Concentração na Pça Nossa Senhora da Paz
Ipanema, 4 de maio de 2002
por Luiz Paulo Guanabara
O Globo e Jornal do Brasil ficaram sabendo da marcha que seria realizada e publicaram as seguintes matérias:
Eu soube que haveria esta marcha através dessa matéria do Jornal do Brasil. Morava em Ipanema nessa época e fui caminhando pela praia até a Rua Joana Angélica, onde entrei para chegar na praça. A cena que encontrei foi a seguinte: do lado direito da praça para quem está virado para a Lagoa Rodrigo de Freitas estavam dezenas de jornalistas querendo entrar em contato com os organizadores da marcha. E do lado esquerdo, estavam os manifestantes, os ativistas.
Fiquei então sabendo que poucas horas antes ocorrera uma manifestação contra a realização da marcha. Saí de onde estavam os jornalistas e fui até o outro extremo da praça onde estavam os manifestantes, com roupas, faixas e alegorias muito criativas. Nessa época eu já era um ativista e pesquisador que tinha apresentado trabalhos sobre aspectos diversos da questão das drogas no Brasil e nos EUA, e acho que por isso comecei a conversar com os maconheiros sobre a importância daquela Million Marijuana March, mais uma cidade entre as quase trezentas que todo ano realizavam um evento daqueles no primeiro sábado de maio.
Tinha fumado um do bom antes de sair de casa e comecei a falar sem parar ao mesmo tempo em que a atenção ao que eu dizia aumentava. Ao verem que havia alguém buscando organizar alguma coisa para a marcha tomar as ruas, os jornalistas correram na minha direção: acabei dando uma coletiva para a imprensa e sob as câmeras da Polícia Civil.
Na foto abaixo vc pode ver os manifestantes em cima da escada da estátua no lado leste da praça e abaixo a foto dos participantes assistindo ao discurso inusitado que acabei fazendo. É por isso que em algumas das matérias abaixo vc vão ver o meu nome como um dos organizadores, embora eu desmentisse aos insistentes repórteres. A matéria de O Globo de 3 de maio (acima) fala de uma portuguesa de 25 anos, a organizadora que estava com medo de se mostrar. Seu nome é Suzana Souza e foi ela que distribuiu os cartazes onde se lia Liberation Day, onde colou uma seda Colomi com lugar, data e hora da marcha. Era o cartaz (em inglês) que a organização central na marcha em Nova York havia mandado para todas as quase 300 cidades participantes, que tinham seu nome no verso.
Toda a mídia estava presente. Essas matérias de jornal me foram dadas pela minha querida Suzana, já falecida. Ela armou o circo, eu fui o porta-voz e todos os manifestantes juntos se dirigiram para a Rua Visconde de Pirajá, enquanto os jornalistas faziam seu trabalho:
Foi uma vibração imensa. Liguei para os amigos para contar sobre essa coisa incrível que estava se acontecendo na minha frente. Veja o que disse o JB do dia seguinte:
JB, 5 de maio de 2002 |
O Globo, 5 de maio de 2002 - transcrição abaixo |
“Manifestação causou polêmica no bairro e polícia vai investigar organizadores por fazerem apologia às drogas”
por Leticia Matheus
A primeira manifestação no Rio do "Liberation Day” pela legalização da maconha, que acontece simultaneamente em 192 países, foi filmada e fotografada por três agentes da Polícia Civil, que vai abrir inquérito para indiciar os organizadores por fazerem apologia às drogas. Segundo o chefe de gabinete da PC, delegado Pedro Paulo Pinho, que esteve na manifestação ontem em Ipanema, será investigado o possível envolvimento de traficantes com líderes do protesto.
PMs foram vaiados na Praça Nossa Senhora da Paz
A marcha mundial pela maconha, como foi chamada a manifestação, foi acompanhada por 50 Policiais Militares do 23 BPM (Leblon). Ninguém foi preso, mas a PM avisou que ia coibir o uso de maconha.
Na concentração, na Praça Nossa Senhora da Paz, o sub-comandante do batalhão, major foi hostilizado e vaiado. Cerca de 150 pessoas, segundo a PM, e 8-00, segundo os organizadores deixaram a praça em direção ao Posto 9, com gritos de legalize já e maconha na Avenida Visconde de Pirajá.
A marcha causou polêmica entre os moradores:
— Isto é a derrota da sociedade de bem — disse uma moradora de 77 anos, que preferiu não se identificar.
Já a comerciante Cláudia Miranda, de 53 anos, mãe de um adolescente de 14, aprovou a manifestação:
— Se descobrisse meu filho fumando maconha, acho que conseguiria contornar a situação. O que não gostaria é que ele fosse preso. Eu fumo meu cigarro e bebo minha cerveja e não sou perseguida por isso.
Segundo o psicoterapeuta Luiz Paulo Guanabara, o objetivo da manifestação foi fazer distinção entre os usuários da cannabis e de outros entorpecentes. Os manifestantes também pediram a descriminalização da maconha.
— O usuário deve ser tratado pelo Ministério da Saúde, não pelo da Justiça — disse.
FIM
Reparem na matéria acima e na seguinte que o meu nome aparece como um dos organizadores da marcha. Acredito que os jornalistas tenham atribuído isso por causa da coletiva e pela organização da saída para as ruas. Isso tudo ocorreu porque a Suzana resolveu se esconder e somente a conheci quando a marcha já tinha se dissolvido no Posto 9. Tornamo-nos amigos íntimos, não sem ela reclamar inicialmente que eu tinha roubado o trabalho dela. Concordamos que ela tinha sido medrosa e que por sorte um ativista da causa assumiu o diálogo com a mídia. Acabei até dando uma entrevista que saiu no RJ-TV da TV Globo. A Psicotropicus já existia nessa época, era um grupo de psicólogos pensando política de drogas e redução de danos.
Acabada a Marcha, a barra ficou pesada, como pode ser lido na matéria acima e nas seguintes. Já no fim da marcha ficamos sabendo por intemédio de um jornalista que os organizadores seriam investigados. Depois de um tempo de confraternização no Posto 9, corri pra casa. Vejam o que aconteceu como relatado pela mídia:
Extra 5 de maio de 2002 |
O Globo, 5 de maio de 2002 |
Marchando em direção ao Posto 9 |
Com a mídia em cima |
Na segunda-feira, 6 de maio, o Extra publica:
Mas nesse mesmo dia ficamos sabendo:
E O Globo publicou em 6 de maio de 2002
ATO PRÓ-MACONHA CRIA DIVERGÊNCIA NO GOVERNO
“Enquanto Benedita considera normal policiais terem filmado manifestantes, líder do partido acha um absurdo”
por Adriana Castelo Branco
A governadora Benedita da Silva considerou natural o fato de três agentes da Polícia Civil terem filmado a manifestação em favor da legalização da maconha, feita anteontem, em Ipanema. Segundo ela,- a ação faz parte do trabalho dos policiais.
Para Chico, filmagem não combina com governo do PT
Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos e líder da bancada do PT na Assembléia Legislativa, deputado Chico Alencar, considerou absurda a atitude dos policiais e disse que "não combina com o governo do PT".
— A filmagem faz parte do instrumento de trabalho da polícia. Uma manifestação dessa natureza tem que ser registrada para ver se existe apologia da droga ou alguma distorção que venha a ferir o Código Penal. O que ficou registrado está em poder da polícia para ser examinado e ela fazer uso, se necessário - afirmou Benedita.
Para Chico Alencar, o aparelho do estado não deve ser usado para filmar, vigiar ou documentar manifestações públicas, principalmente as pacíficas, o que faz parte, segundo ele, de uma sociedade democrática.
— É um desperdício de dinheiro, quando há a necessidade de investigação em áreas de risco, violência e criminalidade. Sou a favor da descriminalização do usuário, que acaba alimentando o comércio destruidor de vidas que é o tráfico. Mas uma coisa é alimentar o esquema, outra bem diferente é considerá-lo criminoso. Isso não combina com o PT. A polícia deve achar que o secretário de Segurança ainda é o Josias Quintal, que trabalhou no DOI Codi — criticou o deputado.
Minc pede que manifestantes não sejam processados
Com relação à declaração do ex-governador Anthony Garotinho, durante um programa de rádio no sábado, de que a governadora é de um partido que prega a legalização da maconha, Benedita foi sucinta:
— Ele pode dizer o que quiser. Não acredito que outros partidos não tenham pessoas com idéias diferentes que não façam parte das idéias do programa do partido. O PT já tem 22 anos e governa entendendo a pluralidade da sociedade. Nosso programa é um projeto para o Brasil e não para uma religião, um sexo ou uma etnia.
O deputado Carlos Minc (PT), presidente da Comissão contra a Impunidade da Alerj, conversou com o secretário de Segurança, Roberto Aguiar; o chefe da Polícia Civil, Zaqueu Teixeira; e com o delegado Pedro Paulo Pinho, que teriam garantido que os manifestantes não serão processados por defender a legalização da maconha. Minc mostrou a Pedro Paulo que traficantes não apóiam a legalização, pois lucram com o comércio clandestino. Roberto Aguiar não quis comentar o caso.
FIM
No final, ficou tudo bem, ninguém foi investigado. E com isso espero ter posto um fim numa discussão idiota que teima em negar a existência da Marcha da Maconha 2002 no Rio.
Confraternização no Posto 9 |
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