ampliada sobre o tema, a influência internacional negativa nas políticas da região, a tensão social gerada pela violência associada ao narcotráfico, e a importância de um diálogo aberto com governos e sociedade civil.
Os bons ventos que sopraram do deserto do Novo México, mostraram que tabus vem sendo rompidos e é cada vez maior a pressão social para o fim da guerra às drogas e em prol de um diálogo franco a favor dos direitos civis, assim como ocorreu ao longo da História pelos direitos das mulheres, minorias raciais e gays, mais recentemente. Citando Gramsci: “The old is dead, but the new is not yet born”. Este é o momento de abrir um amplo debate sobre o “novo”, conquistar corações e mentes e lutar pelas mudanças que acreditamos.
* Michaela Bitarello do Amaral Sabadini – é psicóloga, doutoranda em Ciências da Saúde na UNIFESP e bolsista de doutorado-sanduíche CAPES na Universidade de Boston (USA) e esteve presente na Reform conference pela primeira vez este ano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário