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Rio de Janeiro, RJ, Brazil

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O usuário de drogas definido como “o outro”



Por Marisa Felicissimo

Extraído da fala de Craig McClure, Diretor Executivo da Sociedade Internacional de AIDS, no encerramento da 20ª Conferência da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA)
“Gostaria de apresentar três observações que tenho feito quanto à resposta ao HIV no que se relaciona ao uso de drogas e à redução de danos.Todas são baseadas no medo. Minha primeira observação é como continuamos a falar de pessoas que usam drogas como “o outro”. Empregamos os termos “usuários de drogas” e “pessoas que usam drogas” como se alguns de nós não usássemos drogas. Mas, cá entre nós, quem não usa alguma droga que altera o humor, a consciência da dor, ou nosso estado físico ou emocional? Um alucinógeno, um estimulante, um comprimido de ecstasy, um tranqüilizante. Até os últimos três presidentes dos Estados Unidos admitiram ter usado algumas delas. Uma cerveja, um copo de vinho, uma dose de uísque. Um cigarro. Uma xícara de café ou de chá. Um remédio para dor, um antidepressivo, um valium, uma pílula de dormir.Somos todos pessoas que usam drogas e a nossa recusa em admitir isso é a expressão do medo de que “nós” seremos transformados ou vistos com um “deles”. Enquanto continuarmos definindo o usuário de drogas como “o outro” e definindo a droga em si como o problema, estaremos presos nos nossos mal conduzidos e danosos programas e políticas”.

Foi com essas palavras que o diretor executivo da International AIDS Society, Craig McClure, chamou a atenção de centenas de pessoas presentes na cerimônia de encerramento da Conferência Internacional de Redução de Danos realizada em Bangkok, Tailândia de 21 a 23 de abril de 2009. Tive o privilégio de presenciar este momento histórico para a redução de danos e passo aqui os detalhes deste discurso.
A relevância do tema e as belas palavras proferidas pelo diretor executivo da International AIDS Society, Craig McClure no excelente discurso de encerramento, proporcionou aos presentes um momento de reflexão e inspiração. Faço aqui um resumo traduzido do discurso que pode ser lido na íntegra, em inglês, no Blog HR2.
Com o título “Refexões sobre a política de redução de danos e a resposta global ao HIV” Craig McClure, inicia relembrando sua participação na conferência internacional de AIDS realizada em Bangkok há 5 anos, em meio à epidemia de gripe aviaria e à ameaça de cancelamento da conferência (como aconteceu desta vez também) e o momento crítico da execução de milhares de usuários de drogas pelo governo tailandês, na tentativa de conter o problema das drogas no país.
Nestes cinco anos de trabalho concluiu que é o medo o principal condutor das ações mundiais relacionadas às drogas, ao uso de drogas e ao usuário de drogas. Em seguida oferece três observações sobre a resposta ao HIV, em relação ao uso de drogas e à redução de danos, todas baseadas no medo.

1- A pessoa que usa droga como “o outro”: “…usamos os termos “usuários de drogas”, “pessoas que usam drogas” como se alguns de nós não usassem drogas. Mas quem de nós não usa alguma droga que altera o humor, a percepção da dor, ou o estado físico ou emocional?” Então cita uma série de drogas ilegais, bebida, cigarro, pílulas p/ a dor e para dormir, e diz que até os três últimos presidentes dos EUA admitiram usar algumas delas. “Somos todos pessoas que usam drogas e a nossa recusa em admitir isso é a expressão do medo de que “nós” seremos transformados ou vistos com um “deles”. “”… realmente devemos focar na diferença entre uso de drogas e dependência de drogas. A política mundial de drogas continua concentrando prioritariamente seus esforços nas substâncias isoladamente. Isto está errado”. “… como e porque algumas pessoas se tornam dependentes de drogas e não outras e como podemos prevenir a dependência ainda é uma área que requer muita pesquisa. Mas nenhuma justificativa deve ser usada para culpar ou discriminar o dependente de drogas. Enquanto continuarmos definindo o usuário de drogas como o outro e definindo a droga em si como o problema, estaremos presos nos nossos mal conduzidos e danosos programas e políticas”.

2- A negação deliberada das evidências e o abuso da autoridade médica: fala do caso da metadona continuar ilegal na Rússia, apesar de todas as evidências indicando sua eficácia nos programas de substituição para usuários injetáveis de heroína. “Essa contínua negação só poder ser baseada em profundo medo. Lembrem que esta sociedade foi calcada na negação pelo medo”. E faz uma comparação com os horrores, por anos negados, da era Stalin. Segue dizendo que a Rússia não é um caso isolado e que até no seu próprio país, Canadá, os programas de redução de danos têm enfrentado constantes ameaças do governo que, por vezes, se recusa a enxergar a evidência dos resultados. “É o medo o condutor da guerra global às drogas e dos abusos infligidos aos usuários de drogas”. Denuncia os abusos cometidos em nome do tratamento por médicos (e outros profissionais), que não só se recusam a agir segundo as evidências, mas também violam os direitos humanos e o juramento hipocrático. “A Associação Internacional de AIDS condena estas práticas anti-éticas e desumanas”. “O medo pode gerar a negação de qualquer evidência que apresentarmos”.

3- O abismo das diferenças existente entre a visão da redução de danos sobre o uso de drogas e o que proclamam os ativistas do movimento anti-drogas: “Indivíduos do movimento anti-drogas são também motivados por suas experiências com os piores danos associados ao uso de drogas. Discutir essas experiências abertamente, sem preconceitos, pode ser o começo de um discurso comum, que partilhamos. Se não somos capazes de acessar esses grupos, e encontrar um ponto em comum, então nossa evidência, nunca superará o medo deles”. “E o mais importante é que devemos superar o nosso próprio medo de prejudicar o argumento de que a redução de danos funciona, se reconhecermos e falarmos muito abertamente do lado horrendo da dependência de drogas. Se deixarmos a fresta entre nós e os movimentos anti-drogas se abrir demais, teremos que lutar nesta guerra bem mais que o necessário”.
Na conclusão do seu discurso, McClure fala da Conferência Internacional de AIDS a ser realizada em Viena em 2010 e conclama os futuros participantes a não deixar o medo dominar o evento como aconteceu este ano com os oficiais participantes da CND em Viena.
E finaliza dizendo: “Companheiros usuários de drogas, vamos continuar buscando profundamente dentro de nós mesmos, e enfrentar nossos próprios medos sobre as drogas que usamos, como as usamos, como podemos continuar curiosos, a sentir bem, a sentir melhor, e a fazer melhor. Vamos continuar pensando em como podemos prevenir ou reduzir qualquer dano que podemos causar a nós mesmos, às nossas famílias, à nossa comunidade e sociedade. Vamos acabar com a infecção pelo HIV em pessoas que usam drogas, e tratar, cuidar e apoiar aqueles que vivem com o HIV. Vamos progredir para um discurso unificado, em que a saúde pública e os direitos humanos são dois lados da mesma moeda. Vamos lutar por uma sociedade mais justa para todas as pessoas em todos os lugares. Finalmente, vamos continuar buscando um campo comum com aqueles que ainda não estão “do lado correto da história” (como definiu Michel Kazatchkine na abertura desta conferência). Que possamos encontrar a paixão e compaixão para conversar com os nossos, assim chamados, inimigos, mostrá-los o caminho, e ajudá-los a superar seus medos. Porque como o laureado com o Nobel e guerreiro dos direitos humanos Aung San Suu Kyi disse: medo não é o estado natural dos povos civilizados.”
O encerramento ainda contou com as considerações finais de Gerry Stimson, do relator da conferência Nicholas Crofts, do representante da INPUD (Rede Internacional de Pessoas que Usam Drogas) – Eric Schneider que consideraram a conferência um sucessso e do anúncio de Liverpool como local da conferência da IHRA em 2010.
Mais relatos sobre a IHRA 2009 – Tailândia podem ser encontrado em http://www.ihra.net, em inglês.

Um comentário:

Anônimo disse...

mаgnificent submіt, very infогmаtiνe.
I wondeг why the other expеrts of this sеctor don't realize this. You must continue your writing. I'm
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