Psicotropicus - Centro Brasileiro de Política de Drogas

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Rio de Janeiro, RJ, Brazil

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Política de Drogas e Direitos Humanos – 4º capítulo

Budapeste, 18 de julho de 2011

por Luiz Paulo Guanabara

Ativista brasileiro e seu amigo férreo na rua da UniversidadeSão seis horas e pouco da manhã, dormi pouquíssimo. Aí no Brasil, passa da uma e apesar de haver gente acordada, a grande maioria já está dormindo. Aproveito então para invadir o seu sono com minhas histórias, trazer do fundo do inconsciente coletivo uma luz sobre a política de drogas vigente, nem que seja provocando em muitos o pesadelo da regulamentação das drogas atualmente proibidas ou a consciência de que a guerra às drogas fracassou e é preciso um novo sistema de controle – na verdade, um sistema que realmente controle, já que, do jeito que está, a produção e comércio das drogas ilícitas é monopólio do tráfico, que lucra rios de dinheiro todos os dias sem pagar um centavo de impostos. E compra com essa grana um número cada vez maior de armas e monta exércitos para proteger os imensos lucros que o governo, tal inocente útil, lhe ajuda a realizar. E quem paga o pato? Quem mais sofre com essa política hipócrita, ridícula e insana? O povo desprotegido, alienado, vítima de balas perdidas, traficantes, milícias e de toda uma violência artificialmente construída pela ignorância, hipocrisia e incompetência de políticos e governantes que - em quase sua totalidade - não entendem a verdadeira dimensão do “problema mundial das drogas” ou se aproveitam desse status quo para empunhar sua bandeira de moralidade em troca do voto fácil da população iludida.

grupos de discussao após palestra do Dave Bewley

Na terça da semana passada, Dave Bewley definiu “regime” como um conjunto de princípios, normas, regras e processos de tomada de decisão, implícitos ou explícitos, em torno dos quais as expectativas dos indivíduos convergem nas diversas áreas especificadas pelo regime em vigor. O princípio que orienta a política de drogas é a saúde e o bem-estar da humanidade. O sistema atual de (des) controle de drogas passa longe de alcançar esse objetivo, já que percebemos em torno do “problema das drogas” uma porta para mais doenças e um tremendo mal-estar, fruto da violência gerada pelo regime. E apesar de toda repressão, da guerra cotidiana entre polícia e traficantes, entre as gangues rivais de traficantes ou de milicianos, e do suposto combate aos milicianos pelas forças do estado, o que vemos é uma crescente violência em meio da qual floresce a produção, a venda e o uso das drogas proibidas. Vemos também como essa situação torna muito difícil o trabalho de prevenção e de tratamento, assim como a demonização, preconceito e estigmatização construídos em torno do elo mais fraco da economia das drogas: o usuário de drogas - tantas vezes mal atendido pelo profissional de saúde e de assistência social, por conta do seu preconceito, ignorância e despreparo. E então a pessoa que usa drogas ilícitas, criminalizada pela lei, temendo rejeição por parte desses agentes, temendo estigma e preconceito, evita buscar ajuda, e quem perde é a sociedade como um todo.

Dave falou também das variáveis que cada vez mais apontam para uma mudança desse regime proibicionista punitivo, como a nova política de drogas portuguesa, o sistema holandês de coffee shops, a redução da repressão na maioria dos países da Europa Ocidental, a despenalização dos usuários em alguns países da América Latina e a importante denúncia da Convenção Única feita recentemente pelo governo da Bolívia. Entretanto não devemos nos esquecer da impressionante e maciça aderência de quase todos os países do mundo (184/184) às convenções de drogas da ONU, muitos deles exacerbando a letra e aplicando a pena de morte para traficantes e usuários, como China, Tailândia, Singapura, Vietnam e diversos outros países. A China, por exemplo, reúne vários condenados no dia internacional de combate às drogas promovido pelas Nações Unidas - 26 de junho -, e celebra executando todos de uma só vez, um ritual macabro. Vai violar direitos humanos assim no caralho!

Evoluçao do regime global de política de drogas (GDPR). Comissao de Shangai sobre Ópio (1909) e Convenção do Ópio, Haia (1912) e Genebra (1925)Na segunda aula da manhã, nos dividimos em grupos. O meu grupo foi formado pela inglesa Emily, a búlgara Yuliya, a georgiana Nino, a ucraniana Viktoriya e a russa Elena. Discutimos o impacto das convenções e do regime proibicionista, que as têm como fundamento, como textos sagrados, sobre cada um de nossos países. Foi interessante notar que, fora Brasil e Inglaterra, nos outros países representados no nosso grupo os usuários recebem duras sentenças e vão parar na cadeia por um simples baseado apreendido no flagrante da polícia.

As aulas seguiram na tarde da quarta e o dia inteiro na quinta em torno do sistema internacional de controle de drogas das Nações Unidas e de sua relação com os tratados da agência. Damon Barrett, que assumiu a classe a partir da tarde da quarta, discursou sobre as muitas convenções e tratados existentes no âmbito da ONU. Tem tratado para todos os gostos! Na quinta de manhã, ele focalizou a Convenção sobre Direitos das Crianças, e comentou que o Estatuto Brasileiro da Criança e do Adolescente é um dos melhores documentos para proteção dos direitos dessa população vulnerável. No entanto, como bem sabemos, está tudo bem escrito, mas pouco é de fato cumprido. O meu grupo da tarde reuniu o Wilson, do Zimbabwe, a Yuliya, a malasiana Katrina, a tailandesa Duangta e a romena Gina. (Cito a composição dos grupos para mostrar a variada nacionalidade dos participantes.)

foto5Na tarde da quinta-feira, a sessão conduzida por Damon terminou com um exercício em que alguns grupos defendiam o uso de drogas como direito humano e os outros sustentavam que não. O meu grupo era do não. Um exercício difícil. Quem atua no campo sabe que as razões proibicionistas se fundamentam em ideologia – não na ciência. Apresentamos os seguintes argumentos:

“As drogas tornam as pessoas improdutivas e irresponsáveis; afetam o comportamento e os resultados podem ser negativos para o bem comum; distorcem os valores da pessoa, e alguns pais podem acabar abusando dos filhos; e (refletindo um tipo de sofisma muito usado pelos proibicionistas): se o uso de drogas fosse um direito humano, estas não seriam ilícitas!!”

foto1

No próximo capítulo, falarei das aulas de sexta-feira para completar a semana passada. Agora vou tomar um banho, descer para o café da manhã, e me deslocar de transporte público até a universidade. O fim de semana foi sensacional, uma parte da turma, eu incluído, passou a tarde num dos complexos de águas termais de Budapeste, sob um céu totalmente azul e um sol perfeito, várias piscinas internas e externas com diversas temperaturas, saunas secas e a vapor. Lá pelas oito da noite, com o sol ainda brilhando, fui com o Aram, o romeno Valentim e o americano Evans encontrar dois membros da União Húngara de Liberdades Individuais (HCLU) no centro da cidade, em frente à catedral, e de lá seguimos para jantar num excelente restaurante árabe onde comi bolinhos de falafel com salada e arroz. Após o jantar, Istvan e Tamas nos conduziram pelas ruas do centro, apontando parques e prédios institucionais, como a embaixada americana, cercada por traves de aço capazes de conter tanques de guerra. Que temem os estadunidenses para tamanho arsenal de defesa de sua embaixada? Impressionante também é uma estátua do Ronald Reagan no final da praça onde fica a embaixada. Que faz um Ronald Reagan de ferro num jardim de Budapeste? Puxasaquismo de políticos baba-ovos? Os políticos tendem a ser idiotas no mundo inteiro, e as exceções confirmam a regra. No Brasil, levando em conta as conversas nos bares, restaurantes, universidades, praças, em casa, nos hotéis, motéis e todos os demais lugares em que o assunto é abordado, a população geral parece considerar que quase todos os políticos do país são corruptos – inclusive nos municípios, onde prefeitos sem-vergonha roubam o dinheiro da saúde e a merenda das crianças. É muita cara de pau! A corrupção deveria ser crime hediondo, não as drogas.

Segui com a turma sedenta por cerveja e chegamos a uma praça lotada, um tremendo buchicho romeno sob a luz de uma lua quase cheia. Encontramos alguns amigos do Istvan e, sentados sobre uma das muradas que margeiam as mesas espalhadas sobre os amplos degraus que conduzem ao terraço subterrâneo, trocamos idéias, esperando ou não as vitrolas do DJ que, quando passamos na ida, jorravam música eletrônica entrecortada pelo som rascante de um trompete com abafador. Depois de cerca de uma hora, decidi voltar pra “casa” e o Valentin veio comigo. No trajeto, contou como funciona a política em seu país, depois que o comunismo ruiu dois anos atrás seguindo a tendência estabelecida na Europa Oriental após a queda do muro de Berlin. A nova democracia romena é uma farsa, me informou: o serviço secreto continua mandando nas principais instituições e o resultado das eleições decorre de currais eleitorais perfeitamente controlados. Alguma semelhança com eleições nos estados e municípios do nosso Brasil?

Kosonom!

Fotos:

1 - Ativista brasileiro e seu amigo férreo na rua da Universidade

2 - Grupos de discussão após palestra do Dave Bewley

3 - Evoluçao do regime global de política de drogas (GDPR). Comissao de Shangai sobre Ópio (1909) e Convenção do Ópio, Haia (1912) e Genebra (1925)

4 - Temas para discussão em grupo

Um comentário:

Denise Leao disse...

Sera hipocrisia mesmo? Da ate pra desconfiar de tanta ignorancia por parte dos politicos que na grande maioria so pensa em lucros proprios. Por que sera que so poucos tentam mudar a atual politica de drogas, comprovadamente ineficaz? Tai uma equacao facil de resolver, Politico + Lucro = Trafico.