Budapeste, 15 de julho de 2011
por Luiz Paulo Guanabara
A primeira semana de aulas terminou hoje, com a excelente apresentação do advogado e acadêmico polonês Krzysztof Krajewski, sobre sistema de justiça criminal na aplicação das leis de drogas. Repare no nome do professor, que começa com Krz, depois um “y” vogal, szt, a vogal “o” e um “f” final: sete consoantes e duas vogais, sendo que a letra “y” não reconhecemos como vogal na língua brasileira – eu acho. É o equivalente português de Cristovão, claro. Embora seu discurso com auxílio de slides tenha tomado as duas sessões da manhã e a primeira sessão da tarde, em várias outras sessões durante a semana os temas em questão foram discutidos por alunos e professores divididos na sala em grupos de seis ou sete pessoas. Nessas discussões, os participantes relatam como o assunto em pauta se manifesta em cada um dos cerca de vinte e cinco países representados. Na segunda sessão da tarde de hoje, foi feita uma avaliação da semana, com sugestões e críticas para aprimorar o curso na semana que vem e no próximo ano. Houve então uma segunda rodada de apresentações, já que não é mole apreender nome, origem,background, instituição, interesses acadêmicos e trabalho atual em um grupo tão heterogêneo. Também foi combinada a ida esta noite a um pub na cidade e o passeio que faremos no domingo, quando entre outras atrações visitaremos o famoso castelo no lado Buda da cidade (nada a ver com o Buda do budismo, diga-se de passagem). Como já disse antes, Budapeste é a reunião de duas cidades distintas, Buda e Peste. Na volta à residência, vim andando até o metrô com a colombiana Catalina, a indiana Melody e a lituânia Larisa, com seus seios grandes, fartos e rígidos - impossível não notá-los querendo se livrar da blusa apertada! No caminho, compramos sabão em pó para o laundry conjunto que faremos amanhã nas máquinas do subsolo.
Deixo o dia de hoje para o próximo relato e retorno ao segundo dia do curso, com o professor inglês Dave Bewley-Taylor, que discursou sobre as convenções de drogas e o regime de controle de drogas da ONU. Este é um assunto sobre que estou moderadamente inteirado, por conta de ter participado em 2008, 2009 e 2010 das reuniões da Comissão de Drogas Narcóticas (CND) que são realizadas no complexo de edifícios das Nações Unidas em Viena. Além disso, juntamos no final de 2008 um grupo de organizações brasileiras que elaborou uma Declaração que apresentei no plenário da CND 2009, diante das delegações governamentais de quase todos os países do mundo - signatários das convenções de drogas da ONU. O Dave e o Damon Barrett, que deu prosseguimento ao tema na tarde da quarta e na quinta, são especialistas no assunto. O Damon, apesar de irlandês, tem participado das reuniões da CND nos últimos anos como membro oficial da delegação da Grã-Bretanha. Ouvi histórias incríveis dos bastidores dessas entediantes e burocráticas reuniões e nos foi apresentado em detalhe como funcionam a CND e os outros dois órgãos que juntos compõem a instância da ONU que zela pela manutenção do regime proibicionista: a Junta Internacional de Controle de Entorpecentes (INCB), ferrenha guardiã das diretrizes e das normas das convenções de drogas, que vigia os países signatários (183 ou 184, quase todos os países do mundo) para que não saiam da linha, e os critica quando não agem de acordo, e o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), de caráter executivo. O relatório anual do INCB quase todos os anos contém críticas ao sistema de coffee shops de Amsterdam e aos esforços da Bolívia para retirar da lista de substâncias proibidas a folha de coca – um hábito milenar andino que protegido por outra convenção da ONU, sobre direitos dos povos indígenas. A CND é o mais importante dos três órgãos, onde as decisões políticas são tomadas, que é o que interessa. Em suas reuniões anuais é decidido o futuro do sistema global de controle de drogas, visando à nobre meta de “um mundo livre de drogas, podemos conseguir”. Obviamente, nunca vão conseguir e ultimamente passaram a dizer que “o problema está contido!”
A Guerra às Drogas é fruto dessas convenções. Na sessão da CND 2009 em que apresentei a declaração da sociedade civil brasileira, disse em alto e bom tom que o sistema estava falido, que as convenções deveriam ser revogadas, que o sistema de controle de drogas não controla nada, que sua política só serve para fortalecer o mercado ilícito, gerando mais oferta e mais consumo, fortalecendo o tráfico e impedindo que medidas eficazes de saúde pública sejam adotadas para diminuir a disseminação de doenças como HIV/AIDS e hepatites (veja o vídeo). A pressão cada vez maior que as ONGs têm feito junto aos membros desses três órgãos, baluartes institucionais do proibicionismo, é vista como um incômodo que eles têm de aturar. Certamente gostariam de alijar a sociedade civil, se livrar da pressão por reforma e manter tudo como está, mas isso é politicamente inviável e estaria em desacordo com a Carta das Nações Unidas - o documento maior que rege seu funcionamento, assinado em 1945 -, que promove a participação da sociedade civil. Entre outras providências, a carta magna da ONU criou o poderoso Conselho de Segurança – de que o Brasil aspira a ser membro. É interessante notar que os cinco membros permanentes, Estados Unidos, Rússia, China, Inglaterra e França, são os cinco maiores produtores de armamentos do mundo. É interessante notar também que, embora as decisões tenham de ser adotadas por consenso, no caso da última guerra do Iraque, os estadunidenses cagaram e andaram para a oposição da Rússia e da China (também da França, creio). Para muitos pensadores, as Naçoes Unidas hoje em dia são uma sucursal dos EUA, seu maior financiador.
Não vou me estender sobre este assunto complicado e desconhecido da maioria da população mundial, mas lembrar que existe outro importante documento no âmbito da ONU: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que conflita com seu sistema de controle de drogas. Como a política de drogas vigente no mundo fundamentada nas convenções proibicionistas tem gerado constantes violações de direitos humanos - já que estas conceituam as drogas (ilícitas) como um “flagelo” ou “mal” (evil) que tem de ser combatido com repressão policial e militar (se preciso), e perseguição a seus usuários -, os defensores desse regime na ONU e nos governos nacionais não gostam nada quando se afirma que o controle de drogas deve respeitar acima de tudo os direitos humanos. Como não existe uma prevalência clara de um documento sobre outro, o conflito continua. Cabe lembrar que em nenhum tratado ou convenção das Nações Unidas, nem mesmo no tratado contra tortura ou contra o terrorismo, a palavra “evil” aparece. O Preâmbulo da Convenção Única de 1961 começa: “Preocupados com a saúde física e moral da humanidade;... Reconhecendo que a toxicomania é um flagelo para o indivíduo e constitui um perigo econômico e social para a humanidade”... Oh! E por aí vai! (A palavra “evil” também poderia ser traduzida como “pecado”.)
O calor em Budapeste continua, com temperaturas em torno de 35 graus durante o dia. As noites também estão quentes. Na terça-feira, depois das aulas, fomos para um dos muitos bares nas redondezas da Central European University. Tivemos uma longa discussão sobre o Twitter e sobre twittar as discussões abertas que ocorrem nas classes, o que pode e o que não deveria ser twittado. O meu shake de banana tinha leite demais, mas a grande maioria bebeu cerveja. O centro residencial fica há cerca de meia hora da universidade e, para voltar, a gente anda até a estação de metro Deak Ferenk ter, desembarca seis estações depois, quando a composição já está ao ar livre, e pega um ônibus para descer três pontos depois em frente à residência. Gosto desse deslocamento diário em meio à população local. Ao chegar, subi pra trocar de roupa e depois de meia hora de exercícios no ginásio que fica no térreo, nadei um pouco na piscina. Tenho curtido dar socos naquele troço pendurado do teto em que os boxeadores treinam. Penso nos políticos e outros escrot@s brasileir@s, e mando ver. Pena que não tem luvas de boxe à disposição. Vou ver se compro um par. O residencial tem restaurante, um bar com televisão, salas de estudo com wi-fie amplos pátios com mesas, na entrada e nos fundos. Não conheço os residenciais das universidades brasileiras, mas sei que as pessoas reclamam do Fundão da UFRJ, e acredito que por aí não há nada que chegue nem perto do conforto da residência onde estou hospedado.
Uma última coisa que tem estado na minha cabeça, é o fato de que nesta cidade não existe lugar para uma polícia tipo BOPE. Apesar de ser um país pobre, os húngaros são um povo civilizado e já fizeram parte de um império, como o Brasil. Certamente existe crime, mas a violência por aqui deve ser cem vezes menor. Cheguei à conclusão de que onde existe BOPE – ou outras polícias do gênero - não pode existir civilização. Anyway, e como já disse o escritor e poeta, Salve o Povo Brasileiro!
Fotos:
1 - Discussão dos temas - grupos aleatórios - alunos e professores
2 - Dave Bewley-Taylor - sistema de controle de drogas da ONU
3- Damon Barrett - crianças e uso de drogas
4 - Definição de Direitos Humanos
5 - Depois das aulas de terça-feira, 12 de julho
Um comentário:
Oi LP - balanço da primera semana - trocas de experiências excelentes, bons contatos e seios fartos!!! nada mal.
bj ;>)
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