por Luiz Paulo Guanabara
Sendo a venda de drogas um crime cuja natureza é questionável, os meios de comunicação não deveriam incentivar para os próximos dias ações truculentas na favela em busca de “bandidos” escondidos. Será que a mídia dá as ordens realmente na política de segurança do Rio, como me disse há pouco tempo um coronel da Polícia Militar? Não sei se acredito nisso, mas é óbvio o poder da mídia em meio a isso tudo - o que implica responsabilidade nesse conflito em que morre muita gente, muitos inocentes. Já não basta a instalação por prazo indefinido desses batalhões de soldados de futuro incerto, que eventualmente podem vir a se tornar criminosos milicianos? Mudou quem dá as ordens, mas a opressão continua, pois antes de tudo a polícia do Rio é uma polícia violenta, com um poder enorme que utiliza na base da ignorância. Muitas vezes são uns covardes que descontam nos mais fracos, selvagens valentões. A imagem da polícia é amedrontadora principalmente para quem mora na Rocinha, onde durante décadas testemunharam constantes abusos policiais fartamente noticiados. Os “treinados para matar e torturar” não deveriam ser incentivados a baixar mais terror na Rocinha nessa hora particular e delicada. “Dá um tempo, deixa o povo respirar.” Provavelmente muitos desses bandidos que vão ser procurados na Rocinha não passam de jovens cooptados para um negócio que surge exatamente com sua criminalização, jovens em situação social de grande falta de perspectiva de trabalho e de tudo o mais. Uma justiça sensata não deveria levar em conta esses fatores? Bem, justiça e bom senso parecem não se dar bem no Brasil.
“É o seu próprio povo, seu policial.” A família dele ou parte dela também mora nessa ou naquela comunidade carente. O traficante é um cidadão como qualquer outro, são as leis e a política de drogas que os cria. A linha que separa a pessoa que nasceu e mora em favelas onde há tráfico de se tornar policial ou traficante é muito tênue.
No dia em que todo engodo dessa política de drogas equivocada, irracional, moralista, imbecil, alienada e injusta vier à tona, o governo vai ter de acertar contas com muito “traficante” cujo único crime foi o envolvimento com drogas classificadas (arbitrariamente) como ilícitas. A maioria desses traficantes presos são usuários, vitimas de uma política por repressão e punição, vitimas de uma guerra que está começando a acabar, cujos idealizadores deveriam ser e provavelmente serão processados quando o proibicionismo ruir de vez, quando essa farsa for desmascarada.
Foi montado todo um aparato de repressão a algumas drogas selecionadas para proibição por critérios que acabaram se revelando prejudiciais à saúde pública. Se não fosse a sanha repressiva de alguns anos atrás contra precursores para produção de cocaína, os laboratórios não teriam dado margem para a invenção do crack, quando passaram a vender também pasta base.
Sobre as ocupações, é inevitável que elas tenham de ser feitas pela incapacidade dos gerentes do negócio ilícito, que não tiveram acesso à educação e condições dignas de vida. Por mais profissional que fosse o comércio na Rocinha, o tráfico feito por essas pessoas marginalizadas, incapazes de lidar com um negócio sofisticado nunca poderia dar certo. Já aqueles que têm educação, nasceram em condições confortáveis de vida e escolheram negociar essas comodities e seus derivativos dificilmente são pegos pela policia. Para esses, é fácil abrir conta em banco, gastar e lavar o dinheiro. Viajar livremente pelo país e exterior e fazer negócios longe do radar da polícia. A polícia brasileira não está preparada para pegar esses caras, e na verdade nem tenta: pode acabar dando de cara com um político articulado ou um chefe de polícia.
Se na Rocinha, com seus 100 mil habitantes, 300 pessoas estavam envolvidos no comércio de drogas ilícitas- como revelou o arquiteto do negócio local, Coelho, braço direito do Nem, na prisão desde 2008 - a verdade é que, por poucas centenas, dezenas de milhares são vítimas da constante violência da polícia que mais mata no mundo.
E se o negócio gerava 100 milhões por mês e a polícia ficava com metade, quem mais perdeu foi a polícia. É muito dinheiro para perder de uma só vez. O que eles farão para compensar tamanha perda?
O Nem era uma marionete manejada pelo tráfico e pela polícia, com tino empresarial que desenvolveu com o tal Coelho. Li em A Elite da Tropa que a Rocinha era considerada a galinha dos ovos de ouro da banda podre e de seus projetos políticos. O livro conta uma história em que a polícia pega longe do Rio, fugindo para outro estado, o frente que queria abandonar o negócio, o tráfico, e o levam de volta ao comando do movimento na Rocinha. Por essa e por outras, a tomada da Rocinha era mais do que necessária.
O ideal nessa ocupação deste fim de semana seria a criação de uma equipe multidisciplinar que intermediasse e servisse como facilitadora do processo de interação inicial e posterior, entre habitantes e forças policiais, com participação da sociedade civil como um todo. Uma equipe bem montada poderia evitar muitos dos tumultos que têm acontecido em outras comunidades com UPP, conflitos e violências que mancham a credibilidade dessa iniciativa de segurança pública.
Obrigado por ler esse texto.
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