Por Marisa Felicissimo
Extraído da fala de Craig McClure,  Diretor Executivo da Sociedade Internacional de AIDS, no encerramento da  20ª Conferência da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA)
“Gostaria de apresentar três observações  que tenho feito quanto à resposta ao HIV no que se relaciona ao uso de  drogas e à redução de danos.Todas são baseadas no medo. Minha primeira  observação é como continuamos a falar de pessoas que usam drogas como “o  outro”. Empregamos os termos “usuários de drogas” e “pessoas que usam  drogas” como se alguns de nós não usássemos drogas. Mas, cá entre nós,  quem não usa alguma droga que altera o humor, a consciência da dor, ou  nosso estado físico ou emocional? Um alucinógeno, um estimulante, um  comprimido de ecstasy, um tranqüilizante. Até os últimos três  presidentes dos Estados Unidos admitiram ter usado algumas delas. Uma  cerveja, um copo de vinho, uma dose de uísque. Um cigarro. Uma xícara de  café ou de chá. Um remédio para dor, um antidepressivo, um valium, uma  pílula de dormir.Somos todos pessoas que usam drogas e a nossa recusa em  admitir isso é a expressão do medo de que “nós” seremos transformados  ou vistos com um “deles”. Enquanto continuarmos definindo o usuário de  drogas como “o outro” e definindo a droga em si como o problema,  estaremos presos nos nossos mal conduzidos e danosos programas e  políticas”.
Foi com essas  palavras que o diretor executivo da International AIDS Society, Craig  McClure, chamou a atenção de centenas de pessoas presentes na cerimônia  de encerramento da Conferência Internacional de Redução de Danos  realizada em Bangkok, Tailândia de 21 a 23 de abril de 2009. Tive o  privilégio de presenciar este momento histórico para a redução de danos e  passo aqui os detalhes deste discurso.
A relevância do tema e as belas palavras  proferidas pelo diretor executivo da International AIDS Society, Craig  McClure no excelente discurso de encerramento, proporcionou aos  presentes um momento de reflexão e inspiração. Faço aqui um resumo  traduzido do discurso que pode ser lido na íntegra, em inglês, no Blog  HR2.
Com o título “Refexões sobre a política  de redução de danos e a resposta global ao HIV” Craig McClure, inicia  relembrando sua participação na conferência internacional de AIDS  realizada em Bangkok há 5 anos, em meio à epidemia de gripe aviaria e à  ameaça de cancelamento da conferência (como aconteceu desta vez também) e  o momento crítico da execução de milhares de usuários de drogas pelo  governo tailandês, na tentativa de conter o problema das drogas no país.
Nestes cinco anos de trabalho concluiu  que é o medo o principal condutor das ações mundiais relacionadas às  drogas, ao uso de drogas e ao usuário de drogas. Em seguida oferece três  observações sobre a resposta ao HIV, em relação ao uso de drogas e à  redução de danos, todas baseadas no medo.
1- A pessoa que usa droga como “o  outro”: “…usamos os termos “usuários de drogas”, “pessoas que usam  drogas” como se alguns de nós não usassem drogas. Mas quem de nós não  usa alguma droga que altera o humor, a percepção da dor, ou o estado  físico ou emocional?” Então cita uma série de drogas ilegais, bebida,  cigarro, pílulas p/ a dor e para dormir, e diz que até os três últimos  presidentes dos EUA admitiram usar algumas delas. “Somos todos pessoas  que usam drogas e a nossa recusa em admitir isso é a expressão do medo  de que “nós” seremos transformados ou vistos com um “deles”. “”…  realmente devemos focar na diferença entre uso de drogas e dependência  de drogas. A política mundial de drogas continua concentrando  prioritariamente seus esforços nas substâncias isoladamente. Isto está  errado”. “… como e porque algumas pessoas se tornam dependentes de  drogas e não outras e como podemos prevenir a dependência ainda é uma  área que requer muita pesquisa. Mas nenhuma justificativa deve ser usada  para culpar ou discriminar o dependente de drogas. Enquanto  continuarmos definindo o usuário de drogas como o outro e definindo a  droga em si como o problema, estaremos presos nos nossos mal conduzidos e  danosos programas e políticas”.
2- A negação deliberada das evidências e  o abuso da autoridade médica: fala do caso da metadona continuar ilegal  na Rússia, apesar de todas as evidências indicando sua eficácia nos  programas de substituição para usuários injetáveis de heroína. “Essa  contínua negação só poder ser baseada em profundo medo. Lembrem que esta  sociedade foi calcada na negação pelo medo”. E faz uma comparação com  os horrores, por anos negados, da era Stalin. Segue dizendo que a Rússia  não é um caso isolado e que até no seu próprio país, Canadá, os  programas de redução de danos têm enfrentado constantes ameaças do  governo que, por vezes, se recusa a enxergar a evidência dos resultados.  “É o medo o condutor da guerra global às drogas e dos abusos infligidos  aos usuários de drogas”. Denuncia os abusos cometidos em nome do  tratamento por médicos (e outros profissionais), que não só se recusam a  agir segundo as evidências, mas também violam os direitos humanos e o  juramento hipocrático. “A Associação Internacional de AIDS condena estas  práticas anti-éticas e desumanas”. “O medo pode gerar a negação de  qualquer evidência que apresentarmos”.
3- O abismo das diferenças existente  entre a visão da redução de danos sobre o uso de drogas e o que  proclamam os ativistas do movimento anti-drogas: “Indivíduos do  movimento anti-drogas são também motivados por suas experiências com os  piores danos associados ao uso de drogas. Discutir essas experiências  abertamente, sem preconceitos, pode ser o começo de um discurso comum,  que partilhamos. Se não somos capazes de acessar esses grupos, e  encontrar um ponto em comum, então nossa evidência, nunca superará o  medo deles”. “E o mais importante é que devemos superar o nosso próprio  medo de prejudicar o argumento de que a redução de danos funciona, se  reconhecermos e falarmos muito abertamente do lado horrendo da  dependência de drogas. Se deixarmos a fresta entre nós e os movimentos  anti-drogas se abrir demais, teremos que lutar nesta guerra bem mais que  o necessário”.
Na conclusão do seu discurso, McClure  fala da Conferência Internacional de AIDS a ser realizada em Viena em  2010 e conclama os futuros participantes a não deixar o medo dominar o  evento como aconteceu este ano com os oficiais participantes da CND em  Viena.
E finaliza dizendo: “Companheiros  usuários de drogas, vamos continuar buscando profundamente dentro de nós  mesmos, e enfrentar nossos próprios medos sobre as drogas que usamos,  como as usamos, como podemos continuar curiosos, a sentir bem, a sentir  melhor, e a fazer melhor. Vamos continuar pensando em como podemos  prevenir ou reduzir qualquer dano que podemos causar a nós mesmos, às  nossas famílias, à nossa comunidade e sociedade. Vamos acabar com a  infecção pelo HIV em pessoas que usam drogas, e tratar, cuidar e apoiar  aqueles que vivem com o HIV. Vamos progredir para um discurso unificado,  em que a saúde pública e os direitos humanos são dois lados da mesma  moeda. Vamos lutar por uma sociedade mais justa para todas as pessoas em  todos os lugares. Finalmente, vamos continuar buscando um campo comum  com aqueles que ainda não estão “do lado correto da história” (como  definiu Michel Kazatchkine na abertura desta conferência). Que possamos  encontrar a paixão e compaixão para conversar com os nossos, assim  chamados, inimigos, mostrá-los o caminho, e ajudá-los a superar seus  medos. Porque como o laureado com o Nobel e guerreiro dos direitos  humanos Aung San Suu Kyi disse: medo não é o estado natural dos povos  civilizados.”
O encerramento ainda contou com as  considerações finais de Gerry Stimson, do relator da conferência  Nicholas Crofts, do representante da INPUD (Rede Internacional de  Pessoas que Usam Drogas) – Eric Schneider que consideraram a conferência  um sucessso e do anúncio de Liverpool como local da conferência da IHRA  em 2010.
Mais relatos sobre a IHRA 2009 – Tailândia podem ser encontrado em http://www.ihra.net, em inglês.

 
